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3948 I SÉRIE - NÚMERO 82

Estou a usar da palavra neste momento e neste debate, com a consciência muito tranquila, admitindo que a minha intervenção é, provavelmente, inútil e ineficaz, porque as coisas já estão decididas, mas não deixo, por dever de consciência, de dizer aqui que não me parece que a solução encontrada pela CERC, seja a melhor, em termos nacionais.
A proposta inicial do Partido Socialista era mais sensata, e era mais sensata até do ponto de vista da direita, porque, amanhã, o problema põe-se ao invés, poderá haver um governo de esquerda que vai à pressa nacionalizar o que a direita desnacionalizou.
Penso que isto é errado e que nós temos que desligar a evolução dum certo sector económico nacional de conjunturas maioritárias no Parlamento.
A segunda questão que eu queria levantar aqui e tenho pena de que o Sr. Deputado João Cravinho a tenha referido de raspão, mas não a tenha aprofundado, é uma questão que eu penso que mereceria um tratamento constitucional. Essa sim é uma mutação da economia portuguesa do pós - 11 de Março.
O 11 de Março trouxe com as nacionalizações uma «nova classe» - eu não posso chamar-lhe classe, porque não é propriamente uma classe dirigente, mas um novo grupo, podemos chamar-lhe assim - o grupo dos gestores públicos, que é um novo grupo social. Esse é um grupo que tem tido um poder muito superior àquele que, em termos constitucionais, podia ter.
Nós dizemos na nossa Constituição o tempo todo que «o poder económico deve estar subordinado ao poder político democrático». Ora, acontece que o poder económico dos gestores públicos, desde o 11 de Março até à data, não tem sido sempre subordinado ao poder político democrático.
Por razões várias, que numa primeira fase tiveram a ver com a instabilidade do próprio poder político democrático, e com a característica espantosa de o poder do gestor público ser um poder extremamente estável, porque os mesmos são sempre os mesmos. Eram os mesmos, que já eram antes do 25 de Abril gestores das empresas privadas mais importantes, passaram a gestor públicos depois do 25 de Abril pela mão dos vários governos e voltarão a gestores públicos ou então voltarão a gestores das empresas privadas, quando se fizerem as privatizações.
«Os mesmos são sempre os mesmos». Vão adquirindo, assim, uma capacidade de informação acerca de determinados sectores da nossa economia que é muito importante, mas da qual não prestam contas a ninguém.
Aqui é que eu penso que uma reflexão sobre as mutações que ocorreram na economia portuguesa e na forma como foi gerido o sector empresarial do Estado, desde o 25 de Abril, deveria ter trazido com mais riqueza à nossa Constituição alguns preceitos, mas lá iremos quando chegarmos ao artigo 90.°, porque é aí que se trata de formas eventuais do controlo ou de participação na gestão pública.
Mas eu tenho pena de que o Sr. Deputado João Cravinho, ao falar em mutações, não tenha trazido para aqui uma que me parece essencial nesta matéria: é que cada vez mais, Sr. Deputado João Cravinho, é que para mim é uma convicção, cada vez mais me interessa saber, não, o que é que o Estado detém, mas sim, quem detém o Estado.
Essa é que é a questão de fundo que nós devíamos discutir aqui. Quem detém o Estado? Quem manda? Quem tem o poder? Como é que nós vamos impedir esse poder de abusar? Como é que nós vamos impedir esse poder de passar as fronteiras do que é legítimo e do que é razoável? Essa é que é a questão de fundo e essa não foi trazida para aqui. Não transparece no artigo 83.°, passa de raspão do artigo 90.° e penso que há uma certa demissão dos deputados com poderes constituintes neste momento em relação a essa questão.
Os gestores públicos são, de facto, uma «espécie» com muito poder no nosso país, e assim deveriam merecer algum tratamento e alguma reflexão, afim de impedirmos os abusos que têm sido cometidos.
Eu termino, Srs. Deputado, dizendo que vou manter a minha proposta, relativamente ao artigo 83.° , no que diz respeito à exigência dos dois terços, e tenho pena que nesta matéria o esforço que foi feito para retirar uma barreira, que eu também acho uma barreira inútil actualmente existente nesta Constituição, não tenha sido utilizado para se encontrar soluções que dessem mais garantias para o futuro.
Não podemos pensar que o actual Governo tem tudo na mão; nós temos é que garantir o futuro dos próximos governos, que poderão ser muitos na vigência desta Constituição.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para pedidos de esclarecimentos os Srs. Deputados Nogueira de Brito, Assunção Esteves, José Magalhães e António Vitorino.
Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.a Deputada Helena Roseta: Não há dúvida de que as soluções de compromisso são as mães de todos os vícios e esta está a engendrar aqui uma teia de contradições verdadeiramente horrível.
Primeiro, foi o Sr. Deputado João Cravinho que justificou demais, revelando depois o que queria. Agora é V. Ex.ª a cair em contradições espantosas.
Desculpe, Sr.a Deputada Helena Roseta, tenho muito respeito pela sua inteligência e pela coragem com que intervém na Assembleia, mas não posso deixar de o salientar.
V. Ex.ª concordou com a argumentação do Sr. Deputado João Cravinho, aplaudiu-a mesmo - expressamente falou nisso. Porém, como é que V. Ex.ª retira essa conclusão? A Sr.ª Deputada reconhece que este sector público é o resultado de uma opção não racional, tomada em determinado momento e que hoje se não justifica - todos o reconhecem -, mas quer mante-lo preso a essa necessidade da maioria de dois terços para desnacionalizar cada empresa.

O Sr. António Vitorino (PS): - Esse «não racional» é excessivo! Falta de conhecimento ontológico...!

O Orador: - Dois terços para cada barbearia, cada tabacaria que está nacionalizada?!

Sr.ª Deputada Helena Roseta, isso é inadmissível! É uma contradição! Essa era a pior das soluções! Era continuarmos agarrados a uma discussão política, de forma a justificar-se, em cada momento, a formação de uma maioria de dois terços para manter o absurdo! É que já todos reconhecemos que é absurdo, que é irracional, que não é eficaz!