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3334 I SÉRIE - NÚMERO 70

coisa será também, Sr.ª Deputada Natália Correia, a contradição nos próprios termos que será querer, pela via da Constituição, transformar uma união de facto, indefinida necessariamente - pois isso é próprio da sua natureza - em relação constitucionalizada ao mais alto nível.
O que nós exigimos é que se protejam os efeitos merecedores também do nosso respeito, dessas uniões de facto e não aceitamos outra posição. Esta é claramente a nossa posição.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PCP, já na anterior sessão fez uma intervenção sobre esta matéria. No entanto, dado o que se passou hoje no debate, gostaria de deixar clara a nossa posição relativamente à questão das uniões de facto. £ que a proposta de Os Verdes corresponde, no fundamental, a um projecto de lei que o PCP tem pendente na Comissão de Direitos, Liberdades e Garantias em relação às uniões de facto, relativamente à questão da segurança social e, consequentemente, estamos de acordo com o teor desta proposta.
A Sr.ª Deputada Assunção Esteves referiu que as críticas que tinham sido dirigidas pela Sr.ª Deputada Natália Correia ao PSD se alargavam a outros partidos que não tinham apresentado quaisquer propostas. Efectivamente, nós consideramos que o conceito de família está plasmado na Constituição, não só neste artigo 67.º, que é um conceito que não está fechado às uniões de facto e que nada autoriza a exclusão das uniões de facto do conceito de família previsto no n.º 1 do artigo 36.º Gostaríamos que isso ficasse claro e, aliás, muitas das decisões dos tribunais vão neste sentido em relação às uniões de facto.
O conceito da união de facto não é o único - e conheço o do artigo 2020.º do Código Civil e também o conceito da lei do aumento das rendas, que já é um conceito diferente -, no entanto, se entendermos que (e era isto que gostaríamos de dizer) o n.º 1 do artigo 36.º não exclui a união de facto e não autoriza discriminação em relação à mesma, parece-nos também que, em matéria de legislação ordinária, o legislador se ficou por muito aquém daquilo que devia realmente prever em matéria de uniões de facto, que são uma família e que estão efectivamente radicadas no nosso país, como aliás em todos os outros. O casamento não existiu sempre, e se fizermos até uma investigação por obras literárias de autores nossos, encontraremos, por exemplo, em Gil Vicente, a questão da união de facto que é o casamento perante os judeus casamenteiros e encontraremos em juristas - para ir também de encontro ao que disse a Sr.ª Deputada Natália Correia - o estudo desse sistema de casamento que era o casamento per - palavras-presentes, que não sendo o casamento-benção, sempre foi considerado na sociedade portuguesa e sempre teve efeitos perante a legislação civil.
Neste sentido, o que se passa a nível de Código Civil da legislação ordinária é muito pouco e não é em matéria de direito sucessório - ao contrário do que disse a Sr.ª Deputada Assunção Esteves - que as uniões de facto têm protecção, mas efectivamente, em matéria alimentar, que é uma coisa diferente pois, em matéria de direito sucessório, a protecção em relação às uniões de facto é, infelizmente, zero! Esperamos, portanto, que nesta matéria, havendo projectos pendentes na Assembleia sobre ela, aquando do debate, o PSD se lembre das palavras que a Sr.ª Deputada Assunção Esteves hoje disse nesta Câmara e não vá inutilizar a protecção jurídica das uniões de facto, que, aliás, é uma preocupação a nível da Europa, uma vez que há bastante documentação produzida pelo Conselho da Europa sobre o problema das uniões de facto. Consequentemente, era para essa realidade, ou seja, para a necessidade de se avançar que nós aproveitaríamos este momento para chamar à atenção da Câmara.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não gostaria de ficar em silêncio perante um problema a que confiro bastante importância, não tanto pelos casos notáveis chamados à colação pela Sr.ª Deputada Natália Correia, mas pela frequência com que na sociedade portuguesa existem, de facto, casamentos não legalizados à luz do direito civil ou à luz do direito canónico. É um facto que não poderemos desconhecer, como o demonstrámos aqui, na altura própria, quando defendemos que, sendo embora contra o aborto, não poderíamos desconhecer o facto social consistente no aborto.
Penso que é bom que se ponha paixão nas coisas, mas que também alguma serenidade faz por vezes falta e que não precisaremos desta inovação constitucional para que a Constituição esteja aberta à protecção legal das uniões de facto. Quando o n.º 1 do artigo 36.º diz que todos têm direito de constituir família e de contrair casamento, é óbvio que não considera o casamento a única fonte da família e, implicitamente, a Constituição admite que há família que não tem por origem o casamento.
É claro que, tradicionalmente - como se sabe - havia o casamento de facto, e isso vem do direito romano. Havia três formas de casamento: a confarreatio que, como é evidente, não tem nada que ver com farra; a coemptio e o usus, que era o casamento pelo costume, consuetudinário. E nós, tradicionalmente, tínhamos uma expressão curiosíssima, os casamentos «conhuçudos»; eles não existiam para a lei nem para a Igreja, mas eram conhecidos. E eram conhecidos porquê? Porque duas pessoas viviam com carácter de estabilidade, de perdurabilidade, e esses dois requisitos teriam sempre que ser exigidos em qualquer circunstância. Não é porque duas pessoas resolveram passar um fim-de-semana na Costa da Caparica como marido e mulher e dormiram juntos que vão ter a protecção da lei. Mas se, ao fim de alguns anos, viveram como marido e mulher, por que não dar algum relevo jurídico a essa união de facto?
Quando eu era ministro da Justiça e tive o encargo nada fácil de rever o Código Civil, em resultado da Constituição de 1976, lá nos agarramos a este «e», que parece uma copulativa, mas é uma disjuntiva, pois refere-se ao direito de constituir família e contrair casamento.