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136 I SÉRIE - NÚMERO 6

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 18 horas e 20 minutos.

Srs. Deputados, chamo a vossa atenção para o facto de a votação para a eleição de um vice-presidente e um vice-secretário da Mesa da Assembleia da República terminar dentro de minutos. Portanto, se algum dos Srs. Deputados ainda não votou, agradeço o favor de o fazer.
Srs. Deputados, ainda antes de dar por terminado o período de antes da ordem do dia, a Mesa porá à votação do Plenário o texto de um voto, tal como já foi aprazado.
Peço às direcções dos grupos parlamentares que solicitem a presença dos Srs. Deputados que estão a trabalhar em Comissões.

Pausa.

Srs. Deputados, passo a ler o texto de voto apresentado pela Mesa:
Há lugares, há factos, há tempos que os povos não podem nem devem esquecer.
Eles integram-se na vida, e com eles se fabricam as linhas do tecido da história. Esta será então a depositária da sua originalidade porque os conhecem, porque os sentiram, porque os viveram.
Há 50 anos, a inteligência envenenada de um poder cego fabricou o Tarrafal. Abriu-se então um espaço de sofrimento; os factos gritaram a injustiça e os tempos foram marcados pela angústia, pela dor e pela morte.
Tarrafal foi o pesadelo de uma época; é o símbolo de um lugar maldito; é a lembrança dos horrores que matam.
Lembrá-lo é proclamar a liberdade e fazer apelo à justiça, aos direitos do homem, à segurança e à paz.
Por isso, a Mesa da Assembleia da República, ao relembrar a nódoa que o criou, propõe ao Plenário o seguinte voto:
Que em Portugal e no Mundo nunca mais seja possível outro Tarrafal, para que a liberdade, a justiça e a fraternidade ganhem a expressão autêntica de uma verdade.

Assembleia da República, 30 de Outubro de 1986.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto tem a palavra o Sr. Deputado Maia Nunes de Almeida.

O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Peço o favor de aguardar um momento, Sr. Deputado Maia Nunes de Almeida.
Sr. Deputado Lopes Cardoso, V. Ex.ª pediu a palavra para que efeitos?

O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Sr. Presidente, permita-me sugerir à mesa que, antes das declarações de voto, pusesse à consideração do Plenário uma proposta no sentido de a Câmara guardar um minuto de silêncio em memória de todos aqueles que morreram no campo de concentração do Tarrafal.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Mesa aceita a sugestão do Sr. Deputado Lopes Cardoso e propõe que a Câmara guarde um minuto de silêncio.
A Câmara guardou, de pé, um minuto de silêncio.

O Sr. Presidente: - Tem, então a palavra o Sr. Deputado José Manuel Maia, para uma declaração de voto.

O Sr. Maia Nunes de Almeida (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Passam hoje 50 anos da data em que os primeiros patriotas e antifascistas entraram no campo de concentração do Tarrafal, rectângulo de morte, símbolo máximo do regime fascista derrubado com o 25 de Abril, onde a vida de patriotas não tinha qualquer valor nem dignidade para aqueles que durante quase meio século oprimiram o nosso povo, espezinharam os direitos e liberdades mais elementares da pessoa humana.
O campo de concentração do Tarrafal foi criado pelo Decreto n. º 26 539, de 23 de Abril de 1936, do Governo fascista de Salazar.
Pela madrugada de 18 de Outubro de 1936 saíram na Penitenciária de Lisboa 34 marinheiros considerados como os mais responsáveis pela revolta dos navios de guerra Afonso Albuquerque, Bartolomeu Dias e Dão. Meteram-nos em carros celulares, seguiram até ao cais da Rocha do Conde de Óbidos, onde foram embarcados no cargueiro Luanda. O barco escala Angra do Heroísmo, onde embarcaram mais presos, entre os quais Bento Gonçalves e Mário Castelhano, rumo à ilha de Santiago, em Cabo Verde. Na tarde de 29 de Outubro de 1936, ao fim de onze dias, o Luanda chega à Baía do Tarrafal. Em 30 de Outubro de 1936 os 150 primeiro presos chegam ao campo de concentração, o campo da morte lenta.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Muito já foi escrito e dito mesmo desta tribuna da Assembleia da República sobre o campo de concentração do Tarrafal, mas é importante recordar hoje e aqui para que o não esqueçamos.
A memória dos homens é por vezes débil, curta.
Muitas vezes, esquecemo-nos dos dias negros quando vemos o Sol; os maus dias passados esquecem-se só porque se vivem dias melhores.
Neste caso, Sr. Presidente, Srs. Deputados, seria mau esquecer o passado, não ter em conta o que significou para o povo português o Tarrafal e outras prisões políticas como Peniche, Caxias, Aljube, Angra do Heroísmo, através das quais o fascimo tentou, pela prisão, pela tortura, pelas mais diversas formas de violência, silenciar todas as vozes da resistência, dos democratas, de suster a luta dos trabalhadores.
O Tarrafal nunca poderá ser uma questão que só diga respeito aos que por lá passaram, é necessário vê-lo e senti-lo como ele realmente foi - uma parte da grande prisão que era Portugal dominado pelo fascismo.
Os nossos filhos, as gerações de hoje e as futuras, devem saber que o Tarrafal existiu. Que na nossa História, como país e como povo, houve uma noite negra que durou 48 anos e que no meio dessa noite ainda existiu essa mancha ainda mais negra que foi o campo de concentração do Tarrafal - crime tremendo, friamente meditado friamente executado.