O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

2862 I SÉRIE-NÚMERO 70

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em discussão o Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre o recurso de admissibilidade da proposta de lei n.º 102/III.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Bem ao contrário do que sustenta o parecer não fundamentado da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, a proposta de lei n.º 102/III viola directamente e por várias formas o disposto no artigo 83.º da Constituição (irreversibilidade das nacionalizações), bem como a regra da vedação dos sectores básicos da economia ao capital privado (artigo 85.º, n.º 3), particularmente quando tomadas à luz dos princípios fundamentais da organização económica consagrados no artigo 80.º da Constituição da República.
A proposta de lei n.º 102/III culmina uma série de atentados contra a garantia constitucional das nacionalizações, alguns dos quais, por que mais directamente ligados com a proposta em apreço convém agora recordar. Assim: a Lei n.º 3/80, de 29 de Março que, com o objectivo de promover de forma enviesada e inconstitucional, como a prática veio a confirmar, a alienação ou oneração, a qualquer título, de participações do sector público no capital de sociedades e de bens do activo imobilizado de empresas directa ou indirectamente nacionalizadas, revogou, sem a substituir a Lei n.º 77/79, de 4 de Dezembro, que regulava e delimitava as condições em que era vedada aquela alienação; as sucessivas alterações da lei de indemnizações (Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro), alterando e alargando as condições em que os detentores de títulos de indemnização podem trocar o valor das indemnizações por participações públicas noutras empresas; a alienação de numerosas participações do sector público, incluindo participações a 100%, pelo Investimento e Participações do Estado - IPE, e algumas empresas públicas; a extinção de empresas públicas, alienando o respectivo património e cedendo a respectiva actividade ao capital privado ou empresas de natureza privada; a alteração da lei de delimitação de sectores, abrindo ao capital privado os cimentos, os adubos e os seguros bem como o sector chave da economia, o sector básico para a constituição do capital financeiro, o sector bancário.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os iluminados autores desta proposta de lei vêem agora facilidades onde, até agora ninguém viu senão uma clara proibição de reprivatização. Ainda ontem protestavam contra a «porta blindada» que defende as nacionalizações. Hoje dizem que não há blindagem, nem porta: o caminho sempre esteve livre para o leilão das nacionalizações. Só faltavam os leiloeiros - e esses cá estão finalmente!
É uma sórdida mistificação, um expediente grosseiro. Toda a doutrina portuguesa, de todos os quadrantes, tem reconhecido as implicações do artigo 83.º da Constituição - para nelas se reconhecer ou delas discordar.
Sobre este alcance da configuração constitucional da irreversibilidade das nacionalizações pronunciam-se frontalmente Gomes Canotilho e Vital Moreira, mas também Braga de Macedo, para alegar a suposta «ilógica do sistema constitucional português», ou o Prof. Sousa Franco, sublinhando que a revisão constitucional não alterou o regime aprovado em 1976, ou
o Dr. Ferreira de Almeida, ou o Dr. António Menezes Cordeiro ou o Dr. José Simões Patrício. A lista é infindável e nela se inclui até o famigerado Prof. Martinez e o próprio Prof. Mota Pinto, que, no seu Direito Económico Português - Desenvolvimento Recente, lamenta a regra constitucional da irreversibilidade das nacionalizações, reconhecendo-lhe porém os efeitos e implicações proibitivos das reprivatizações fora dos casos do artigo 83.º, n.º 2. Isto para não falar já dos Srs. Deputados do PS e até do PSD que sempre sustentaram o que agora desmentem - como é escandalosamente o caso do Sr. Deputado José Luís Nunes, que em 1979 proclamava do alto desta tribuna que «as desnacionalizações só se podem fazer em fraude à lei». Pois é essa fraude que o PS agora se apresenta a consumar!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É estultícia argumentar, como se faz no preâmbulo da proposta de lei, com o pseudo «contra-senso» a que a rigidez e imutabilidade da alegada «absolutização do princípio da irreversibilidade das nacionalizações» conduziria, não permitindo a adopção de novas tecnologias ou a alienação de equipamentos obsoletos. Só a estultícia larvar de quem não tem quaisquer argumentos sérios e honestos permite confundir, por exemplo, a possibilidade de modernizar o alto forno da Siderurgia Nacional com a impossibilidade constitucional de, pura e simplesmente, alienar esse mesmo alto forno sem o substituir. Tal como nunca ninguém alegou inconstitucionalidade na venda pela Rodoviária Nacional dos elementos da sua frota que se tornaram obsoletos. Mas seria da mais gritante inconstitucionalidade a liquidação de toda a frota da Rodoviária Nacional. E isso seria permitido pela presente proposta de lei. De igual modo se mostra grotesca a defesa da proposta «no quadro da sua aptidão para viabilizar empresas em situação económica difícil». É que, para além das profundas e manifestas inconstitucionalidades que a proposta de lei n.º 102/III contém, ela não visa sequer a entrada de dinheiro fresco nas empresas nacionalizadas que, no todo ou em parte, o Governo pretende alienar. Como expressamente refere o seu artigo 5.º, ao atribuir o direito de preferência «aos ex-titulares de capital de empresa objecto da nacionalização» em primeiro lugar, e «aos portadores de outros títulos de indemnização não liberados» em segundo lugar.
O que na verdade se visa é, exclusivamente, a revisão de facto do princípio da irreversibilidade das nacionalizações, e a restauração do exacto e personalizado poder do capital monopolista vigente antes de 25 de Abril de 1974. A proposta visa, de forma revanchista e intolerável, através do direito de preferência atribuído caso a caso, de forma selectiva e arbitrária, que sejam os próprios ex-monopolistas a assumir a propriedade, gestão e fiscalização das empresas cuja titularidade detinham ao tempo da nacionalização. Isto é, o Banco Pinto & Sotto Mayor e a Siderurgia Nacional para António Champalimaud, o Banco Totta & Açores e a Quimigal para Jorge e José de Melo, etc.

O Sr. José Magalhães (PCP): - E as cervejas?

O Orador: - As cervejas para os Vinhas e seus descendentes!
Acresce que a proposta de lei n.º 102/III faz acompanhar todo este negócio político de um grande negócio financeiro. É que o direito de preferência atribuído