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1480 I SÉRIE - NÚMERO 38

Decreto-Lei n.º 129/77, é a última peça da Ministra da Saúde e do actual governo para a desarticulação do Serviço Nacional de Saúde.

Desde logo se evidencia que o diploma em causa viola o disposto no artigo 267. º, n.º 1, da Constituição, na medida em que, através dele, os interessados, quer as populações, quer os profissionais de saúde, são afastados da gestão efectiva dos hospitais, atribuindo-se ao Ministro da Saúde o poder de nomear todos os membros do órgão de gestão e administração, que é o conselho de administração e o administrador geral. Aliás, o poder atribuído ao Governo é um poder insindicável e ilimitado, dado que os membros de tal órgão são nomeados em comissão de serviço, portanto sem autonomia nem independência perante o Governo. Trata-se ainda aqui de clara oposição aos princípios consagrados no n.º 1 do artigo 267.º da Constituição, na medida em que não se garante "a aproximação dos serviços das populações", nem se assegura "a participação dos interessados na gestão efectiva" dos hospitais, ao contrário até do que já era tradição. Tal resulta aliás do chamado principio da superintendência, estabelecido no artigo 3.º, que atribui ao Ministro da Saúde o poder de rever, confirmar, modificar e revogar todos os actos praticados pelo conselho de administração e pelo administrador geral.
Dissemos já que este Decreto-Lei n.º 16/87 é a última pedra da ofensiva da Ministra da Saúde e do Governo, visando a desarticulação do Serviço Nacional de Saúde, "universal, geral e gratuito", estabelecido pela Constituição no artigo 64.º, como meio de assegurar o direito que todos têm à protecção da saúde e "o dever de a defender e promover". Com efeito, deverão neste sentido recordar-se não só o recente despedimento de 1500 médicos dos hospitais, como, anteriormente, a tentativa de desvinculação da função pública, impedida pelo Parlamento, de outro numeroso grupo de médicos dos hospitais, ou o oneroso e dispendioso meio de recurso dos serviços de fisioterapia, lesando um elevado número de doentes, nomeadamente idosos. E ainda os jornais de ontem se fazem eco não só da contestação do Decreto-Lei n. 16/87 por parte dos Sindicatos Médicos, como do Sindicato dos Enfermeiros da Zona Sul e Açores. Enquanto, por sua vez, os responsáveis do banco do Hospital de São José admitem a demissão colectiva, invocando o recente despedimento de médicos policlínicos como tendo agravado drasticamente a situação, ou os chefes de equipa dos hospitais civis ameaçam demitir-se a breve prazo, assinalando também os problemas causados pela falta de policlínicos.
No preâmbulo do referido Decreto-Lei n. 16/87 invoca-se a necessidade de os hospitais se organizarem "em termos empresariais", e nisto reside o verdadeiro sentido e alcance não só deste diploma mas de toda a actuação da Sr.ª Ministra da Saúde. Sentido este, porém, que colide frontalmente com os princípios consagrados pela Constituição em matéria de saúde. Em primeiro lugar, a saúde é um direito social, cuja estrutura e objecto não são compatíveis com uma administração empresarial. E tal resulta até claramente do disposto na alínea e) do n. 3 do artigo 64. º da Constituição, em que se estabelece que incumbe prioritariamente ao Estado "disciplinar e controlar as formas empresariais e privadas da medicina, articulando-as com o Serviço Nacional de Saúde", o que torna evidente que as formas empresariais e privadas de medicina só podem, naturalmente, ser assumidas por entidades estranhas ao Serviço Nacional de Saúde. Deste modo, a filosofia do Decreto-Lei n.º 16/87 não fere só princípios constitucionais, pois engloba aspectos e conceitos com tal cunho de retrocesso e incultura que tal diploma ficará a assinalar um marco negro na política de saúde em Portugal.
Na realidade, com este diploma perde-se por completo a autonomia da instituição hospitalar e, tal como . aconteceria com as universidades e outras instituições básicas da sociedade se fossem identicamente governamentalizadas, tal conduz à sua completa castração e estiolação. Nem no tempo do fascismo se chegou ao ponto de tornar totalmente dependentes do Ministério da Saúde e por ele serem nomeados todos os órgãos de direcção técnica dos hospitais. Além de uma prepotência, estamos em presença da demonstração de incultura da Sr.ª Ministra e do seu staff, que mostram desconhecer por completo o fenómeno cultural da, saúde e o papel relevante e indispensável das instituições na vida das sociedades. Nem no espírito nem na letra deste decreto-lei se tem conta as triplas funções de um hospital: prestação de cuidados médicos diferenciados; educação e reciclagem permanentes; investigação.
Poderá o conceito de empresa ser sinónimo de instituição?
Obviamente que não, porque então seriam também empresas as universidades ou quaisquer instituições culturais e sociais.
No diploma em ratificação tanto os órgãos de administração como todas as direcções técnicas são nomeados pelo Ministro, transformando-se em verdadeiros "comissários políticos", e ainda com a particularidade de poderem nem sequer pertencer ao quadro do respectivo hospital. Os órgãos de apoio técnico são concebidos como simples apêndices para a execução das directivas das direcções técnicas, que a eles presidem e que são nomeadas pelo Ministério.
Com um esquema rígido, dirigista e castrador como este, tem de se perguntar onde está a educação permanente e a investigação, onde está a autonomia criadora, onde estão os incentivos e a emulação dos médicos, dos enfermeiros, dos vários quadros técnicos no hospital?
No próprio campo do sector administrativo surge a enorme bizarria de se poderem recrutar os administradores hospitalares não entre os profissionais, que constituem hoje o produto de uma escola e estão inseridos numa carreira de alto nível técnico, pois os gestores são recrutados no largo espaço do mundo dos gestores públicos.
Que maior incoerência poderia haver num Governo que pretende atribuir-se a imagem de rigor e competência!
Onde pairam as carreiras hospitalares dos profissionais neste mundo fantasmagórico concebido pela Sr.ª Ministra da Saúde?
A dependência administrativa directa do Governo confere à instituição hospitalar uma enorme instabilidade que abre as portas às mais variadas formas de nepotismo e politização.
Em resumo, o hospital desaparece de facto como instituição, dissolvido no cenário cinzento de empresa pública; quando, no preâmbulo do decreto, se diz que (o hospital) "claramente assente na iniludível integração da actividade hospitalar na economia do País", o que se está a defender na realidade é uma estratégia