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2890 I SÉRIE-NÚMERO 71

É indiscutível, face à norma transitória constante do artigo 295.º da Constituição, que ao governador civil compete «representar o Governo e exercer os poderes de tutela na área do distrito». Contudo, esta norma não significa que não caiba ao legislador ordinário - no caso a Assembleia da República - definir os termos e o modo como essa competência tutelar pode e deve ser exercida.
A proposta de lei n.º 12/III apresenta-nos uma forma do exercício dessa competência, que não cremos inconstitucional, mas tal não impede que a Assembleia da República não possa adoptar forma diversa para o exercício dessa competência, e isto porque o citado artigo 273.º é bem claro em prescrever que à lei é que cabe definir os «casos» e as «formas» pertinentes ao exercício da tutela administrativa.

Palácio de São Bento, 14 de Março de 1985. - O Relator, António Marques Mendes.

Para uma intervenção, tem, pois, a palavra o Sr. Deputado Carlos Cordeiro.

O Sr. Carlos Cordeiro (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: A Constituição de 1976 restituiu ao poder local, em Portugal, uma dignidade consentânea com a sua tradição histórica, que durante cerca de 50 anos lhe fora negada.
A essa restituição aderiram, entusiasticamente, alguns milhares de portugueses, homens e mulheres, situados nos mais diversos posicionamentos do quadrante político nacional, que, a partir de Janeiro de 1977, por força dos votos dos seus concidadãos, foram chamados a desempenhar nos vários órgãos autárquicos uma tarefa que então se apresentava da maior importância para consolidação do regime democrático, relevância que, com o decorrer dos vários mandatos, longe de perder a sua validade, antes se confirmou e reforçou.
Nascia, assim, com um entusiasmo e uma dedicação à causa pública, que nunca será por demais pôr em evidência, porque totalmente voltada para a resolução dos problemas concretos das populações, numa luta constante para a obtenção das mais rápidas soluções conducentes à melhoria das suas degradadas condições de vida, uma nova classe política nacional - a dos autarcas.
Em cada freguesia e em cada concelho deste país a renovar-se, utilizando o seu entusiasmo e a sua dedicação como armas para vencer a sua quase total inexperiência, ultrapassando incompreensões e vencendo inércias, fazendo do diálogo constante com as populações a regra geral do seu trabalho, esses autarcas podem orgulhar-se hoje de apresentar, aos olhos da opinião pública, uma obra que os dignifica e que transformou radicalmente este país.
A Constituição distinguiu, de forma significativa, os órgãos autárquicos e os cidadãos que neles eram chamados ao desempenho de funções, atribuindo a uns e a outros, numa perspectiva totalmente inovadora, um elevado grau de autonomia, a que, regra geral, têm sabido corresponder. Mas, numa bem equacionada jurisprudência das cautelas, significando que autonomia não pode ser sinónimo de irresponsabilidade, não deixou de instituir as linhas gerais de um mecanismo da tutela, deixando, no entanto, e como se apresentava lógico, para a legislação ordinária a tarefa da sua regulamentação.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: É disso que estamos aqui, hoje, a tratar, ao discutir e votar esta proposta de lei que o Governo nos apresenta, o que fazemos sem deixar de ter presente, por um lado, o melindre de que se reveste uma legislação desta índole e, por outro lado, a necessidade da sua existência, o que vem pôr em destaque a forma prudente como esta legislação nos é apresentada.
Se, como atrás dissemos, a regra geral por que se tem pautado a actuação dos autarcas deste país é a da dedicação às suas tarefas, do entusiasmo e da honestidade no desempenho das suas funções, não podemos ignorar que em todos os rebanhos existem ovelhas tresmalhadas e que, portanto, também no meio desta regra geral, se situam algumas excepções.
São os intérpretes dessas excepções os que devem recear os princípios por que se rege esta proposta de lei, porque com ela se pretende combater a sua forma de actuar, sujeitando-os à «verificação do cumprimento da lei», a que se faz referência no n.º 1 do artigo 243.º da Constituição.
Mas, se o legislador constituinte teve a preocupação de diferir para a legislação ordinária a regulamentação do regime da tutela administrativa, através do qual se processa a já referida «verificação do cumprimento da lei», a verdade é que essa preocupação não teve então o mesmo grau de correspondência, pois todas as medidas tomadas nesse sentido pecaram, ou por insuficientes - apenas 3 artigos com os n.ºs 91.º, 92.º e 93.º da Lei n.º 79/77 - ou por inclusão em local impróprio - num diploma que tratava das «atribuições das autarquias e das competências dos respectivos órgãos».
Urgia, por isso, que o assunto fosse devidamente colocado em diploma autónomo, onde pudesse ter o tratamento que merece e onde fosse possível definir, com o maior desenvolvimento e com o maior rigor, o conteúdo e os fins da tutela, reduzindo ao mínimo as situações dubitativas.
E não deixa de ser curioso e merecer ser assinalado que a forma insuficiente e manifestamente vaga como o problema era abordado na Lei n.º 79/77, a permitir as mais variadas interpretações, com possibilidades 1 de capear as intervenções mais diversas, a permitir até, eventualmente, a existência de abusos por parte do poder central, sem definir quaisquer possibilidades de defesa para os acusados, não tenha merecido qualquer contestação e que seja agora que se definam com clareza as regras do jogo, os direitos e as obrigações de cada uma das partes intervenientes na aplicação da tutela, que se fixem para os atingidos as mais claras condições de defesa, que venha o Partido Comunista a acusar a proposta de lei e o Governo seu autor de todos os malefícios possíveis e imagináveis, erigindo-a em atentado contra o poder local, a autonomia das autarquias, os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos autarcas e de tudo o mais que poderá ler-se na intervenção feita aquando da apreciação do recurso que interpôs da sua admissão pela Mesa da Assembleia.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Porque estamos em discussão da proposta de lei na generalidade, o que nos interessa sublinhar, neste momento, é a nossa concordância com a filosofia da proposta de lei e com os princípios por que se rege - e essa concordância é um facto.
Esta nossa posição não é, porém, impeditiva de que analisemos, embora sucintamente, alguns aspectos de