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15 DE MARÇO DE 1985 2429

A minha resposta - que só me vincula a mim - é, não! Sopeso a utilidade marginal de tanta despesa inútil ou rotineira e concluo que mais bem aplicada era, na habitação, a correspondente taxa de esforço colectivo.
Vim eu então aqui colher aplausos das oposições, zurzindo o Governo de que sou Ministro? Sem que isso deixe de estar na moda, devo à vossa perspicácia a certeza de que não esperais isso de mim.

Risos do CDS.

O que me proponho evidenciar - correndo embora o risco desse requinte de sensaboria que é dizer bem de um governo, qualquer que seja - é que este Governo resolveu pôr termo à resignação com que vinha sendo encarado o problema do envelhecimento das rendas habitacionais, e em consequência as próprias habitações, e meteu a lanceta do fleimão.
A coragem com que o fez é por esta proposta de lei que se mede. Por isso é tão polémica. Por isso comporta o risco assumido de alguma aventura, no bom sentido da descoberta de novos caminhos. Mas dela se não dirá que deixou as coisas como estavam, limitando-se aos expedientes clássicos das linhas de crédito bonificado ou dos estímulos fiscais.
Pode chamar-se-lhe «desumana», como o Sr. Deputado Corregedor da Fonseca; pode-se julgá-la «escandalosa», como a julgou o Sr. Deputado João Amaral; pode-se considerá-la «um verdadeiro crime social», como a considerou a Sr.ª Deputada Zita Seabra.

Vozes do PCP: - E é!

O Orador: - A adjectivação é livre. O que ninguém dirá é que este Governo continuou a fechar os olhos, como os que nas últimas quatro décadas o precederam, à vergonhosa realidade que aqueles Srs. Deputados se abstiveram de qualificar.
É decerto tentador tomar o partido dos pobres. Infelizmente, em política, não raro as realidades desvalorizam os sentimentos.
Que ninguém iluda ninguém. A problemática da renda habitacional não é sempre, nem sequer o mais das vezes, uma questão entre ricos e pobres. É também, queira-se ou não, uma questão entre pobres e pobres. Se há senhorios com meios para «comprarem um hotel para beberem um copo de genebra» - na conhecida imagem de Chesterton - há também senhorios mais pobres do que os seus inquilinos. Não pode o Governo eximir-se a pensar nestes também.
A gama dos expedientes tentados após o 25 de Abril, desde a legalização de ocupações selvagens, ao alastrar do congelamento e à compulsividade do arrendamento dos prédios devolutos, tentados pelo primeiro-ministro Vasco Gonçalves, até à introdução da renda livre e da renda condicionada, esta corrigível em certos termos, pelo primeiro-ministro Sá Carneiro, o que foi feito, ou bem que agravou a situação, ou bem que manteve inerte, e a cair de podre, o nosso parque habitacional.
A doença era profunda, e o corpo social não reagiu a esses estímulos.
Com razão - reconheça-se. Com o nominal de uma renda anterior a 1948 - ano do congelamento por Salazar das rendas de Lisboa e Porto - compra-se hoje um prego. Um «prego» de pregar, não de comer! E como as rendas mais minguadas correspondem aos arrendamentos, logo aos prédios, mais antigos, tudo se conjuga para que o proprietário empobreça e o prédio
caia. Chega-se ao contra-senso de o senhorio desejar ardentemente a ruína do prédio como única forma de despejo que a lei na maioria dos casos lhe faculta.
Não é para menos. Com o prédio no chão, o senhorio recupera a disponibilidade do terreno, que não raro vale, só por si, 10 vezes e mais do que o próprio prédio, quando erecto. Com o prédio no ar, 16,9% dos senhorios da Grande Lisboa, 33% dos do Grande Porto, e cerca de 30% das restantes áreas, recebem rendas inferiores a 500$, o que lhes assegura o direito a almoçarem - não muito bem - uma vez em trinta! Dá para «morrerem acima das suas posses»!
Mas não quero ser acusado de esquecer os inquilinos. E boa é, decerto, esta minha premonição dado que, sendo também senhorio, correria o risco da suspeita de pertencer ao «pequeno lobby dos senhorios» de que falava o Sr. Deputado João Amaral.
Não pertenço. E vai nisso alguma magnanimidade, dado que, se tivesse de viver das rendas que me pagam, há muito já teria morrido de fome. Sei no entanto bem o que a renda, mesmo modesta, representa em taxa de esforço para orçamentos familiares de subsistência.
Só não sou capaz de achar normal, embora pouco cristão, que as famílias de modestos recursos suportem a correcção periódica dos preços de tudo, menos o da habitação! E dou em matutar com base em que mito o farisaísmo isola dos mais este bem, único que não sujeita às regras inclementes do mercado.
Por mim, acho com toda a franqueza que sendo o dinheiro por definição fungível, e intermediário geral de trocas, tanto bonda ao pobre poupar na casa como na saúde ou no leite do filho, como tanto lhe faz, dentro do que pode, pagar renda ao senhorio, taxa à câmara ou imposto ao Estado.
Pois faz lá sentido que, dependendo o parque habitacional, fundamentalmente, da construção privada - que pela Constituição ao Estado compete estimular - se procurem rentabilizar todos os demais investimentos menos esse, e ao mesmo tempo se deseje esse de preferência aos demais?
Faz sentido que o inquilino, por mais modesto, pague tudo a preços de hoje e só a habitação a preços do neolítico, numa taxa de esforço por vezes da ordem do maço de cigarros - desde que de marca Kentuky ou da bica, desde que ao balcão?
Faz sentido que o congelamento das rendas beneficie em pé de igualdade o rico e o pobre, de igual modo, em ambos os casos, impondo uma autêntica expropriação por utilidade particular de um bem, cuja multiplicação, por outra via, se deseja estimular? Não podemos, com efeito, abstrair desta constatação elementar: se estivessem em causa apenas os arrendamentos de pretérito e o parque habitacional de que já dispomos, do mal o menos: deixávamos ir caindo os prédios e morrer de fome os donos. Como, porém, do que precisamos é de mais prédios e mais arrendamentos, há que estimular essa planta cada vez mais rara que é quem constrói e quem arrenda.
Quem não perceber isto, preferindo gastar-se em prantos de pietismo póstumo, põe o ramo onde não está o vinho e renuncia a encontrar a solução.
Sei bem que recorro à caricatura e que as situações se não medem todas pela mesma bitola. Sei bem que, a par de rendas tão aviltadas que não valem a maçada de cobrá-las, se praticam por aí verdadeiras extorsões, aproveitando a aflição dos sem casa. E não desconheço