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31 DE OUTUBRO DE 1986 139

com a vida a sua luta - e todos ou quase todos a pagaram, pelo menos, com a destruição de muito do melhor das suas vidas.
Olhando só para os deportados entre finais de 1936 e 1937 vê-se que morreram dez deles, lentamente assassinados «de morte natural». Três deles nunca foram submetidos a julgamento - ou à farsa a que no antigo regime se dava esse nome. O mais idoso tinha apenas 47 anos: Francisco Domingos Quintas, industrial, que foi preso somente por ter participado na Guerra de Espanha, ao lado das forças que combatiam pelo governo legítimo; a seguir, o mais idoso, o 2.º sargento Edmundo Gonçalves, tinha 44 anos.
Cândido Borja, Henrique Domingues Fernandes e Jacinto Faria Vilaça, alguns de entre tantos nomes, marinheiros, tinham quando morreram, lentamente assassinados «de morte natural» - repito, 28, 17 e 26 anos...
Faltam as palavras para dizer mais.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como escreveu um poeta da resistência, Vasco Costa Marques, a propósito do «roteiro» das prisões que o fascismo foi erguendo no continente, nas ilhas, no «império», «ele há nomes de terras que abrem luzes/como um dedo a apontar aos olhos brandos/sobre um mapa de cárceres e cruzes,/por onde o rio da vida os vai levando».
Assim o Tarrafal.
Lembramos e homenageamos todos os que lá sofreram na pessoa do que foi, exactamente, o último preso político português a sair daquele campo de concentração, depois de aí ter estado deportado duas vezes, durante anos e anos - o até há pouco nosso colega, da bancada do PCP, Francisco Miguel, aliás hoje presente neste hemiciclo, no lugar dos convidados.
E curvamo-nos perante a memória dos mortos.
Para lá das divergências ideológicas e do que naturalmente nos separa, saibamos ser dignos do essencial da sua luta e do seu exemplo. Usando o que de certo modo constituiu um slogan, mas, neste caso, terá força emblemática, diremos: Tarrafal, ou qualquer forma de «tarrafal», velho ou novo, à antiga ou actualizado, a fogo vivo, em lume brando ou de água morna, Tarrafal, ou qualquer forma de «tarrafal» - nunca mais!

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Gomes de Pinho.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há 50 anos, numa Europa dilacerada por aventuras totalitárias, no auge da confrontação ideológica e da exaltação nacionalista, no limiar da mais violenta e destrutiva guerra que assolou este berço de civilizações, também em Portugal se escrevia uma dolorosa página na sua história.
Nem a nossa tradição humanitária, nem a relativa brandura do regime autoritário em que vivíamos, e o seu carácter não belicista, impediram que a Portugal chegassem, ainda que atenuadas, as sequelas da violência institucional que campeava pela Europa, pondo em causa direitos fundamentais do homem.
Recordar esses momentos trágicos da histórica é agora para nós, democratas-cristãos, em primeiro lugar, uma atitude moral, de repúdio claro, mas deve ser também uma manifestação de confiança na capacidade do homem, de cada homem, para construir a história no respeito pela sua própria dignidade.
Foi na dura aprendizagem das dificuldades deste caminho, mas também na luta exaltante por esse bem essencial que é a liberdade, que se construíram as democracias modernas, sociais e pluralistas, que hoje protagonizam, a partir deste velho continente, a aventura das novas conquistas da humanidade e exprimem os valores fundamentais que constituem o núcleo da nossa própria civilização.
Foi graças a muitos dos que sofreram do Atlântico aos Urales que hoje podemos ter uma consciência mais sólida da natureza indestrutível da dimensão do homem, dos seus direitos, e assim assumir o imperativo moral de os defender e de os aprofundar.
O facto de também nós hoje vivermos numa democracia, de assumirmos como referencial comum da nossa sociedade esses valores fundamentais, e de por eles o País dever pautar a sua conduta internacional, aumenta a nossa responsabilidade de denunciar, onde quer que se verifiquem, todas as agressões à liberdade e à dignidade do homem.
Consideramos essa expressão como o principal factor de injustiça e opressão e de perturbação nas relações entre os povos e também um factor que impede o desejável estabelecimento de uma paz forte e duradoura.
Vastas regiões do mundo, países poderosos, alianças militares determinam do relacionamento entre os países, assentam ainda os seus fundamentos e a sua estratégia na privação sistemática da liberdade de expressão, na negação do direito de associação, na ausência de garantia de imparcialidade e autonomia do poder judicial, na negação do pluralismo político, enfim, numa concepção totalitária do Estado perante a qual o homem não é o sujeito, mas o súbdito, e a sua dignidade de pessoa é instrumentalizada a desígnios que nada têm a ver com a sua natureza.
Afirmava recentemente João Paulo II que «nunca, como agora se falou e se escreveu tanto sobre o homem e os seus direitos, mas nunca também como agora a dignidade desceu a níveis tão baixos e inesperados. Quaisquer que sejam as razões e os interesses que provoquem essas situações e onde quer que esses valores sejam postos em causa, não pode haver duas medidas de julgamento, porque não há duas liberdades, mas a liberdade!
É pelos que hoje morrem, em todas as cadeias do mundo, do Chile à Nicarágua, ou em tantos outros países, como pelos que morreram no passado, vítimas da mesma violência, que temos de continuar alerta. Não apenas para que o passado se não repita, mas sobretudo para que o passado se não perpetue.

Aplausos do CDS, do PSD, do PS e do PRD.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Tengarrinha.

O Sr. José Manuel Tengarrinha (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É no Tarrafal que a face do fascismo português se mostrou na sua maior brutalidade. A máscara moderada, pretensamente adaptada aos brandos costumes portugueses, com que o salazarismo sempre tentou apresentar-se aparece aí completamente descoberta. Nem Peniche, Aljube ou Caxias nem as colónias penais e companhias disciplinares atingiram essa dimensão sub-humana, só comparável à dos campos de tortura e morte do nazi-fascismo, que ficaram como das mais negras páginas da história recente do homem.