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I SÉRIE - NÚMERO 27

A regra da conformidade dos actos administrativos à lei é sistematicamente negada, em tais termos que se pode dizer que o Ministério conseguiu inverter a presunção da legalidade, isto é, a regra passou a ser a de que os actos do Ministério se presumem ilegais. Basta atentar no volume de centenas e centenas de despachos anulados pelo Supremo Tribunal Administrativo.
A imparcialidade, que deveria pautar a conduta da Administração, é subvertida pela aceitação sistemática dos pontos de vista dos requerentes reservatários, das suas pretensões, da «prova» que apresentam e que as mais das vezes, de tão frágil e miserável consistência, não merece qualquer espécie de crédito (quando não sucede que têm a fraude mesmo à vista, como no caso da exibição de recibos em impressos com data de impressão na tipografia de anos depois da data do recibo!).
A prossecução do interesse público, por seu lado, é pura e simplesmente postergada, para transformar os processos na prossecução dos interesses privados e ilegítimos de ex-latifundiários, com expressa invocação desse facto.
Quanto à moralidade de procedimentos, é só recordar o que é do domínio público - os casos de acusação de corrupção, de ilegalidades e de ligações às famílias de latifundiários que têm sido feitas a funcionários do Ministério, funcionários que instruíram uma parte substancial dos processos agora em apreciação - para se poder concluir que a imoralidade atinge profundamente a conduta da Administração Pública neste sector e transformou-se num vício insanável de todo este processo.
A situação que hoje se vive, há que dizê-lo com frontalidade, é um verdadeiro tumor no Estado democrático, que põe em questão a própria credibilidade das instituições.
O que, ao fim e ao cabo, se estende à própria função jurisdicional e ao Supremo Tribunal Administrativo. A situação é a de um verdadeiro pandemónio. Não se pode aceitar que o Ministério tenha transformado em regra a prática ilegal, que tenha assumido como postura o desrespeito permanente, que se coloque face à justiça como se esta fosse um ser anómalo e, escândalo maior, um obstáculo - tudo o que levou a comissão de inquérito a propor já duas queixas contra o próprio Ministro.
A situação de caos levada pelo Ministério ao tribunal resulta, ao fim e ao cabo, da inversão das mais simples e fundamentais regras conformadoras da actuação da Administração Pública. Onde deveria pautar a regra da legalidade, a ilegalidade tornou-se norma. Onde devia pautar a regra do respeito pelas decisões judiciais, o desrespeito impõe-se como rotina.
É já de 382, perto de 400, o número de acórdãos
não cumpridos pelo Ministro. -
Não cabe, no quadro desta curta intervenção, dar um panorama completo da situação, até porque ele há-de resultar ser feito com profundidade e total alcance, no âmbito dos trabalhos da comissão de inquérito.
Referia tão-somente um caso: a mulher de um latifundiário, casada com comunhão de adquiridos, vem a requerer uma reserva alegando a aquisição onerosa pelo marido de uma propriedade na constância do matrimónio. A reserva é-lhe sucessivamente negada em despacho devidamente fundamentado, o que apreciado pelo Supremo Tribunal Administrativo é também negado. Em 1985, de supetão, o processo é reaberto e em meia dúzia de meses a reserva (de 90 000 pontos) é atribuída. O Supremo Tribunal Administrativo suspende a eficácia do despacho - o Ministério não cumpre. Entretanto, descobre-se outro escândalo: a propriedade em questão tinha pouco mais de 60 000 pontos, pelo que a requerente, se tivesse qualquer direito (que não tinha), ele não poderia ultrapassar cerca de 30 000 pontos! Solução simples do Ministro: revoga o despacho anterior e emite novo despacho dando 30 000 pontos de reserva de propriedade... E mais 60 000 pontos em exploração, isto quando ela não explorou nem um hectare que fosse! Isto é: os mesmos 90 000 pontos do despacho revogado e o mesmo excesso de 60 000 pontos em relação ao máximo a que a requerente teria direito... Quando não tinha direito a nenhum!
Entretanto, a revogação é comunicada ao Supremo Tribunal Administrativo, que, obviamente, considera extinta a instância. Conclusão: as cooperativas interessadas têm de apresentar novo recurso do novo despacho do Ministro, desta vez com vista à anulação do segundo despacho, que, se for suspenso ou algum problema houver com ele, o Sr. Ministro não hesitará em revogá-lo e fazer um terceiro. Nem Rocambole era capaz de tanto. Só que, se a situação é rocambolesca, não é isso que a caracteriza.
A questão de fundo é outra: como é tudo isto admissível? Onde está o respeito dos princípios da boa fé e imparcialidade da Administração Pública numa actuação que visa, no fundo, tão-somente, dar os 90 000 pontos, custe o que custar, e que põe o tribunal como uma arena de manipulações e golpes? Onde é o Estado pessoa de bem?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este debate, resultante de marcação do PCP, inicia-se, pelo conjunto de projectos apresentados, com a consciência maioritária de que uma situação como esta não pode continuar.
Só que, se para se encontrar a adequada solução é obviamente necessário adoptar a medida legislativa adequada a reconduzir a actividade em torno da atribuição de reservas e de entregas de terras para exploração ao campo da legalidade, da moralidade, da prossecução do interesse público, é também necessário não esquecer não só os valores constitucionais próprios da defesa da Reforma Agrária como os direitos e garantias dos administrados.
Não se pode aqui e neste momento esquecer como esta escandalosa actividade da Administração Pública tem atingido profundamente a vida das UCPs/cooperativas, como se tem traduzido no levar à permanente instabilidade nos campos alentejanos, como visa afinal a liquidação da Reforma Agrária e a passadista reconstituição do latifúndio.

A bancada do Governo há-de estrebuchar ainda, há-de tentar enlamear os trabalhadores da Reforma Agrária, há-de tentar desvirtuar o sentido e alcance dos preceitos constitucionais imperativos de garantia da Reforma Agrária.
Que o cidadão Álvaro Barreto não goste da Constituição e das leis que nos regem, é do seu direito e eventualmente, do seu interesse. Mas que, como ministro, transporte para a Administração Pública opções e comportamentos que violam a Constituição e a lei, isso é que não é admissível no Estado de direito democrático.

Vozes do PCP: - Muito bem!