O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

27 DE ABRIL DE 1989 3335

Ora, nessa altura propus e defendi junto de pessoas insuspeitas - como a Professora Magalhães Colaço, o falecido e saudoso Castro Mendes, insuspeitíssimo de não ser adepto do casamento como um sacramento, o Pereira Coelho, essa alma lavada de que me recordo com tanta saudade, a actual ministra da Saúde, enfim, junto de gente boa, perfeita - que tinha chegado a altura, que era correcto, reconhecer alguma relevância ao casamento de facto, às uniões de facto. E até pusemos, numa versão originária do projecto, «efeitos em matéria de alimentos» e «efeitos em matéria de herança».
A proposta fez carreira e na fase final, quando entendi que devia ter algum diálogo com as autoridades eclesiásticas deste país, consegui compreensão para o direito aos alimentos, que ficou consagrado sem nenhuma resistência, mas não consegui compreensão para a herança.
Então, dei o exemplo de uma senhora - embora não haja que distinguir a senhora do cavalheiro, o marido da esposa - que vive 30 anos com um determinado sujeito, que inclusivamente tem filhos dele, que lhe sacrificou a sua mocidade, a sua beleza, trabalhou para ele, curou-lhe as feridas, deu-lhe o chá, calçou-lhe os chinelos, etc, e depois, ao fim desse tempo, vem um sobrinho do Brasil herdar a fortuna. Então, aquela senhora - que também pode ser um homem, se se tratar de uma «fidalga» que tenha um «cavaleiro andante» que lhe traz o livro e lhe faz o chá, hoje em dia não há grandes distinções... - fica na miséria? Vem o sobrinho do Brasil e leva tudo e aquela pobre alma fica na miséria? Bem, já tem o direito aos alimentos,... se houver miséria pelo menos já tem o direito aos alimentos!
É evidente que esta ideia está a fazer o seu caminho. Aliás, parece-me que ela já tem algum relevo em matéria de habitação...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Tem, na Lei das Rendas!

O Orador: - Mas devo dizer que o Estado é muito culpado da prosperidade das uniões de facto, do número das uniões de facto. Há estímulos legais às uniões de facto! Se lermos as leis do Ministro Cadilhe ou dos ministros das Finanças que o precederam encontramos estímulos ao não casamento civil ou religioso para tirar vantagens fiscais ou não ser penalizado fiscalmente.

Vozes do PS: - Muito bem!

Vozes do PCP: - Aí é que está!

O Orador: - Em matéria de direito à habitação aí temos nós também provavelmente, alguns estímulos; em matéria de heranças sei lá o quê! Há vários estímulos na lei ao casamento de facto, não tenhamos ilusões! Portanto, o Estado é responsável e este problema deve ser meditado, reflectido. Não se pode deixar sem algum efeito jurídico, sem alguma protecção, aquele cônjuge de facto que precisa dela. Temos que ter em conta quer o aspecto dos filhos comuns, quer o aspecto da sua duração, quer o aspecto da sua estabilidade, quer às vezes o aspecto de alguma casmurrice de um dos cônjuges que é contra o casamento mas adora a mulher, gosta da companheira, estima-a e era capaz de morrer por ela.
Ora bem, isto leva-me a concluir o quê? Que a proposta apresentada por Os Verdes ainda está «verde» em termos de consagração constitucional. Já vi a reacção do PSD e verifiquei que não vamos ter consagração alguma, mas ouvi aqui coisas que me agradaram muito: mesmo os Srs. Deputados que se pronunciaram contra a constitucionalização deste tipo de protecção mostraram abertura no sentido de que a experiência prossiga no domínio da lei ordinária. E é aí que o fenómeno deve ser encarado.
Um dia destes vamos todos ver o que é que podemos fazer em matéria de percurso desta ideia de protecção das uniões de facto, sem ferir susceptibilidades, mesmo daqueles para quem o casamento é um sacramento, o que é respeitável e ai de mim que não o respeitasse. Para mim, o casamento é um contrato, mas para quem é um sacramento é mesmo, e temos de respeitar essa sensibilidade! Porém, tenho a certeza de que mesmo esses compreenderão que há situações de facto que, pelas suas características de durabilidade, de estabilidade, de semelhança integral com um casamento civil, a que só faltou o papelinho, «a papeleta», o contrato civil, o acto administrativo, como dizia o Eça, também têm direito a alguma protecção da lei civil.
Creio, pois, que o estado de espírito que aqui se gerou no fim desta discussão é muito positivo neste aspecto.
A proposta de Os Verdes está como o partido, tem a cor do partido, está «verde». Aliás, creio que nunca a Constituição deveria especificar o «designadamente no plano disto ou daquilo»; os planos podem ser aqueles que tiverem de ser, na base da justiça.
De qualquer modo, penso que deveria sempre exigir-se um requisito de estabilidade e de durabilidade; a pura equiparação ou analogia não chega, a meu ver - aliás, assim se fez no Código Civil, de que eu fui o inspirador, em que consta a exigência de dois anos mínimos de duração e talvez até nem seja muito tempo para que se ganhe jus a uma protecção.
Creio, portanto, que fica aqui criado ambiente para fazermos um percurso um pouco mais ousado do que até agora no domínio da lei ordinária.
Quanto à questão da consagração constitucional, ficará para outra oportunidade quando o percurso estiver um pouco mais trilhado.
Relativamente à proposta apresentada pelo CDS também não queria deixar de me pronunciar sobre ela.
O CDS não me levará a mal que eu tenha medo que, não tanto quando fala nos efeitos - compreendo a referência aos efeitos e até compreendo que os efeitos possam ser uns quando há filhos e outros quando não os há - mas quando fala nos requisitos... aí mexo-me um bocado por dentro e, na verdade, tenho medo que amanhã se diga «divórcio sim, mas com os filhos muito mais difícil...» e mesmo que apareça um doido que diga «divórcio sim, mas com filhos nem pensar nisso».
Não é esse o vosso propósito, não é isso que está no vosso estado de espírito, mas esta discriminação de que quando há filhos o divórcio é um e quando não os há o divórcio é outro..., enfim, nós sabemos que por vezes na base do divórcio estão razões tão sólidas e tão sérias que não é a existência dos filhos que faz com que essas razões deixem de ser tomadas em conta.