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19 DE ABRIL DE 1985 2899

Concluiríamos a sujeição das autarquias à tutela, exercida por um órgão especializado na dependência do Governo. Poderíamos sumariamente concluir:

A sujeição das autarquias à tutela administrativa é um dado constante;
Os limites e a extensão da tutela são variáveis, raramente se equiparando em todos os seus aspectos;
A competência para exercer a tutela é repartida normalmente pelos tribunais e pelo Governo, ou por um seu agente, em casos muito limitados;
Quanto mais desenvolvido é o nível de autonomia das autarquias, menores são, normalmente, os poderes tutelares dos governos, cabendo aos tribunais, por via de regra, o seu exercício;
Quanto mais se acentua a dependência, sobretudo financeira, da autarquia face ao Governo, maiores são, normalmente, os meios de controle e fiscalização que a tutela coloca à disposição das administrações centrais sobre as administrações locais.

Relativamente ao caso português e a esta proposta de lei, caberia dizer o seguinte: o princípio da autonomia das autarquias locais é um princípio fundamental da organização do Estado Português, nos termos do artigo 6.º da Constituição, e tem como limites a unidade do Estado e a conformidade dos actos dos órgãos autárquicos à Constituição e às leis. Este princípio constitucional é uma trave mestra do nosso ordenamento jurídico, e a sua inserção sistemática na parte respeitante aos princípios fundamentais é desde logo indicativa da proeminência, da importância e do realce que lhe quis dar o nosso legislador constituinte.
A tutela sobre as autarquias [que o artigo 243.º da Constituição diz consistir na verificação do cumprimento da lei por parte dos órgãos autárquicos, e que o artigo 202.º atribui ao Governo ou ao seu representante (artigo 259.º)] deverá ser exercida não perdendo de vista o alcance deste princípio. Significa isso que o exercício da tutela não deverá ofender o princípio da autonomia do poder local, sob pena de ser considerado inconstitucional.
É dentro deste espírito que caberá analisar a proposta do Governo ora em discussão. No nosso sistema jurídico-constitucional não se atribui ao Governo a possibilidade de exercer um controle sobre a oportunidade ou a conveniência dos actos dos órgãos da administração local, nem a possibilidade de exercer poderes legalmente cometidos aos órgãos e serviços da administração local.
A tutela é exercida pelo Governo, no âmbito de dois Ministérios: Ministério da Administração Interna e Ministério das Finanças e do Plano, através de dois órgãos instrumentais: IGAI e IGF. A acção do primeiro visa aferir a legalidade e regularidade da constituição e do funcionamento dos actos da administração local; a do segundo restringe-se à verificação da legalidade dos actos relativos à gestão patrimonial e financeira.
Quando a proposta de lei ora em debate veio ao conhecimento do público, grande pane das críticas que sobre ela recaíram incidiam sobre o facto de o governador civil exercer a tutela em nome do Governo, na área da sua região. Consideravam os autores da crítica, em abono das suas razões, ser o cargo de governador civil um cargo em vias de desaparição, em função da regionalização que a Constituição impõe que se faça.
A crítica, feita nestes termos e com estes contornos, não é inteiramente procedente. E isto porque tal questão - a do exercício do poder tutelar do governador civil - não resulta da lei, mas, sim, da Constituição que no artigo 295.º - que é uma norma transitória - lhe atribui a possibilidade desse exercício. Enquanto perdurar o cargo de governador civil, a existência, no campo das suas atribuições e competências, de um qualquer poder tutelar - exercido em nome do Governo - é um facto inelutável. Agora o que não é um campo aberto à livre disponibilidade e arbítrio do legislador é a forma por que se vão exercer essas competências e atribuições.
Não são indiferentes o modo, a extensão e os limites a definir para os poderes do governador civil.
Penso que deveria ser assim repudiada a possibilidade que o governador civil tem como agente político do Governo de, nos termos do n.º 2 do artigo 6.º da proposta de lei, realizar inquéritos aos órgãos e serviços das autarquias locais.
Como agente político do Governo na área do distrito, o poder de realizar inquéritos aos órgãos e serviços das autarquias pode redundar numa forma acentuada de pressão e controle sobre os mesmos.
O limite dos poderes do governador civil, a este respeito, deveria, quando muito, circunscrever-se à possibilidade também admitida na proposta de propor ao Governo a realização de inquéritos, através do órgão instrumental do exercício da tutela, que é a Inspecção-Geral da Administração Interna (que deveria possuir delegações distritais ou regionais), para poder exercer uma acção mais pronta e eficaz.
Na realidade, é este serviço que está especialmente vocacionado para tal tipo de tarefa, com um corpo de funcionários tecnicamente habilitados. Num regime como o nosso, em que as autarquias são instituições de auto-administração, pelo que não dependem do Governo e não podem ser por este orientadas ou dirigidas, mas tão-somente fiscalizadas para garantia da legalidade, a atribuição deste poder aos governadores civis -pela característica de agentes políticos de confiança do Governo que as suas funções revestem e sem que isto implique um juízo negativo e apriorístico - torna-se potencialmente mais perigosa para a autonomia do poder local de que a sua atribuição- como a proposta de lei igualmente prevê - a um serviço constituído por um corpo de técnicos altamente especializados nessa matéria.
As actividades da Inspecção-Geral da Administração Interna têm sobretudo por objecto os aspectos jurídicos, disciplinares e administrativos da actuação da administração local e tais atribuições quedar-lhe-ão melhor do que ao governador civil, que para além de ser um agente político do Governo, é uma figura transitória e com duração e prazo.
Penso, pois, que a Assembleia da República deveria acautelar devidamente para que esta parte do articulado fosse alterada na especialidade dentro dos parâmetros enunciados.
Vemos igualmente com muitas dúvidas, pelas mesmas razões que têm a ver com as características do cargo de governador civil, o poder que a proposta de lei lhe confere de participar ao agente do Ministério Público as irregularidades presumíveis (e sublinho presumíveis já que não são irregularidades provadas de facto) de que enfermam os actos das autarquias. Este poder poderá tornar-se numa forma velada de ameaça