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19 DE ABRIL DE 1985 2903

imediata do Estado» (Vital Moreira e Gomes Canotilho, na sua Constituição Anotada).
As balizas do poder local estão na Constituição e na lei. O mérito da gestão autárquica, Srs. Deputados, não é fiscalizável pelo Governo, não cabe na tutela e tem de lhe estar excluído sob pena de se negar a autonomia.
Que se esperaria então, neste quadro, de uma lei da tutela administrativa? Que se esperaria dessa lei, se ela pretendesse corrigir as evidentes insuficiências da Lei n.º 79/77, mas respeitando o artigo 243.º da Constituição?

1.º Que definisse rigorosamente a tutela como inspectiva, destinada exclusivamente à verificação do cumprimento da lei por parte dos órgãos autárquicos.
2.º Que definisse claramente as formas pelas quais se exerce a tutela. Não basta falar em inspecções, inquéritos e sindicâncias. É necessário circunscrever os respectivos âmbitos, tipificar as situações em que podem ocorrer, com que fundamentos podem ser determinados, que processo lhes é aplicável, tudo como determina, aliás, o n.º 1 do artigo 243.º ao remeter para a lei os «casos» e as «formas» de exercício da tutela.
3.º Impunha-se dar cumprimento ao n.º 2 do artigo 243.º, definindo que as medidas restritivas da autonomia (ou seja, incluindo as inspecções, inquéritos e sindicâncias) são precedidas de parecer prévio de um órgão autárquico, indicando o órgão competente, o processo e a eficácia do parecer.
4.º Finalmente, a lei deveria regulamentar o n.º 3 do artigo 243.º em termos de indicar taxativamente quais as acções ou omissões ilegais graves que podem dar lugar à dissolução, definindo o processo e apontando para a competência exclusiva dos tribunais no julgamento dos factos integradores.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - A questão, Srs. Deputados, é que a proposta de lei n.º 72/III não faz o que era exigível e, ao contrário, propõe o que não deve ser feito.
Assim, a proposta procura instituir um quase poder hierárquico do Governo e da administração central sobre as autarquias locais, apontando para a consagração do poder de dar ordens e de emitir instruções genéricas, e por isso, se a proposta fosse aprovada nestes termos, seria inevitavelmente declarada inconstitucional.
A proposta faculta ao Governo e aos seus membros e agentes um poder que constitucionalmente é exclusivo dos tribunais, ao permitir o «julgamento» dos actos dos órgãos autárquicos, como o faz, quando, nos artigos 8.º, 9.º, n.º 2, e 10.º, põe nas mãos do Governo e agentes governamentais o poder de apreciar (e portanto julgar) se certas actuações são ilegais, se a ilegalidade é grave e se determina dissolução do órgão ou perda do mandato.
A proposta, ao prever nos artigos 8.º e 11.º que uma mera decisão governamental pode implicar perda de mandato e inelegibilidade para membros dos órgãos das autarquias locais, institui um sistema administrativo de apreciação e julgamento de actos concretos, configurando na prática uma espécie de poder disciplinar do Governo sobre os eleitos das autarquias! Quanto a esta matéria e, em parênteses, é crucial sublinhar que a jurisprudência do Tribunal Constitucional é clara no sentido de que as únicas inelegibilidades admissíveis constitucionalmente são, no máximo, as que resultam de incompatibilidades locais ou do exercício de certos cargos, pelo que a previsão da inelegibilidade pela prática de certos actos virá inevitavelmente a ser considerada inconstitucional pelo órgão competente! Quanto ao que a proposta não faz e devia fazer:

Nada se diz sobre as condições do exercício da tutela administrativa, continuando assim a manter--se a decisão ministerial discricionária quanto a quem é objecto de medidas de tutela, quem é inspeccionado, porquê e em que condições, que processo é aplicável e quais as garantias de isenção;
Nada se diz sobre a obrigatoriedade de publicação dos resultados dos actos tutelares efectuados;
Nada sobre a obrigatoriedade de participação ao Ministério Público dos actos e omissões ilegais, para que este promova a sua anulação e a responsabilização (civil e criminal) dos seus autores;
Nada sobre a audição para parecer dos órgãos autárquicos quando são decretadas medidas restritivas da autonomia, como inspecções extraordinárias, inquéritos e sindicâncias;

Nada sobre a limitação de poderes dos governadores civis, que já estão bastante debatidas - que a proposta de lei pretende, na linha da proposta de lei de segurança interna, fazer reviver, tudo ao contrário do que determina a Constituição, que o conserva como figura «em extinção» até à criação de regiões administrativas.
Srs. Deputados, nestes traços fundamentais da proposta de lei está a opção do Governo pela ambiguidade que permite o dirigismo, pela indefinição que abre campo ao arbítrio e pela subordinação que é timbre do centralismo.
Ao fim e ao cabo, é tudo o que tem vindo a pautar a actuação governamental no uso dos seus poderes de tutela, quer na área da determinação de inspecções extraordinárias, quer na área da divulgação dos seus resultados, quer na área da adopção de medidas legais de responsabilização.
O Ministro faz inspecções onde quer, pelas suas conveniências políticas conjunturais. Actua ou não, sem dar explicações, conforme sabe e quer. Em Loures, foi retido ilegalmente pelo Ministério um recurso apresentado pela Câmara junto do Supremo Tribunal Administrativo. Na Câmara da Amadora, foi determinado um inquérito sem parecer prévio do Conselho Distrital e sem notificação do presidente da Câmara. A margem de manobra atinge as raias do ofensivo, quando o Governo se permite publicar (ou deixa «saltar» para os jornais) os resultados de certos inquéritos, enquanto retém outros ou os deixa sem sequência ou actuação adequada.
As formas encapotadas de tutela directiva que vão desde a simples asfixia financeira, passando pela discricionaridade na atribuição de verbas, e vão até à ingerência na actividade, perpassam em todo o pacote autárquico aprovado pelo Governo.
E o que se passa quando se institui a tutela substitutiva, como no n.º 7 do artigo 49.º do Decreto-Lei n.º 400/84 (sobre loteamentos urbanos), que permite ultrapassar as competências das autarquias e executar certos actos eventualmente contra a vontade dos respectivos órgãos.