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48 I SÉRIE - NÚMERO 3

pudessem, em simultâneo, por qualquer via que fosse, ter intervenção no conteúdo dos órgãos de comunicação social que têm o dever legal de fiscalizar.
E o legislador teve a precaução de enunciar esse regime de incompatibilidades, que começa nos membros dos órgãos da gestão e vai até aos trabalhadores de qualquer órgão de comunicação social estatizada. Trabalhadores, refira-se, sem qualquer, restrição, mesmo que de um tipógrafo se trate, para dar exemplo de alguém que, pela sua função, exerce uma influência diminuta num órgão ou, pelo menos, no conteúdo de um órgão de comunicação social.
Parece ser esta a via adequada para garantir a isenção do julgamento, que tem sido rigoroso e objectivo, dos membros do Conselho de Comunicação Social.
É uma obrigação que vincula, em primeiro lugar, juridicamente, mas que vincula mais do que isso: que vincula ética e politicamente.

O Sr. António Capucho - Muito bem!

O Orador: - Não quis o legislador restringir o exercício de um direito fundamental, nomeadamente o da expressão do pensamento dos membros do Conselho de Comunicação Social, nem isso seria constitucionalmente possível.
De resto, o direito que cada cidadão tem de expressar o seu pensamento não tem de se exercer forçosamente nos órgãos de comunicação social do Estado.
Tratou-se, tão-só, de confrontar todos quantos contribuem para o conteúdo informativo e formativo dos órgãos de comunicação social estatizados, e que simultaneamente aspiram a ser membros do Conselho de Comunicação Social, com essa possibilidade tão simples, mas tantas vezes tão dramática do ponto de vista pessoal, que é a do exercício da opção. Opção que tem como contrapartida, quase sempre, a renúncia a qualquer coisa que pode ser igualmente desejável.
Sendo o Conselho de Comunicação Social um órgão independente, não está a actividade dos seus membros ao abrigo da crítica.
Em democracia não há instituições nem pessoas ao abrigo da crítica.
E, sendo o Conselho um órgão eleito por esta Assembleia, é este o lugar propício para o exercício desta crítica, quando ela tenha razão de ser.
É neste pressuposto que, em nome da bancada do Partido Social-Democrata, quero condenar veementemente a posição que tem sido assumida por um dos membros do Conselho de Comunicação Social - neste caso o seu presidente - de manter uma colaboração regular, semanal, paga, em dois órgãos de comunicação social estatizados que estão sob a alçada fiscalizadora do Conselho.

O Sr. Malato Correia (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Não interessa que os artigos do presidente do Conselho de Comunicação Social no Diário de Notícias e A Capital sejam de ataque sistemático ao Governo e ao partido que o apoia. O conteúdo desses artigos é suficientemente verrinento, parcial, disfarçadamente emotivo, tantas vezes falho de razoabilidade, para que nem um nem outro se perturbem.
Nem interessa que em tais artigos se faça o elogio sistemático de um dos partidos da oposição em detrimento dos restantes: não há pseudo-arquitecturas literárias, não há acessos de génio linguístico, não há malabarismos semânticos que confundam, num leitor atento, o que é análise fria e imparcial com propaganda claramente orientada.

Vozes do PSD: - É um escândalo!

O Orador: - O que interessa é que, ao proceder desta forma, o Sr. Presidente do Conselho de Comunicação Social diminui a dignidade do órgão a que preside.

Diminui-o eticamente!
Diminui-o politicamente!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Afunila-lhe a capacidade de intervenção! Abala-lhe o prestígio!
Reduz-lhe a autoridade!
Introduz um elemento de maior controvérsia na decisões do Conselho.
Onde está a «alta autoridade moral», a que a lei faz referência, que deve imbuir os membros do Conselho de Comunicação Social no exercício dos seus cargos? Para o presidente do Conselho a resposta é simples: tal autoridade garante-se com uma colaboração regular com contrapartida pecuniária nalguns órgãos de comunicação social que fiscaliza.
Mais: tal autoridade reforça-se com propostas formais, por si assinadas, para o conselho de gerência da RTP, E. P., nas quais se pretende a produção de programas televisivos da sua responsabilidade pessoal.

O Sr. João Salgueiro (PSD): - É inacreditável!

O Orador: - Admitimos que isso seja simples e pacífico para o Sr. Presidente do Conselho de Comunicação Social. Que tal seja, para ele, condição absolutamente indispensável para o cultivo do sibilino estro literário que tantos, e eu em particular, apreciamos.
Só que, pelo menos para nós, tal não se afigura nem tão simples nem tão pacífico. Há, no exercício da sua função, um limite! Uma tensão, se se preferir! Que é mais de natureza ética e política que de natureza jurídica.
É o limite e a tensão do julgador que não julga em causa própria! Que não pode nem quer julgar as suas próprias opiniões! Que não quer abrir um jornal que tem o dever legal de fiscalizar e proceder a essa tarefa tormentosa e tortuosa de ter de concluir se a sua própria opinião afecta ou não a isenção desse jornal.
É, em suma, o limite e a tensão do juiz que, para ser imparcial, não procede de forma a tornar-se judex suspectus.
Nada nos move, pessoalmente, contra o Sr. Presidente do Conselho de Comunicação Social. Só que não nos parece que seja possível que a sua atitude, no aspecto que acabo de referir, não deva ser revista. Não lhe basta assumir-se, como muitas vezes se assume nos seus escritos, como campeão da moralidade política, como exegeta do rigor, da ética e da verticalidade de processos. Realmente, nem ele consegue ser imune ao dilema da mulher de César.
Urge, por isso, que assuma, em decorrência do exercício das suas funções, sem subterfúgios espúrios nem esquivas dialéticas, os valores que ficaram enunciados e que ele tantas vezes assumiu para si nos seus escritos.