12 DE DEZEMBRO DE 1986
cer a propriedade familiar (o casal de família) e o emparcelamento. O «casal de família» só viria a ter expressão legislativa em 1930 (Decreto n.º 18 551, de 3 de Julho); o emparcelamento, em 1919 (Decreto n.º 5785, de 10 de Maio). O regime do «casal de família» está ainda em vigor e aplica-se aos «casais agrícolas» instituídos pela colonização interna. O regime de emparcelamento criado em 1919 ficou por regulamentar e só em 1962, com a Lei n.º 2114, de 16 de Agosto, e o Decreto n.º 44 647, de 26 de Outubro, se tornou aplicável.
Voltando à história do emparcelamento em Portugal, interessa referir um novo projecto de lei, que, também ele, não vingou, mas contém orientações de algum interesse. Trata-se do projecto apresentado em 1899 por Elvino de Brito. Nele se procurava facilitar o emparcelamento aos proprietários que acordassem na formação de propriedade contígua, isentando-os da contribuição de registo nas transmissões e da contribuição predial nos três anos seguintes ao da nova delimitação. Os serviços oficiais forneceriam gratuitamente as plantas topográficas indispensáveis, e gratuitas seriam, também, as avaliações. Com a Finalidade de constituir o «casal de família», isentava-se da contribuição de registo a aquisição de prédio confinante com o do adquirente, desde que não resultasse uma propriedade de área superior a 3 ha.
Parece-me interessante o procedimento proposto para certas situações de encravados: o dono do prédio rústico que envolva completamente outro prédio poderia exigir a expropriação do encravado, desde que este tivesse área inferior a 1 ha, o seu rendimento colectável fosse inferior a um terço do prédio envolvente e nele não existisse casa de habitação do proprietário. O dono do prédio expropriado receberia por este o valor de avaliação acrescido de 25%.
Numa proposta de lei para a criação de serviços cadastrais, apresentada ao Parlamento em 1911 por Brito Camacho e José Relvas mas não aprovada, entre as finalidades visadas pelo cadastro figurava a remodelação do regime de propriedade. Os serviços prestariam «o seu concurso aos proprietários que quisessem aproveitar as garantias de segurança e economia, que as operações de delimitação lhes ofereciam para as suas demarcações particulares e para o seu trabalho de emparcelamento».
Posso ainda referir outras particularidades interessantes do regime de 1919: o emparcelamento poderia ser declarado obrigatório se, pelo menos, dois terços dos proprietários, representando dois terços da superfície submetida a emparcelamento, fossem favoráveis à operação; as despesas resultantes do novo arranjo seriam distribuídas proporcionalmente ao número e valor dos prédios possuídos; os novos prédios ficariam isentos da contribuição predial durante três anos; um proprietário teria direito ao prédio ou parcela onde existisse casa de habitação em que residisse há mais de um ano.
O legislador de 1962 reduziu a dupla maioria de dois terços exigida para a realização do emparcelamento para a simples maioria dos proprietários com a maioria do rendimento colectável. A existência desta maioria simples «pressupõe um interesse digno de prossecução, de que o Estado se não deve alhear», tanto mais que no regime actual é o próprio Estado a financiar o custo das operações, e não os proprietários.
Vem ainda a propósito mencionar uma iniciativa do Conselho de Cadastro, no começo dos anos 30, de estudo de um projecto de decreto-lei prevendo, em
determinadas circunstâncias, o emparcelamento obrigatório nas zonas cadastradas. Esta ideia de aproveitar a realização do cadastro para promover a remodelação predial, já aflorada no projecto de lei de 1911, deve ter estado na origem da preparação do primeiro projecto de emparcelamento da Junta de Colonização Interna, não executado por falta de apoio legal, uma vez que o regime instituído em 1919 continuava por regulamentar. Com efeito, esse projecto incidia sobre aldeias do concelho de Mogadouro, onde recentemente fora efectuado o cadastro geométrico.
Na década de 50, face ao desenvolvimento económico geral que então se verifica, os países europeus começam a definir políticas para o sector agrário com o objectivo de garantir aos respectivos trabalhadores um nível de vida compatível com o dos outros sectores. Para isso teria a agricultura de tornar-se mais eficiente e competitiva, devendo assegurar aos capitais nela investidos uma remuneração equitativa.
Numa reunião da OCDE em 1955 reconhece-se «a necessidade de criar e manter explorações capazes de conseguir um nível de vida satisfatório para o empresário que trabalhe exclusivamente na exploração e para a sua família, prevendo-se ainda uma margem de melhoria correspondente ao nível de vida geralmente em crescimento no conjunto da comunidade».
Desenha-se, pois, uma tendência para a criação de unidades viáveis, para a evolução das empresas familiares de simples subsistência para empresas orientadas para o mercado. Porém, na maior parte dos casos, as estruturas fundiárias dificultam esta evolução. Há que actuar em força na correcção destas estruturas. Publicam-se em vários países leis do emparcelamento ou reformulam-se os princípios orientadores do ordenamento rural.
Portugal não pode ficar alheio a este movimento. Os dados conhecidos do inquérito às explorações agrícolas realizado em 1952-1954 confirmaram a gravidade dos problemas que afectam a estrutura fundiária, a excessiva fragmentação e dispersão das explorações do norte e centro do País.
E a situação não evolui favoravelmente, como o provam os inquéritos de 1968 e 1979.
No período de 1959 a 1964 planificou-se fazer algo no sector do emparcelamento.
As dificuldades foram tantas que deram origem à Lei n.º 2116, de 1962.
Dispõe a base XXIV da Lei n.º 2116 que, «concluídos os trabalhos de execução do plano de recomposição agrária, será lavrado, em relação a cada proprietário, auto que fará menção das operações realizadas quanto aos seus bens e descrição pormenorizada, para efeito de inscrição matricial e de registo predial, do prédio ou prédios que lhe ficaram a pertencer e dos termos de transferência dos direitos e encargos que sobre as suas parcelas primitivas incidiam e devem subsistir»; e logo a seguir: «o auto e as suas certidões ou fotocópias, devidamente autenticadas, constituirão documento bastante para prova dos actos ou factos que dele constem».
Pois se o legislador pensava que os autos de emparcelamento eram documento bastante para o registo predial, enganou-se redondamente. Nenhum conservador do registo predial assim o entendeu e nenhum deixou de querer observar o sagrado preceito do trato sucessivo para a inscrição de um prédio resultante do emparcelamento. Também nunca se conseguiu que o Código