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27 DE ABRIL DE 1989 3329

Mas estamos ainda a tempo de introduzir no artigo 36.º o direito de os que vivem em união livre fruírem os princípios de igualdade e de liberdade constitucionalmente consagrados.
A lei não pode impor modelos de vida, tem que regulamentar os modelos de vida escolhidos pelos cidadãos.
Em suma, trata-se do direito à felicidade entendido como direito político no sentido genuíno da polis.
Com a explícita constitucionalização da união de facto, a nossa lei fundamental enriquece-se com a dimensão humanista de assumir a vida no que ela tem de mais exaltante e respeitável: a sacralidade da força do amor que é a fonte profunda do direito de dois seres enlaçarem as suas vidas numa união livre.
Ora este momento parece-me apropriado a que eu enriqueça a minha argumentação a favor da constitucionalização da união de facto com um nobilíssimo e maravilhoso exemplo que ao ser por mim invocado encerra uma homenagem que presto àquele que foi um farol a iluminar o nascimento do PSD e a guiar o seu percurso durante um tempo que mais florescente lhe foi. Refiro-me a Sá Carneiro e ao homenageá-lo dirijo implicitamente um apelo ao PSD.
A união de facto foi legitimada moralmente em Portugal pelo corajoso e altíssimo exemplo desse Primeiro-Ministro e líder do PSD que, desafiando carcomidos preconceitos deles triunfou, impondo-lhes a razão mais forte de um união ungida pelo amor.
Desse exemplo se deve orgulhar o PSD que respeitando-o com ele se colocou na linha da frente das opções libertadoras e em conformidade com esse orgulho dar-lhe consagração normativa na lei fundamental.
Esta homenagem deve o PSD ao seu líder histórico que impondo à razão do Estado a lei mais forte da razão do amor foi nisso admirado e louvado pelos portugueses deste nosso país dos amores imorredouros de Pedro e Inês.

Aplausos do PRD, do PS, do PCP, de Os Verdes e do Deputado Independente João Corregedor da Fonseca.

O Sr. Presidente: - Estão inscritos, por ordem, os Srs. Deputados Assunção Esteves, Herculano Pombo e Narana Coissoró.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Assunção Esteves.
Entretanto, reassumiu a presidência, o Sr. Vice-Presidente, José Manuel Maria.

A Sr.ª Assunção Esteves (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não me parece que o único destinatário das conjecturas e da intervenção da Sr.ª Deputada Natália Correia possa ser o Partido Social-Democrata. É que sobre a união de facto, a não ser a de Os Verdes, não há mais nenhuma proposta de alteração à Constituição por parte de qualquer outro partido.
Desejaria, porém, pronunciar-me sobre todas as propostas de alteração ao artigo 36.º, mas, deixando isso para depois, passarei, de imediato, ao problema da união de facto, que acaba de ser referido pela Sr.ª Natália Correia.
É entendimento claro que a Constituição com o texto que tem, no âmbito do artigo 36.º, não contém nenhum fechamento à possibilidade de, em sede de lei ordinária, contemplar a união de facto e protegê-la em determinadas situações.
Foi à sombra do artigo 36.º, na redacção que tem, que o Código Civil, quando foi revisto, protegeu a união de facto em matéria sucessória, atribuindo a possibilidade de o companheiro sobrevivo receber alimentos da herança do companheiro falecido.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Isso não é matéria sucessória!

A Oradora: - Só que o Código Civil, nessa matéria, delimitava, claramente, que a união de facto deveria consistir numa relação à qual correspondesse uma durabilidade mínima de dois anos, isto é, o legislador do Código Civil determinava a situação fáctica que havia de ser protegida por via da lei.
O problema que se levanta em sede de Constituição é este: a união de facto, como o próprio termo diz, é uma situação fáctica, de contornos espontâneos, e sem uma cobertura jurídica formal. E o problema da sua protecção implica, antes de mais, a necessidade de determinar o facto protegido. Essa determinação contém a necessidade também de moldar em termos de pormenor a mesma, no sentido de que a lei a venha a proteger com carácter determinado e seguro.
A determinação da união de facto a nível constitucional, no sentido em que é proposto por Os Verdes, levanta vários problemas. O primeiro é o da própria definição legal da união de facto no sentido em que, por exemplo, já faz o Código Civil. E a proposta de Os Verdes não avança nenhum indício para a definição da união de facto. A união de facto é a união de duas pessoas que vivem há cinco dias, é a união de duas pessoas que vivem há dois anos ou é a união de duas pessoas que vivem há, apenas, um ano? Se esta disposição fosse aqui inserta, a mais elementar regra do direito levaria a que se inconstitucionalizasse, de imediato, o requisito dos dois anos assinalado pelo Código Civil em matéria de protecção sucessória do companheiro sobrevivo em caso de morte do outro.
Nesse sentido, parece que teríamos aqui um problema imediato: a repercussão no âmbito de uma disposição protectora do Código Civil. Mas o que é fundamental realçar neste plano é que a Constituição não tem, primeiro, dado o capítulo em que estamos a trabalhar, que é o dos Direitos, Liberdades e Garantias, e dada a maximização de liberdade de que, no fundo, vêm eivados todos os preceitos da Constituição neste capítulo, a Constituição não tem - dizia -, nem implica, nenhum fechamento à protecção da união de facto em quaisquer momentos da ordem jurídica e em quaisquer situações que ponderadamente venham a ser julgadas dignas de protecção pelo legislador ordinário. Não os impede, nomeadamente, nas circunstâncias que o Srs. Deputados de Os Verdes apontam na sua proposta de alteração, como sejam, a segurança social e o arrendamento urbano. Há uma abertura constitucional a estas protecções e a mais protecções da união de facto.
Não há, da parte do PSD - e devo dizê-lo claramente - nenhum problema em considerar a protecção da união de facto. Mas em sede constitucional, dado o carácter espontâneo de contornos jurídico for mais indefinidos da própria situação a proteger, não pode o legislador constitucional passar de imediato à consagração de uma fórmula tão ampla e fluida como a que Os Verdes aqui apresentam.