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31 DE OUTUBRO DE 1986 137

O Tarrafal foi uma prisão de tipo especial, onde, isolados do mundo, os antifascistas eram assassinados. Mas o Tarrafal foi sempre uma peça da engrenagem do sistema de repressão brutal que atingiu na própria carne todos os democratas.
O campo de concentração do Tarrafal foi um cemitério não só dos mortos que lá ficaram até 1978, altura em que num acto justo os trouxeram para Portugal, como foi também um cemitério dos vivos que lá viveram e resistiram à morte.
O meu camarada e ex-deputado Francisco Miguel, um dos tarrafalistas sobreviventes, dizia nesta Assembleia que o Tarrafal foi uma prisão especial disposta para matar - e matou - e o deputado desta Câmara, Dr. José Luís Nunes afirmava que o campo de concentração do Tarrafal foi o símbolo máximo do regime português derrubado no 25 de Abril. Também o Sr. Deputado Vasco da Gama Fernandes na altura exercendo o cargo de presidente da Assembleia, referia a necessidade de termos sempre presente aquilo que nos pode unir para que jamais volte a haver nesta pátria um regime igual àquele que permitiu a existência de um campo de extermínio no Tarrafal.
Urge no entanto que a Assembleia da República aprove, como lhe compete, medidas legislativas que façam justiça aos que sofreram e ainda sofrem as consequência dos anos perdidos no campo do Tarrafal.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O campo de concentração do Tarrafal foi feito pelo fascismo deliberadamente para matar e ele simboliza, de facto, na sua máxima crueldade, todo o odioso desse regime.
O Tarrafal foi a morte para muitos antifascistas, mas o objectivo que o fascismo tinha em vista com a sua criação não foi atingido. A vitória final foi dos antifascistas portugueses, foi do povo português, que nunca deixou de lutar.
Evocar o Tarrafal é também uma oportunidade de prestar homenagem aos tarrafalistas mortos e aos sobreviventes. Eles são o símbolo da vontade de defesa da liberdade, da disposição de luta por uma sociedade mais justa, mais próspera e mais feliz para todos os portugueses. São exemplos a não esquecer e que nós os mais novos devemos saber continuar na nossa luta pela defesa do regime democrático, pelo fim da exploração, da miséria e do obscurantismo que o fascismo nos deixou.
Uma lição a retirar do que foi o Tarrafal, dos seus mortos e sobreviventes - uma lição de unidade, de fraternidade, de entendimento, para defender a causa comum pela qual deram a vida.
Importa referir que ao lado dos comunistas, que em maior número caíram no campo do Tarrafal, tombaram também outros patriotas e antifascistas que com opiniões e ideologias diferentes souberam entender-se e dar a vida por uma causa comum - a da liberdade.
A memória do Tarrafal é, ainda, um sinal de alerta e um apelo à unidade.
O combate pela democracia continua, e é fundamental juntar os esforços de todos os que estão com o 25 de Abril, para que o regime democrático português continue como uma conquistas irreversível do seu povo, para que não exista um qualquer Tarrafal na nossa pátria.
Falar do Tarrafal, prestar homenagem aos tarrafalistas, mortos ou sobreviventes, é também defender, consolidar e aprofundar a democracia.
Mas para defender a liberdade, construir e consolidar a democracia, importa ter em conta que o fascismo existiu, a PIDE existiu, Caixas, Aljube, Peniche, Tarrafal não foram um sonho, mas uma realidade atroz.
Os sacrifícios dos tarrafalistas, a luta antifascista e os cravos de Abril - aqueles continuaram a ser exemplos vivos e estes, os cravos de Abril, a esperança nos caminhos do futuro.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, ao homenagear a heróica acção dos presos tarrafalistas, pretende por um lado contribuir para a defesa da democracia e da liberdade e por outro exprimir a certeza - fascismo em Portugal nunca mais.
Por isso mesmo, votámos favoravelmente o voto proposto pela mesa da Assembleia da República.

Aplausos do PCP, do PS, do PRD, do MDP/CDE e de alguns deputados do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, é chegada a hora de encerramento da votação que referi há pouco. Peço aos Srs. Deputados escrutinadores o favor de procederem ao encerramento da uma e à contagem dos votos.
Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Raúl Rêgo.

O Sr. Raúl Rêgo (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Numa Assembleia da República de homens livres, quero começar honrando, nas pessoas dos deputados Edmundo Pedro e Francisco Miguel, todos aqueles que sofreram as torturas do Tarrafal.

Aplausos gerais.

O Orador: - Em meio século de silêncio imposto e tortura sistemática, talvez nenhuma data avulte mais do que a de 29 de Outubro de 1936. Mais de uma centena de cidadãos eram levados como rebanho de gado, num vapor, do depósito de presos de Angra do Heroísmo para a colónia penal do Tarrafal, em Cabo Verde.
O Tarrafal pode ser o ex libris da ditadura portuguesa, de 48 anos de vida nacional ao sabor e aos caprichos de um homem, de uma ideia tirânica que dispunha de todos os homens em Portugal, na África e na índia, como se fossem gado. Um depósito de presos se chamava, como se de gado se tratasse.
Foi assim que se destruiu a comunidade portuguesa. Ë que toda a pátria é uma comunidade e quando não há comunhão de sentimentos não pode haver ideal comum nem fraternidade.
Como podia construir-se uma pátria perseguindo os nossos vizinhos, torturando-os quando não pensavam como nós?
O Tarrafal, com milhares de vítimas que por lá passaram, torturadas e espezinhadas, pode ficar como verdadeiro monumento à tirania. Sirva de memória essa frigideira isolada, ao sol e à chuva, e onde se entrava para morrer ou enlouquecer. É talvez o ponto mais alto do diabólico sistema político que teve por base a tortura de um cidadão por outro que também devia ser cidadão.
Nomes para quê? Alguns vivem ainda e confrangem-se só de lembrar o sinistro campo de concentração.
O Tarrafal segue-se às esquadras de Lisboa, a Caxias, a Peniche, ao Aljube, ao Forte da Graça, à Trafaria, a São Julião da Barra.