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9 DE NOVEMBRO DE 1988 253

Essa distribuição a favor dos mais ricos tem estado a ser feita por três vias: 1.º, através das condições escandalosas em que tem funcionado a Bolsa; 2.º, através da política de rendimentos; 3.º, através da política fiscal.
Vou comentar cada uma destas três vias, começando por abordar a questão da Bolsa. Como todos bem sabemos, muitos pequenos e médios, aforradores, perderam na Bolsa dezenas de milhões de contos, que foram engrossar a riqueza de uma escassas dúzias de intervenientes do mercado de capitais que melhor o souberam manipular. Isso aconteceu, porque o Governo tratou de estimular as actividades da Bolsa com isenções fiscais, que todos nós pagámos sem ao mesmo tempo cuidar de introduzir regras, semelhantes às que se encontram noutros países, destinadas a proteger os pequenos aforradores contra os múltiplos abusos que entre nós têm sido observados. Sabemos que nas Bolsas de alguns países tem Havido escândalos que levaram à prisão de alguns operadores que nelas actuaram fraudulentamente. Se entre nós se tivessem aplicado regras semelhantes, o número de prisões teria sido por certo, surpreendente. Muitos dos que graças às operações de Bolsa, se tornaram milionários, ou ficaram ainda mais milionários, estariam agora em descanso obrigatório. Tem-se dito, por vezes, que uma Bolsa é como um Casino. Mas, se esta afirmação for feita em relação à bolsa portuguesa, teremos de acrescentar que as roletas estão viciadas.
Em nenhuma das bolsas de países em que o mercado de capitais está muito bem organizado houve subidas de cotações tão espectaculares e quedas de cotações tão desastrosas como entre nós. O Governo procura periodicamente instalar confiança quanto ao futuro da Bolsa, e tem dado alguns retoques no seu modo de funcionamento, mas ainda nada fez para corrigir os seus vícios fundamentais.
Não há, por exemplo, quaisquer penalidades para práticas que noutros países são consideradas crimes passíveis de prisão, como as do insider trading ou da realização de operações de bolsa por correctores e outros agentes segundo uma sequência diferente da das ordens recebidas.
Os aforradores incautos que não tenham aprendido ou eventualmente esquecido a lição, com o desastre de Outono de 1987, continuam expostos aos mesmos riscos de virem a ser espoliados.
Passo agora à redistribuição negativa do rendimento pela via da política salarial. Os acordos de concertação social, orientados no sentido de introduzir harmonia e moderação no crescimento dos salários e dos preços são um instrumento precioso de regulação macroeconómica. Foi graças a esses acordos que o Governo teve possibilidade de aproveitar as condições externas extraordinariamente favoráveis para conseguir baixar a taxa de inflação. Só que o Governo não proeurou apenas baixar a inflação, proeurou também reduzir a parte dos salários no rendimento nacional e aumentar a parte do capital. Esse é um objectivo claramente confessado no PCEDED. E, pelos vistos, o Governo tem obtido êxito na concretização desse objectivo A proporção dos salários em relação ao produto interno bruto e ao custo dos factores baixou de 41,7% em 1985 para 40,7% em 1987 e em 1988,' pelo que já se sabe, baixará ainda mais. O Governo apresenta a subida dos salários reais como um dos benefícios da sua política. Mas o que aconteceu foi que o aumento
desses salários foi significativamente inferior ao que teria sido possível em face da melhoria da produtividade. É verdade que o bolo do rendimento nacional é hoje maior, mas não é menos verdade que o quinhão dos rendimentos do trabalho aumentou bastante menos do que o dos rendimentos do capital.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Para obter estes resultados, o Governo proeurou viciar os acordos da concertação social de duas formas: por um lado, insistindo em metas de inflação não realistas, como foi o caso designadamente da meta de 6 a 6,5% fixada para 1988; por outro lado, não projectando adequadamente os ganhos da produtividade.
Os resultados dessa política estão bem evidenciados no que sucedeu aos funcionários públicos no corrente ano. O aumento da produção e da produtividade teriam permitido uma melhoria média do poder aquisitivo dos salários de 3%. Os funcionários públicos que, tal como os outros trabalhadores, deverão a médio prazo participar nos acréscimos da produtividade, verão o seu salário real cair, pelo menos 2% mesmo que, com muito boa vontade se admita, que a utilização de certificados de aforro é uma modalidade aceitável para se efectuar o pagamento do suplemento de salários de 1,5% já anunciado pelo Governo.
O exemplo dos funcionários públicos é o mais conhecido mas não é o único. Muitos outros trabalhadores sofrerão quedas dos seus salários reais em 1988, e poucos serão aqueles que o aumento desses salários se aproximam da taxa de 3%, que seria de esperar em face do aumento da produtividade. Com esta transferência de rendimentos dos trabalhadores para ganhos de capital, não temos de nos admirar com a explosão de consumos sumptuários e a exibição do novo riquismo que estão a dominar a nossa vida social.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Finalmente, e contrariando a expectativa criada, a introdução do imposto único sobre os rendimentos vai ser mais um processo poderoso para beneficiar os mais ricos, à custa dos trabalhadores e da classe média. Não vou, de novo, trazer os problemas, que já aqui debatemos a semana passada, criados pelo duplo pagamento , em 1989 do imposto complementar e do novo imposto sobre rendimentos, mas a esse respeito começa a constituir um verdadeiro atentado contra a democracia que a opinião pública não tenha tido possibilidades adequadas de ser correctamente informada sobre as posições da oposição e esteja a ser constantemente exposta, diria mesmo submetida, à propaganda do Governo nesta matéria, como sucedeu pelo menos duas vezes, a semana passada, através de declaração na TV do Sr. Primeiro-Ministro e do Sr. Secretario de Estado dos Assuntos Fiscais. Para além da inaceitável dupla carga fiscal que muitos contribuintes vão ter de suportar em 1989, é ainda mais grave que a nova reforma fiscal consagre um sistema regressivo, em que os rendimentos dos milionários são menos tributados que os rendimentos dos trabalhadores e da classe média. É por isso mesmo que em nosso entender, no entender do PRD a reforma fiscal é inconstitucional. O imposto sobre o rendimento das pessoas singulares não é único, nem é progressivo, ao contrário do que exige o artigo 107.º da Constituição da República Portuguesa.
Não é único porque estabelece regimes diferentes para os rendimentos de trabalho e para os rendimentos de capital.