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O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio que a intervenção que neste momento vou fazer é oportuna, já que o mundo não é apenas composto por políticos, pois também há outras pessoas e a política tem a ver com as pessoas que a sofrem. Nestas fases finais dos trabalhos da Assembleia, os políticos têm uma certa tendência para se esquecerem do resultado das suas acções e até do sentido exacto das suas palavras.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os jornais portugueses fizeram-se eco de uma carta enviada pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros ao Director-Geral da UNESCO entregue pelo Embaixador de Portugal, Prof. Victor Crespo. Nessa carta o Governo Português associa-se às críticas formuladas por alguns países lamentando-se ainda o Ministro possivelmente de forma irónica: «que as obrigações de Portugal para com a UNESCO ultrapassam largamente os benefícios que dela se colhem».
Poder-se-ia perguntar se neste Governo, nesta hora ou em qualquer outra hora, houvesse alguém capaz de responder com clareza, com esforço democrático e com sentido de Estado, às perguntas formuladas:

Que estudos foram feitos e em que se baseia tal atitude do Governo Português?
Quais os projectos enviados por Portugal à UNESCO estruturados e em estado de serem entendidos fora das cabeças de Minerva que tem presidido, nos últimos anos, aos destinos deste país, e que foram recusados pela UNESCO?
Como nos temos integrado nós nos grandes projectos da UNESCO?

Poderíamos sobretudo neste momento perguntar se não teria sido mais útil ao País e mais nutritivo para a democracia se tivesse sido dado conhecimento aos Portugueses das actividades da UNESCO no mundo de língua portuguesa, se tivesse sido analisado com objectividade as acções de tal organização à luz dos interesses do Estado, da solidariedade entre os povos e da transformação cultural em toda a parte entendida cada vez mais como nacional e universalista.
Que dizermos, por exemplo, da nossa entrada na CEE com o nosso grosso cortejo de analfabetos, os índices de repetência escolar, a obrigatoriedade de ensino de 6 anos, o estado de saúde, de habitação, do equipamento social, etc.
Mas a realidade concreta sempre foi, para este Governo, revolucionária e desestabilizadora.
A discordância generalizada expressa por todos os países apoiantes da UNESCO perante o espírito racista e anti-universalista demonstrado pelos Estados Unidos e pela Grã-Bretanha demonstra a força existencial da UNESCO e até que ponto ela representa os interesses dos valores vivos contra o retrocesso dos países que a eles se opõem.
A Conferência dos Católicos Europeus reunida em Paris nos dias 15 e 16 de Junho, com a presença de 17 países prenunciou-se a favor da acção da UNESCO.
Mais uma vez, porém, este Governo, insensível à noção de Estado e aos ideais humanos, meteu dentro da sua mão medíocre a grandeza alcançada com o 25 de Abril. Perante o mundo inteiro, perante os ideais de paz, de solidariedade, de universalismo cultural que se

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prossegue, a carta do Ministro Jaime Gama tem a dimensão provinciana, interesseira e servil de uma qualquer carta do Dâmaso Salcedo.

Peço desculpa - não está cá o Sr. Deputado José Luís Nunes - por fazer demasiadas citações de Eça de Queirós, mas são muitos anos de prática. O meu colega deputado Raul Castro não estava presente, há dias, quando citei as Conferências do Casino. Portanto, é um mal do MDP/CDE, não sei se o Partido Comunista comunga do mesmo mal, porque nem em tudo somos semelhantes.

Peço que o Sr. Deputado José Luís Nunes se ponha a par de Eça de Queiróz para o poder citar.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos perante um governo parcialmente demitido e de uma Assembleia em luta com a sua própria existência que há muito devia ter sido sacrificada, em nome da dignidade das instituições e da defesa da democracia.

Mas o descalabro das instituições não só nos não deve fazer esquecer as grandes questões nacionais e internacionais, como elas devem servir de contraponto à mediocridade da política quotidiana, como devem ser factores de esclarecimento da opinião pública e devem servir de base a uma dinâmica que modernize de facto Portugal, pela consciência das suas potencialidades como nação transformadora.

Perante as reacções mundiais ao boicote americano e inglês à UNESCO, será que haverá algum lugar possível para a carta do Dr. Jaime Gama que não seja o grande montão de papéis governamentais que a própria história se vai encarregando de rasgar e de deitar para o lixo?

O Ministro Gandhi, por exemplo, diz pelo contrário que a «índia suportará os esforços construtivos que permitirá resolver a crise da UNESCO», criando com esta afirmação espaço para a sua própria pátria.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: A UNESCO é uma organização surgida em Londres no próprio horror da guerra mundial como esperança para a organização do pós-guerra. Os propósitos da sua Acta Constitutiva tem objectivos que são hoje um grito de alerta que cumpre lembrar.

Diz-se no preâmbulo:

Os governos dos estados partes da presente convenção, em nome dos seus povos declaram:

Que as guerras porque nascem no espírito dos homens, é também no espírito dos homens que devem ser construídas as defesas da paz;

Que a incompreensão mútua dos povos esteve sempre no decurso da história, na origem da suspeita, da desconfiança entre as nações, pelo que muitas vezes as suas discordâncias degeneraram em guerra;

Que a grande e terrível guerra que acabou agora foi possível pelo aniquilamento do ideal democrático de dignidade, de igualdade e de respeito pela pessoa humana e pela vontade de o substituir, explorando a ignorância, o preconceito, o dogma da desigualdade das raças e dos homens (fim de citação).