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7 DE NOVEMBRO DE 1986 189

Só depois de muito instado é que o Governo nos enviou um papel, que crismou de complemento -não uma proposta de lei, mas um complemento, não um documento autónomo mas um complemento integrado nas Grandes Opções do Plano (GOPs) a médio prazo -, dizendo-nos: já que os senhores são um pouco «ceguetas» e não encontraram o documento que vos mandámos, isto é, as Opções para o ano de 1987, aí vai, a título de bengala, binóculo, lupa ou prótese, aquilo que os senhores, por um pouco deficientes, não conseguiram vislumbrar. E a carta do Ministro Fernando Nogueira diz isto mesmo, apesar de tudo com um pouco mais de rebuço, pois considera que, «procurando evitar questões não essenciais ou meramente formais» e entendendo também que os argumentos da Comissão e dos requerentes eram insuficientes, nos mandava um documento em anexo onde se encontra explícito o que, sendo já implícito no texto inicial - repito, implícito no texto inicial -, constitui, na proposta do Governo, as Grandes Opções do Plano para 1987.
Folheando as Grandes Opções do Plano para 1987-1990, o que é que encontramos, Sr. Presidente e Srs. Deputados? Encontramos a OP1, a OP2, a OP3, a OP4... a OP9, que vão desde a língua, cultura e património até à afirmação das estruturas do Estado democrático e por aí adiante; portanto, é simples a resposta do Governo. Para 1987 - opção: afirmar as estruturas do Estado; para 1988 - opção: valorizar o papel de Portugal no mundo; para 1989 - opção: corrigir os desequilíbrios estruturais; para 1990 e, se calhar, 1991-1992-1993-1994, provavelmente até 2030, porque são opções eternas, temos a defesa da língua, da cultura e do património, que são valores perenes da comunidade nacional e hão-de ser os objectivos da Pátria enquanto ela existir. Esta é, portanto, a chamada opção eterna do passado, do presente e do futuro. Assim é fácil fazer GOPs, assim qualquer pessoa faz uma GOP; assim «gopiza-se» à vontade...
No entanto, a Constituição não pensava nesta forma de «gopizar» as coisas, pois julgava que uma GOP era uma GOP e que um plano era um plano; naturalmente que o Governo tem outro entendimento.
No fundo, dizer e precisar isto é apenas pôr os pés em terra, porque não se pode enviar para a Assembleia da República um documento qualquer, crismá-lo e dizer que contém duas peças, omitindo depois a terceira. Aliás, no comércio isso tem um nome e no direito político também e foi isso que a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sublinhou no parecer que agora vamos votar e que nela já foi aprovado.
Gostava de sublinhar, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que não é inocente esta démarche do Governo e que, ao contrário do que é dito, não se trata de uma questão formal, não se trata de uma «formalite», de uma mania, de uma birra, de uma perrice da Assembleia da República, que quer papel e mais papel, numa forma omnívora de comer documentos. A questão não é essa. A questão é que é fundamental, do ponto de vista da decisão política, que a Assembleia da República possa decidir face a instrumentos claros que contemplem aberta e rigorosamente as questões, sendo que é a isso que o Governo quer fugir.
O Governo quer fugir claramente a que a Assembleia da República possa exercer, plena e fundamentadamente, as suas competências. Por isso joga na amálgama, omite aquilo que não devia omitir e até superabunda em certas coisas que devia trazer cá noutras sedes e noutros momentos. Contudo, olhando bem o texto percebe-se porquê.
O Governo diz-nos que nas GOPs a médio prazo estão as GOPs de 1987 e, como já sublinhei, as de 1988, as de 1989, as de 1991 e, provavelmente, mais à frente, o que leva a perguntar que «coisas» são essas GOPs, tão gordas e tão grandes em que, pelos vistos, cabe tudo - tudo do passado, uma vez que se pretendem fazer algumas propostas históricas, e, provavelmente, também o futuro.
Devo dizer que essas opções - não é esta a sede própria para aprofundar esse debate, mas importa sublinhá-lo - são realmente um estranho texto; uma «coisa» entre um programa do Governo, que este gostaria de ter visto aprovado na Assembleia da República, mas que não viu, e uma espécie de bilhete de identidade de Portugal, válido para o passado e para o futuro, emitido não pelo Arquivo de Identificação de Lisboa, mas pela Assembleia da República, pelo Presidente da República e referendado pelo Dr. Cavaco Silva, para a coisa ficar clara.
Como documento técnico é altamente criticável, sendo isso que tem vindo a ser aflorado no debate público por parte dos sectores que se têm debruçado sobre o texto. É um documento que amálgama áreas, que não articula, que não distingue os âmbitos de aplicação temporal, que foge às projecções como se aquilo tivesse SIDA, que recusa a quantificação e que tem 263 páginas, fora a capa e o índice. Porém, a verdade, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é que aquilo é um espantoso castelo de palavras que, infelizmente, tem passagens inteiras com um rigor e um poder de persuasão que creio ser um pouco inferior a certos bons anúncios de detergentes e lâminas de barbear que passam todas as noites na nossa Televisão, embora também tenha a pretensão gongórica, retórica e marteladora que neles constatamos.
Quanto ao conteúdo, creio, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que há ali páginas que Camilo teria desejado pôr na boca do famoso deputado Calisto Elói Siles de Benevides e que são, por exemplo, inesquecíveis afirmações como: «Portugal só poderá ser Portugal se continuar a ser português», ou aquelas interrogações filosófico-lancinantes, do género: «De tantos portugais que já foi e daqueles que acredita ser capaz de vir a construir, qual é o Portugal mais forte, mais adequado, mais necessário e qual é o Portugal que melhor corresponde à sua (dele, julgamos nós) essência?» - a questão da essência torna absolutamente obcecado o autor destas GOPs.
Mais tarde veremos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, mas a resposta do Governo a esta pergunta é fulminante: o futuro ditado pela geo-estratégia e pela nossa essência - desde a reconquista até à era espacial, suponho - é pormo-nos de ponte, entreposto e aeroporto entre tempos e mercados e, evidentemente, de «gatas» perante a CEE, a NATO e o imperialismo norte-americano; aparentemente, o nosso destino é fazer, segundo as GOPs, parte do arco periférico de apoio aos Estados Unidos da América.
Aqui, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o riso muda de figura, pois creio que as chalaças e o «linguarejar» gongórico não nos devem fazer subestimar que estas GOPs, que o Governo queria amalgamar com as GOPs de 1987, são a «sopa de pedra» de um ideário talassa