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3 DE ABRIL DE 1985 2689

10.°, 37.°, 46.°, 48.°, 51.°, 57.°, 117.° e 118.° da Constituição da República.
E não se diga que, perante colisões de interesses constitucionalmente tutelados, o projecto agiu bem, disciplinando de forma geral e abstracta, pela via de parâmetros convivenciais. Em primeiro lugar, não há legitimidade alguma para mencionar um conflito de direitos com a mesma estatuta: a discriminação positiva a favor dos partidos, dos sindicatos e das associações não é perimível ou sequer atenuável pela invocação de razões estéticas, ademais não objectiváveis com segurança que arrede o arbítrio, ou de defesa da propriedade privada, entendida como absoluta pêlos autores do texto em análise, cuja substância nodal não está em causa com a liberdade de propaganda. Em segundo lugar, como se salientou, a apreciação caso a caso, própria da figura do licenciamento, escancara portas a discriminações e intuitos persecutórios, frustra e anula o pretenso carácter geral e abstracto do diploma em gestação. Acresce, em terceiro lugar, que este nem respeita o princípio da irretroactividade contido no n.° 3 do artigo 18.° da Constituição.
Qualquer restrição aos direitos, liberdades e garantias terá de mover-se dentro da previsibilidade constitucional e nos termos que ela enunciar. Ora, não existe, para os efeitos do projecto de lei do PSD, que bem poderia ser também o do PS, o menor arrimo no nosso direito fundamental positivado. Nem tal faria sentido, após décadas de silenciamento despótico, de ditadura fascista. Instrumentar a democracia com múltiplos e quanto possível profundos mecanismos de formação das opções populares - entre os quais, e desde a origem, os partidos - não foi apenas a ruptura com o passado; foi também, para não dizer sobretudo, o assegurar de uma prática adversa a formas declaradas ou obscuras de estrangulamento da liberdade de pensar e agir. O legislador de 1976, continuado pelo de 1982, bem sabia o custo da permissividade nestes domínios. Por isso revestiu, com peculiar atenção, de funda dignidade e especiais cautelas o conspecto normativo de defesa da legalidade democrática e afirmação dos direitos elementares dos Portugueses.
É, assim, intolerável que um deputado elabore ou assine preceitos como os que impugnámos. Os alegados motivos estéticos, de salubridade, conservação de edifícios ou preservação da paisagem não fornecem a mínima justificação para um tão grosseiro atentado às liberdades. Lembre-se, aliás, que já hoje existem prescrições legais que regulamentam a matéria. Não é permitida, por exemplo, a afixação de cartazes, a aposição de inscrições ou a feitura de pinturas murais em monumentos nacionais, nos edifícios religiosos, no interior de repartições franquedas ao público. É proibido, prosseguindo a via da ilustração não exaustiva, gravar propaganda política nos sinais de trânsito e nas placas de sinalização rodoviária, dada a necessidade de estabelecer condições para a segurança da circulação. Ir além disto, ao decretar de colossais adstrições onde elas são impossíveis, ao recuperar a censura prévia, à tecidura de uma malha espartilhante que tenderia a pulverizar normas perceptivas medulares da nossa ordem jurídica, é significativo, sem dúvida, do escopo restauracionista, do vezo antioperário e antipopular que anima os apoiantes do actual Governo. Não se trata, certamente, de «promover a melhoria progressiva e acelerada da qualidade de vida», mas de, a pretexto de tal bandeira, fomentar o retorno às cidades só na aparência limpas e, no âmago, escondendo o mal viver, a disforia social gerada por um Estado autoritário, retrógrado e injusto.
Não se cura de accionar metamorfoses que enriquecem o homem e o meio, mas de verter, tão-só, a visão de um mundo onde o exercício de direitos elementares ficasse dependente da licença esbirral de uma miríade de censores, mais ou menos industriados.
O povo português proclamou já, reiteradas vezes, o seu amor à vida, que se exprime na conflitualidade e nos livres fluxos de uma imparável avidez de melhores dias. É dislatado tentar amordaçar o que, pura e simplesmente, não é amordaçável. A esta maioria sobejam apetites coactivizadores; quanto maior e mais poderosa é a condenação, pelas massas, da sua política, tanto aumentam os seus estímulos liquidacionistas. Perante o avolumar das desastrosas consequências da sua acção investe não contra a falência própria, mas sobre os que, fazendo da luta um direito inarredável, se batem por transformações que urgem.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O «projecto Capucho» é a autêntica policialização da crise, em lugar da sua erradicação. Sem êxito. Algures, numa parede de Lisboa, uma inscrição sinaliza já este alerta constante: «Ó Capucho, eu cá picho!»

Risos do PS e do PCP.

A direita no poder ignora decisões do Tribunal Constitucional, expressamente condenando ao fracasso iniciativas como as que ensejou. De facto, num acórdão recente, lê-se, entre outras, a seguinte judiciosa doutrina acerca do regime do licenciamento administrativo para a propaganda política:
A exigência de uma autorização prévia retira logo à restrição todo o carácter de generalidade, uma vez que a mesma terá ou não lugar conforme a autorização que a condiciona seja concedida ou denegada. [...] Com uma possibilidade de restrição assim, abre-se a porta ao arbítrio, indo-se muito além de qualquer ideia de necessidade. Ora, os n.ºs 2 e 3 do artigo 18.° contêm uma proibição qualificada de arbítrio.
E, concluindo, adiante:
É ao conceito de censura prévia que, ao cabo e ao resto, se reconduz um sistema que condiciona, em certos casos, a propaganda político-partidária à obtenção prévia de uma autorização camarária.
Engrossando a vista a quanto a Constituição dispõe, a declarações de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, a tudo o que constitui património intocável da liberdade rudemente reavida, o projecto de lei n.° 460/III não deveria sequer ser discutido pela Câmara no estado de insanidade com que surgiu. Isso mesmo intentámos, defendendo o prestígio das instituições e, na medida justa, o regime democrático. Por isso votaremos contra o parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. Por isso levaremos esta batalha até onde a Constituição da República o exige. Certos de que, quaisquer que sejam as vicissitudes, é na nossa voz que vibra, uma vez mais, ao lado da de outros deputados nesta Casa, a íntima e colectiva vontade do povo de Abril.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.