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16 DE NOVEMBRO DE 1988 339

Por isso mesmo a forma do ilícito de mera ordenação social se situa para alguns na zona dum direito administrativo penal, com fonte de legitimidade, mormente nos bens jurídicos em causa, bem diversa daquela que fundamenta o Direito Penal, embora recebendo deste toda a construção dogmática do crime e das suas consequências jurídicas.
Na verdade, não estamos aqui perante valores éticos fundamentais cuja violação merece a, reacção organizada da comunidade através da penalização dos comportamentos desviantes, mas tão somente perante violação de bens jurídicos próprios da «administração conformadora» de políticas sociais e económicas.
Oriunda em primeira linha da doutrina germânica onde desde os princípios do século foi objecto, de extensa teorização, só no entanto no pós-guerra, e sobretudo no campo do direito penal económico, veio a ter a consagração legal em 1952 na lei sobre as contra-ordena «Gesetz ueber Ordnungswidrigkeiten» directamente influenciada pela doutrina desenvolvida pró Eb.-Schmidt.
Ela aparece naturalmente ligada à consagração na Constituição de Bonn do Estado Social de Direito e a todo o movimento legislativo em torno da intervenção do Estado na economia e na sociedade.
Também entre nós, e embora o pensamento jurídico penal desde há muito, sobretudo a partir da distinção entre crime e contravenção viesse discorrendo sobre os vários graus de ilícito penal, só com a influência da escola germânica do direito criminal e com a recepção entre nós do movimento de descriminalização foi possível enveredar decididamente pela via dá autonomização do ilícito de mera ordenação social.
Também ao nível constitucional, na decorrência lógica da consagração do Estado de Direito Democrático e das suas respectivas funções (artigo 9.º da Constituição) veio a ser consagrado constitucionalmente o ilícito de mera ordenação social (artigo 168.º, n.º 1, alínea d) e artigo 282.º, n.º 3) com atribuição à Assembleia da República de competência exclusiva no que respeita ao regime geral do ilícito de mera ordenação social e do respectivo processo (referida alínea d) do n.º 1 do artigo 168.º).
Daí, e porque o Governo pretende introduzir alterações diversas na lei-quadro já referida a presente proposta de lei de autorização legislativa.
A primeira nota a reter quanto ao pedido de autorização legislativa é a da exiguidade da fundamentação apresentada (quando o é) e a de que não evidenciar com clareza o objecto, sentido e extensão da autorização que se pretende. '
Trata-se duma matéria melindrosa, situada em pleno nos poderes das assembleias representativas e com dignidade idêntica à dos direitos, liberdades e garantias e à da definição dos crimes, penas e medidas de segurança.
Não é, a nosso ver, com a ligeireza com o que faz o Governo, que tal problemática poderá ser encarada.
Se em relação a alguns aspectos da proposta de lei, eles se encontram definidas em termos de poder a Assembleia da República compreender o alcance do que se pretende, noutros não existe da parte do Governo a menor indicação sobre o sentido que pretende com a lei de autorização legislativa que solicita seja aprovada.
Assim, se é claro o sentido das alíneas d), e) e J) do artigo 2.º da proposta de lei, já quanto às restantes alíneas a obscuridade quanto às intenções do Governo é total.
E se concordarmos, em principio, com o sentido da autorização no que respeita àquelas alíneas, ou seja, com o necessário alargamento do prazo de recurso com a modificação das regras de competência dos tribunais para conhecimento dos recursos e com a possibilidade do. pagamento voluntário das coimas aplicáveis, teremos em relação às demais alíneas que nos limitar a deixar questões que, necessitam de resposta clara do Governo, muito para além das generalidades confusas constantes da exposição de motivos e da redacção por demais geral dada ao artigo 2.º da proposta de lei. i Na verdade pergunta-se: até, onde pretende ir o Governo ao alterar o montante máximo e mínimo das coimas?
Pretenderá alterar igualmente os critérios de determinação da coima?
O que se pretende quanto à determinação da competência para aplicação das coimas? Será alterar a competência territorial? A competência por conexão?
Mais grave ainda é a matéria das sanções acessórias, designadamente daquelas que se encontram na fronteira de verdadeiras penalidades como é o caso da interdição de exercício da profissão ou a privação do direito de participar em feiras ou mercados. Como diz Figueiredo Dias, nas Jornadas de Direito Criminal «a natureza destas sanções se aproxima sensivelmente da das sanções criminais, quando ela se não confunde» e mais adiante «com a agravante de aplicação de tais sanções acessórias se não encontrar subordinada ao princípio da subsidiariedade».
Quais as intenções do Governo nesta matéria? Como se deve entender o seu desiderato de «criar novas sanções acessórias e modificar o regime das já existentes»? Tudo obscuridades em matérias que com elas não se compadecem.
Finalmente, refere o Governo genericamente a necessidade de adaptação da lei vigente, ao novo Código de Processo Penal e Lei Orgânica dos Tribunais.
Mas de que modo? Em que termos? É evidente que deverão, substituir-se referências, como a de «processo de transgressão» e casos idênticos. Mas será só disso que se trata?
Tendo em conta a especificidade do processo judicial no quadro do ilícito de mera ordenação social, será que se pretende fazê-lo equivaler às formas de processo mais simplificadas do Processo Penal? Ou mante-lo como está com a sua. especificidade justificada pela natureza especial do ilícito e da correspondente sanção?
Poderíamos continuar a perguntar. Mas preferimos agora terminar as perguntas por uma pergunta bem simples ao Governo. Porque não retira este pedido e não apresenta à Assembleia algo de mais cuidadoso, capaz de evitar as perguntas para que, naturalmente, o Governo nem sequer resposta ainda tem?
Não se tratai na verdade de matéria compatível com a ligeireza com que o Governo a encara, na tentativa de obter da Assembleia da República um cheque em branco para introduzir alterações na lei base do ilícito de mera ordenação social.
Daremos, naturalmente, o nosso contributo às necessárias reformas a introduzir - já o deixámos claro em relação a alguns dos aspectos da proposta de lei. Não nos peçam, no entanto, colaboração para confucionismo, indefinição e falta de clareza.
Dedique o Governo um pouco mais de atenção ao problema e volte com jogo aberto para que o trabalho saia escorreito.