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140 I SÉRIE - NÚMERO 6

Lado a lado, torturados e sepultados, estavam homens de diferentes credos políticos e religiosos: comunistas, anarquistas, socialistas, lutadores anticolonialistas, simples antifascistas, mostrando como o sofrimento é cimento de solidariedade, fazendo do mesmo sangue e da mesma dor invencível arma de resistência contra o opressor criminoso.
Para além da sua violência, porém, era frágil esse opressor. Os homens cujos restos ficaram sob a terra seca de Santiago, os membros enfraquecidos pela febre, pela fome, pela tortura, tiveram mais força que o braço armado da violência: levantam-se todos, perfilados, com o dedo acusatório sobre os seus torturadores - não apenas o guarda ou o comandante do campo, mas também o ministro em Lisboa, Salazar, que de tudo sabia, e, mesmo para além dele, o poder social e económico, oculto que tudo comandava.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Têm estado perto de nós, nesta mesma sala, antigos tarrafalistas.
Lembramos Edmundo Pedro, do Partido Socialista, que, ao lado da digníssima figura de seu pai, merece respeitosa referência.
E hoje mesmo, connosco, temos o testemunho vivo do que foi esse campo de tortura e morte pela figura desse grande combatente antifascista Francisco Miguel, do Partido Comunista Português.
Não é preciso a imaginação para evocarmos e visualizarmos os mártires. Um deles está aqui, entre nós, com a sua tímida humildade, a sua aparente fragilidade física, a sua grande e simples alma de poeta e sonhador, a sua indestrutível força interior. E permitam-me a oportunidade para lembrar, com profunda gratidão, quão importante este homem franzino foi para a geração dos que, na minha idade, despertavam para a luta antifascista: quando líamos e copiávamos, para passar clandestinamente, de mão em mão, os Contos do Soeiro e sabíamos ser ele o humilde sapateiro da história «Mais um herói».

Aplausos do MDP/CDE, do PSD, do PS, do PRD, do PCP e da deputada Maria Santos (Indep.)

O Orador: - Para ele dirigimos a homenagem maior que a um homem é merecida.

Aplausos do MDP/CDE, do PS, do PRD, do PCP e de alguns deputados do PSD.

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Mas não se pode iludir a caracterização do fascismo, reduzindo-o à sua face de violência, por mais revoltante que ela tenha sido. Foi mais do que isso - e aí reside para o futuro a maior lição, a que nunca deveremos deixar de estar atentos: o fascismo como organização particular do Estado de maneira a assegurar, por formas terroristas, o poder socialmente dominante sem concorrência. É assim, uma forma especial de terrorismo organizado.
Mas tudo isto não pertence a um passado definitivamente enterrado. Em vários pontos da Europa, e até noutros continentes, têm-se acendido recentemente focos de carácter nazi-fascista, que já não podem considerar-se meros factos fortuitos e ocasionais de pequenos grupos rebeldes, mas mostram .que idênticas forças de pressão ocultas actuam cada vez mais claramente, aproveitando-se dos males e descontentamentos sociais crescentes, especialmente daquelas camadas etárias que a sociedade não teve capacidade para integrar.
E isto é um facto real, bem visível, cada vez mais preocupante, a que nenhum democrata deverá ficar indiferente. O enfraquecimento das sociedades democráticas nem sempre se faz apenas por golpes súbitos e violentos. Faz-se também por este confronto com valores que nenhuma democracia pode tolerar e, igualmente, pela subversão que vai corroendo lentamente, quase imperceptivelmente, o corpo social e o aparelho de Estado.
Daqui lançamos um apelo a que, em encontros internacionais para o efeito organizados, se confrontem as experiências de diversos países onde é mais vivo o renascer das correntes neofascistas, para melhor se compreender a sua raiz social e se adaptarem as formas mais eficazes de combatê-las.
Neste momento em que se assinala o cinquentenário da abertura do Tarrafal, cremos que esta poderia ser uma das melhores formas de homenagear a memória para sempre viva dos mártires e heróis do campo de morte fascista.

Aplausos do MDP/CDE, do PSD, do PS, do PRD, do PCP e da deputada Maria Santos (Indep.}

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Montalvão Machado.

O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há 50 anos chegou a Cabo Verde, à ilha de Santiago, a primeira leva de presos políticos. Era constituída por mais de uma centena de presos, por mais uma centena de cativos, quase todos jovens, situando-se a sua idade à volta dos 30 anos, o que, reparem, tem um significado. Essa foi a primeira leva de muitas e muitas outras que depois se verificaram. A ditadura opressora do povo começara já dois ou três anos antes pela criação de prisões fora do continente de Portugal, legislara até nesse sentido, e o processo de deportação de políticos nascera e estava em marcha.
É que, no continente, esses presos incomodavam a ditadura. Havia que se dar cabo deles, havia que liquidá-los, havia que matá-los e para isso eram levados para lugar ou lugares onde pudessem com mais facilidade dar cumprimento à lei da morte.
Mas foi em 1936 que se criou o Tarrafal, através de uma lei muito simples, tão simples como odiosa. O seu texto era apenas este: «É criada uma colónia penal para presos políticos e sociais», repito «e sociais», «no Tarrafal.» E acrescentava-se nessa lei que ela se destinava a presos políticos que devessem cumprir pena de desterro ou que, tendo estado internados em outro estabelecimento prisional, se tivessem mostrado refractários à disciplina desse estabelecimento ou ainda que fossem elementos perniciosos para quaisquer outros reclusos. Numa palavra, o Tarrafal destinava-se a quem a ditadura quisesse mandar para lá!
Diabólica medida, infernal medida, própria de Estados ditatoriais, quer de direita quer de esquerda. Escolheu-se um lugar terrível, de clima péssimo, sem água, sem um mínimo capaz de servir até para uma colónia penal. Isto foi propósito, não um acaso, e muito menos uma necessidade.
Torturas sem fim! Era pequeno e lembro-me de ouvir falar, já nessa altura, na chamada «frigideira», onde reclusos eram metidos, sofrendo, dentro de um cubículo de cimento armado com uma pequena janela para arejamento, temperaturas da ordem dos cinquenta e sessenta graus centígrados. Torturas - repito - sem fim ...