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16 DE FEVEREIRO DE 1989 1393

O Orador: - E fazemo-lo com tanta maior convicção quanto é certo que, no passado, o PS já manteve e já modificou posições originárias na decorrência de veto presidencial. Sempre com abertura de espírito e sentido das responsabilidades. Sempre com total consideração pelo papel institucional do Presidente da República e valorização política dos fundamentos expressos nas mensagens dirigidas ao Parlamento.
Atento, uma vez mais, às posições do Sr. Presidente da República, o PS regista a preocupação expressa pelo facto de uma matéria de direito eleitoral, atinente, por natureza, aos próprios fundamentos do regime democrático, não ter logrado um grau de consensualização suficiente de modo a constituir-se como factor de coesão das instituições democráticas em lugar de dissensão na comunidade política.
O PS regista a preocupação do Sr. Presidente da República e com ela vivamente se congratula.

O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!

O Orador: - Por ser entendimento dos socialistas - e acharem os socialistas que deveria ser entendimento de todos os democratas - a valorização do consenso em todos os domínios estruturantes do Estado democrático. Por ser certo depender a dignidade das instituições, o prestígio dos seus titulares e a eficácia dos seus órgãos do grau de aceitação dos destinatários das suas injunções. Por ser evidente não ter o PSD sabido revelar, em matéria de tanta delicadeza, pela afectação que implica no estatuto da cidadania activa e, portanto, na dimensão da comunidade política, um verdadeiro sentido de Estado, uma verdadeira responsabilidade de Governo.
Com efeito, o percurso pleno de contradições e obscuridades, trilhado pelo PSD ao longo do presente processo legislativo, se de algo tem sido revelador, é de um mal disfarçado propósito de fazer das instituições do Estado trofeus de partilha do partido maioritário, exclusivamente destinados a perpetuar condições hegemónicas de poder.
As democracias vivem, sem dúvida, da vontade do eleitorado. Mas tendem a sossobrar, sempre que o clientelismo eleitoral se arroga no direito de manipular os princípios e as regras que condicionam e regulam a expressão da vontade popular.
É por isso que as constituições se rodeiam das maiores cautelas na definição dos princípios e regras de direito eleitoral, constituindo normas muitas delas, com a natureza de autênticos direitos e garantias fundamentais. Como, evidentemente, sucede na ordem jurídico-constitucional portuguesa, a qual preserva condições de liberdade, de igualdade, de não discriminação e de eficácia de fiscalização em todo e qualquer processo eleitoral.
O PSD, porém, optou por legislar de costas voltadas para os princípios constitucionais de direito eleitoral, desprezando-os tanto como aos argumentos de quem - como o PS - insistentemente lhe recomendava bom senso no domínio político e responsabilidade no plano institucional.
O resultado estava à vista de todos. Só não se afigurou visível à cegueira do PSD, cuja insensibilidade a valores essenciais de protecção do regime democrático lhe permite apreciar como factores de somenos importância justamente os que se traduzem em garantia de genuinidade e autenticidade dos actos eleitorais.
São conhecidas as motivações invocadas pelo PSD e o seu propósito de superar o que qualifica como uma divisão entre «portugueses de primeira» - os cidadãos portugueses com direito a voto - e «portugueses de segunda» - os cidadãos portugueses sem capacidade eleitoral. O que estaria em causa - dizia-se - era uma decisiva opção pela «identidade de Portugal, de todos os portugueses que constituem a pátria portuguesa, quer vivam na Europa quer noutra qualquer parte do mundo».
Repare-se, porém, no erro de partida. Associando a identidade da pátria à universalidade da nação e esta à extensão, sem reserva, do direito de sufrágio, o que o PSD pretende, afinal, é pura e simplesmente refundar o País e o Estado, na medida em que com projecção em todos os órgãos representativos pretende refundar, por inteiro, a comunidade política e seu corpo eleitoral.
É verdade que a solução final patenteada no decreto veio subordinar a atribuição do direito de sufrágio aos portugueses residentes fora da Europa à condição do seu nascimento em território nacional. Mas então na lógica do PSD, de acordo com os princípios sustentados pelo PSD, a solução que escolheu só pode ser tida como uma solução chocante na medida em que dissolve os princípios que defende no contraditório das soluções que adopta e vem confirmar, pela sua própria mão, a tese discriminatória de que há, afinal, «portugueses de primeira» e «portugueses de segunda» e admitir a conclusão de que a pátria portuguesa estaria de se exprimir na grandeza de uma identidade nacional acima das fronteiras e dos continentes.
Não vale a pena enfatizar - tão evidente ela é - a nostalgia de império que tal pensamento revela. Mas vale a pena sublinhar que a nação, enquanto unidade de história e de cultura não se confunde necessariamente com o povo enquanto realidade social e realidade jurídica de uma comunidade politicamente organizada em Estado. É por isso que uma nação pode existir antes do Estado ou subsistir para além do Estado. E é por isso, identicamente, que um Estado, para existir, carece de um território no âmbito do qual exerça senhorio, soberania, condição de eficácia de uma ordem jurídica e, portanto, de uma independência nacional.

O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!

O Orador: - Ora o que o PSD não pode fazer é prosseguir uma nostalgia imperial e com ela comprometer a independência do Estado português, república soberana assente na vontade do povo organizado em comunidade política cuja, sede territorial é inexorável limite de eficácia das suas leis.
Na verdade, pergunto: como é possível sustentar o alargamento da capacidade eleitoral e, portanto, da extensão do povo como sede do poder político e do poder soberano para limites que se não adequam, minimamente, com a possibilidade de o Estado garantir as exigências que a comunidade política instituiu como fundamentais para preservar a natureza democrática do regime?
A pergunta não tem resposta positiva à luz do princípio democrático. E por isso digo que as posições do PSD se revelam, nesta matéria, suspeitas de um populismo demagógico de compatibilidade muito duvidosa com valores fundamentais da democracia.