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7 DE JANEIRO DE 1987

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O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre,

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com Joaquim Namorado desaparece uma das grandes figuras de uma geração que deu ao País escritores e poetas tão significativos como Carlos de Oliveira, Fernando Namora, Manuel da Fonseca, Mário Dionísio, Álvaro Feijó, João José Cochofel e Alves Redol. Foi ele quem deu o nome a esse movimento que abriria novos caminhos à literatura portuguesa - o movimento neo-realista, que os cultores da moda procuram hoje minimizar, esquecendo-se (ou talvez não) do significado estético, ético e cívico dessa nova escrita empenhada e comprometida com o destino do homem português. Polarizador e aglutinador das energias do grupo do Novo Cancioneiro, Joaquim Namorado haveria de tornar-se, como escreveu Eduardo Lourenço, na sua principal referência activa e ética. Poeta pelo que escreveu e também pela forma como viveu e conviveu, Joaquim Namorado foi um extraordinário animador cultural e cívico, que marcou as sucessivas gerações que por Coimbra passaram. Influenciado pela guerra civil de Espanha e pela geração poética de Lorca e Alberti, Joaquim Namorado deixa-nos sobretudo uma lição de incomodidade, lição de poesia de poeta que sempre incomodou porque sempre soube incomodar-se. A sua escrita era agreste, agressiva, sarcástica, por vezes provocadora e quase dura. Assim ele era. Mas por detrás da forma e do estilo estava um homem cheio de ternura, um lírico desesperado, como notou Jorge de Sena. Como já tive ocasião de dizer, a sua forma de ser e de escrever era uma ternura do avesso.
Proibido de exercer a sua profissão de professor, quer no ensino público quer no particular, forçado a dar explicações para ganhar a vida, preso várias vezes pela policia política, Joaquim Namorado manteve-se sempre fiel e igual a si mesmo, exigente consigo e com os outros. Não transigiu com modas. Tinha uma certa concepção da vida e da literatura, era contra as doutrinas formalistas, vociferava contra a arte pela arte, defendia uma literatura empenhada e solidária com raízes na terra portuguesa. Não é por acaso que os seus principais livros têm por titulo «Incomodidade» e «Poesia Necessária». Era o que ele entendia que a poesia devia ser, uma provocação e um contrapoder, uma denúncia e um combate, uma intervenção ditada pela necessidade histórica e circunstancial.
Por isso escreveu:

«Sejam meus versos a vogal precisa bata no meu pulso o coração do mundo.»

Definiu a poesia como máquina de produzir entusiasmo. E foi o que fez da sua vida: um acto permanente de resistência cultural e cívica, uma máquina de estimular os outros na «Vértice» (a que dedicou grande parte do seu tempo e da sua energia), nas tertúlias, no ensino, na convivência. Incomodando e incomodando-se sem nunca se acomodar, deixando em todos os que com ele privavam a marca de uma invulgar e apaixonante personalidade.
«Encantava-o», como escreveu Mário Dionísio, «escandalizar, ser contra, evitar que pôr os pontos nos "ii" o fizesse supor num lado que não era o seu.» Tomou sempre partido, na literatura e na vida, sem por isso deixar de ser um espírito aberto e tolerante, respeitado até pelos adversários. A marca da sua acção, a grandeza da sua vida, ultrapassam talvez a da própria obra. Mas essa foi a sua opção de intelectual resistente e combatente. Ele detestava as torres de marfim, o texto do texto, a leitura da leitura. Arte e vida eram para ele inseparáveis. Numa e noutra deixou o seu estilo, a sua marca, o fulgor de alguns seus versos, a chama da sua atitude e da sua vida.
Não o esquecerão aqueles que como eu, José Carlos Vasconcelos e tantos outros lhe devemos muito da nossa formação estética, cultural e cívica. Não o esquecerão os que, ao longo dos anos, com ele aprenderam uma difícil, exigente e fraterna solidariedade.
Vivemos uma época de alguma perplexidade e não pouca trafulhice intelectual. A ditadura da moda impõe a sua lei, como escreveu recentemente Fernando Namora, referindo-se aos ataques à geração do «Novo Cancioneiro»: «O que foi lendo sobre essa época e o que ela representou na história da literatura portuguesa é por via de regra tolice. Tolice ou má fé. Instalou-se na nossa cena uma espécie de bando arrogante, de uma ligeireza patética, capaz de varrer com um único gesto uma geração ou uma centúria. Para trás deles é o vácuo; à frente ou aos lados uns autodeclarados génios que eles servem ou desservem consoante os seus humores de pistoleiros sem lei.»
É por isso que recordar hoje Joaquim Namorado não é só prestar homenagem ao principal animador de um movimento literário; é recordar a nova dimensão e o novo impulso que Joaquim Namorado e os seus companheiros trouxeram à resistência cultural e cívica do povo português. É homenagear a coragem e coerência intelectuais e é homenagear a própria poesia, como canto de liberdade e fraternidade entre os homens.

Aplausos do PS, do PRD do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quem, além de conhecer a obra de Joaquim Namorado, teve ensejo de com ele conviver pode verificar que tudo aquilo que se pode dizer a seu respeito, inclusivamente o que consta do voto de pesar que acaba de ser aprovado por unanimidade, está longe de exceder aquilo que a seu respeito deveria ser dito.
Quem em especial com ele, como connosco aconteceu, pôde comunicar verificou que Joaquim Namorado, além de ter uma influência determinante na nova corrente literária do neo-realismo, de que ele foi, em Coimbra, o grande animador através do lançamento do «Novo Cancioneiro», não só lançou uma nova corrente que representou um novo passo na literatura e na arte portuguesas a seguir à chamada geração da Presença como também abriu com a sua acção uma nova maneira de estar na vida em defesa de uma sociedade mais livre e mais fraterna.
Fazia parte da sua personalidade não só a sua dureza como um espirito satírico, presente também na sua poesia - como, aliás, aqui já foi recordado. Carácter satírico que não impedia, visto que através das suas próprias sátiras era possível sempre reconhecer lições, não só sucessivas gerações que com ele puderam privar como aqueles que foram da sua geração, de com ele terem sempre alguma coisa a aprender. Ele representa o alto exemplo de um escritor fiel a si próprio, de um homem que em Coimbra, fossem quais fossem as con-