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20 DE MARÇO DE 1987

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importância, ou seja nos países onde o cidadão tem possibilidades múltiplas de escolha dos produtos onde há agressividade das técnicas de venda, onde há degradação do meio ambiente.
Nos países em vias de desenvolvimento, como Portugal, tem-se entendido como prioritária e urgente a consciencialização dos consumidores através de acções informativas e educativas dirigidas a grupos especiais de consumidores. A organização sócio-económica portuguesa já não é a tradicional. Hoje procura-se um desenvolvimento mais equilibrado, que gere maior justiça social. Por isso mesmo, o consumidor encontra-se numa situação de extrema vulnerabilidade. É um objecto de manipulação fácil, está isolado, é ignorante, numa palavra, é uma potencial vítima.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se definirmos «qualidade» como sendo a aptidão ao uso e utilização de um serviço de um produto artificial ou natural, temos forçosamente de ficar preocupados e desconfiados com esta sociedade de consumo que traz sempre felicidade e alegria e é feita de prazos e plásticos, velocidade, concentrações maciças de indivíduos em caixas de betão armado, sprays, enlatados, vícios, falsificações, carros em todo o sítio, pastilhas e tónicos capilares miraculosos, champôs «radicalmente anticaspa», detergentes de pacote gigante mas peso reduzido, que digerem a sujidade e dão à luz a brancura, aditivos achocolatados para o leite que natural não sabe bem, assassinos insecticidas que matam tudo o que é bicho, armas mortíferas feitas brinquedos para crianças, a máquina de barbear que dá personalidade, o after-shave do sucesso e mais não digo porque não tenho tempo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E quem apresenta esta mercadoria ao consumidor, ávido de felicidade, êxito e charme? A publicidade, geralmente encarnando uma dona de casa poupada, afável e feliz, porque tudo é prático, saboroso e traz harmonia conjugal. Temos também aqui a mulher objecto de consumo, explorada nesta venda de «gato por lebre».
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Principal sustentáculo de vida do consumidor, a alimentação de um povo condiciona fortemente a sua produtividade. Se excluirmos as famílias rurais, já que produzem a sua alimentação e só complementarmente compram bens alimentares, os restantes estratos sociais urbanizados compram a sua alimentação, por completo ou quase, no comércio.
É para estas classes sociais que a defesa do consumidor se deve orientar preferencialmente, não só porque são as mais aquisitivas mas também porque o seu comportamento alimentar se está a alterar drasticamente devido à quebra de hábitos alimentares salutares por transferência do domicilio, há falta de tempo disponível para afazeres domésticas, ao número crescente de supermercados e locais de refeições rápidas vulgo snack-bars.
De tudo isto resulta uma alimentação pobre e desequilibrada nutricionalmente, porque carenciada das correctas quantidades de glícidos, lípidos e prótidos.
Não é aceitável, por exemplo, que haja ainda restaurantes e cantinas sem condições higiénicas e sanitárias fornecendo refeições nutricionalmente desequilibradas ou até de qualidade duvidosa.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não é aceitável que se chame sumo de fruta a uma mistura química dissolvida em água.
Não é aceitável que um consumidor, no mesmo local de venda, encontre duas variedades de pão e meia centena de variedades de biscoitos e bolachas e que encontre três ou quatro variedades de produtos hortícolas de duvidosa frescura e dúzias de sopas diferentes enlatadas.
Infelizmente, parece que o marketing alimentar não está interessado em estudar modos de vender e apresentar produtos alimentares tradicionais que sejam ricos e satisfaçam as nossas necessidades nutricionais.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Perante situações de incúria e que são potenciais atentados à saúde e bem-estar do cidadão, só organizações fortes de consumidores independentes do poder económico e político, sem fins lucrativos, poderão resolver o problema da informação dos consumidores, em particular, e desenvolver as acções colectivas de defesa dos interesses dos consumidores, em geral.
São estes, aliás, os objectivos da Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor (DECO), que tem desenvolvido actividade meritória, a justificar mesmo um maior apoio oficial.
Mas a defesa dos direitos dos consumidores abrange uma área tão vasta e complexa que o Estado não se pode eximir das funções que constitucionalmente lhe cabem.
Lembramos a alínea j) do artigo 8 1. º da Constituição, que considera a protecção do consumidor como uma incumbência prioritária do Estado, competindo ao Governo, em primeiro lugar, a definição de uma política de consumo, nos termos do artigo 203.1, n.º 1, alínea a), também da Constituição.
Neste contexto, torna-se indispensável uma mentalidade legislativa adequada às rigorosas directivas e normas comunitárias através da regulamentação da Lei Quadro de Defesa do Consumidor (Lei n.º 29/81, de 22 de Agosto), aprovada por unanimidade nesta Câmara.
Por outro lado, revela-se indispensável uma maior cooperação entre todas as entidades com responsabilidades na protecção do consumidor ao nível da Administração Pública e envolvendo estruturas de inspecção, laboratórios e investigação.
Aqui ressaltam as competências do Instituto Nacional da Defesa do Consumidor, na sensibilização da comunicação social, no apoio às organizações de consumidores, na transferência gradual para as autarquias de certas funções informativas e formativas do consumidor e na adaptação da legislação ao direito comunitário.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não se pode dizer que a qualidade de vida de um pais é sempre directamente proporcional ao seu arsenal bélico sofisticado, ao número de automóveis de luxo, à quantidade de zonas industriais, às modas do pronto-a-vestir, à diversidade de marcas e modelos de um produto x, ao impacte da publicidade, ao sensacionalismo da notícia, ao exotismo do prazer e da diversão feita mulher.
Mas uma coisa é certa: a qualidade de vida de um pais é sempre directamente proporcional às políticas de efectiva defesa do consumidor e melhoria física, química e biológica do meio ambiente onde esse consumidor está inserido e de onde retira os factores vitais da existência.
São, pois, de apoiar e incentivar todas as manifestações e comemorações, se sérias, de índole ambiental que tenham como única preocupação chamar a atenção para as disfunções ambientais. Neste contexto, o Dia da Árvore e o Ano Europeu do Ambiente merecem especial atenção.