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4584 I SÉRIE - NÚMERO 92

Mais ainda do que noutras áreas, a política de educação e o respectivo ministério são talvez os melhores exemplos do que se pode e não pode esperar deste Governo.
Dois anos de executivo maioritário, quatro de Governo de um só partido e quase dez de ocupação ininterrupta de um ministério conferem uma excepcional responsabilidade.
Um ano de discursos, de boas intenções, de compromissos e de promessas aparentemente determinadas aumentam ainda essa responsabilidade, pelas expectativas criadas.
O resultado, hoje visível e chocante, é o de um formidável desperdício que só a imperícia explica, mas não desculpa.
Depois de despertadas as aspirações e estimuladas as esperanças, o ano lectivo de 1988/89 foi o ano de todas as decepções, o ano de todas as frustrações.
Havia algum dinheiro e conhecia-se um diagnóstico adequado. Houve energia e receptividade. Nasceram adesões e entusiasmos. Até a boa vontade das oposições e o benefício da dúvida dos cépticos. Todavia, o balanço que se pode hoje fazer do ano lectivo e, mais do que isso, de meia legislatura cumprida, é triste e deprimente. É um verdadeiro epitáfio. A esse propósito digo-vos que a intervenção do Sr. Ministro da Educação parece um real testamento.
Está lançada a perturbação em todo o sistema educativo. Dezenas e dezenas de milhar de professores, a quase totalidade do corpo docente, estão em luta renhida, tendo já realizado uma das maiores e mais significativas greves de sempre. Greve cuja responsabilidade vai inteira para o Governo e para o ministro da Educação. Greve à qual aderiram centenas ou milhares de professores, eleitores, simpatizantes e até militantes do partido do Governo. Greve que conta com a participação activa de familiares, mulheres, maridos e filhos de dirigentes e deputados do PSD!
Algo de muito importante, de muito mais importante que o dinheiro, foi ferido para que a revolta dos professores tenha hoje esta dimensão. Esse algo tem um nome: a dignidade!

Aplausos do PS.

Será que o Governo acusará também os professores de «privilegiados defensores de interesses corporativos», como já o fez com os advogados, os juizes, os médicos, os trabalhadores empregados e os funcionários públicos?
Será que o ministro, depois de já uma vez ter fugido às suas responsabilidades aquando do debate do Orçamento do Estado, aqui em Plenário, voltará a escapar--se e tentará considerar que os vencimentos dos professores não fazem parte dos seus problemas e são apenas questões de reforma administrativa?
A verdade é que o Governo e o Ministério da Educação diminuíram, humilharam e, finalmente, alienaram os professores. A partir de agora, a reforma educativa, além dos defeitos graves que já tinha, tornou-se numa impossibilidade. Também nisto se verificou que nenhum ministério é uma ilha.
Ultrapassadas as aparências ingénuas, entrado no ciclo de cumplicidade e de mera manutenção, um ministério é o que é o seu Governo, faz o que faz o seu Governo. O falhanço da política educativa é o falhanço
do Governo, o desperdício de excepcionais condições que não se reproduzirão tão cedo.

Aplausos do PS.

Mas vale a pena olhar brevemente para outros aspectos desta política educativa já de má memória.
O financiamento da educação desceu em termos relativos. Na elaboração do Orçamento, o ministério conheceu pesada derrota, que, afinal, foi a derrota dos portugueses.
No debate do Orçamento, o ministro fugiu!... Tentando mostrar autonomia e inconformismo, apenas mostrou fraqueza e obediência. Faltou à palavra dada! Obrigaram-no a faltar à palavra dada...
No seguimento de estranho e delicado processo, demitiu-se o secretário de Estado da Reforma Educativa, sinal inequívoco de mudança de critério e de alteração de valores.
O famoso PRODEP, florão do cenário ministerial, nunca existiu - segundo colegas do próprio Governo, sentados nesta bancada -, como nunca existiu para os deputados, a quem foi negado e sonegado, como nunca existiu para o Conselho Nacional de Educação, a quem também foi recusado por duas vezes.
Õ programa do insucesso escolar, autêntica cruzada contra todos os demónios, redundou em fiasco: a actuação foi pedagogicamente contraproducente; o ministério enganou-se nos cálculos e, por excesso de zelo autista, divulgou-os como se fossem conquistas gloriosas; voluntária ou involuntariamente induziu os portugueses em erro. Quem, por teimosia, não se quer emendar, acaba por enganar os outros.
Neste mesmo programa, novos erros pedagógicos e culturais estão a ser cometidos na segunda fase: temos já conhecimento documentado de pressões exercidas sobre professores no sentido de obterem artificialmente sucesso escolar.
Na tão falada reforma curricular, novos erros de palmatória. Mais uma vez, a fuga às responsabilidades, não sendo o seu plano essencial aprovado por nenhuma entidade politicamente à altura, Governo ou Assembleia. A preparação dos programas segue vias mais ou menos clandestinas, antecipando-se a uma prévia e necessária aprovação política e ao debate parlamentar. Também, mais uma vez, precipitação, para mostrar trabalho feito: os professores não estão preparados para o primeiro ano de experiência. E ainda nova derrota: o início da experiência, a realizar-se ainda este ano, já só se aplicará a parte do universo escolar previsto inicialmente.
No ensino superior, a mesma atitude ministerial de sempre, a tão estranha falta de jeito. Sem orçamentos suficientes, as Universidades não têm hoje meios para chegar ao fim do ano; faltam-lhes quase quatro milhões de contos, tal como já se sabia. O decreto-lei sobre a criação de cursos universitários é ilegal, contraria a Lei de Autonomia e traduz a vontade reinante no ministério e em todo o Governo: esta é a do controlo estatal, a da autoridade indiscutida e a do poder burocrático sobre tudo quanto vive, cria, pensa e quer crescer.
O novo regime de acesso ao Ensino Superior, teimosamente defendido, já discretamente mudado, é injusto, tecnicamente mal preparado, cultural e socialmente selectivo. Criou, por outro lado, injustificadas expectativas: a taxa de admissão de candidatos será este ano das mais baixas de sempre.