1004 I SÉRIE-NÚMERO 27
Governo que o diz -, um simples passo, um ajuste nas negociações sobre a eventual instalação de uma estação de radar em Almodôvar. O que é agora proposto à Assembleia é que esta tome para si essa troca de correspondência, essas cartas de Março de 1984, que dessa forma intervenha em negociações que são da competência do Governo. E que intervenha como? Intervenha para dar um O.k. antecipado? O Governo sabe que não o pode dar, o Governo sabe que tem de trazer depois à Assembleia o acordo de construção e o acordo técnico, pois é o próprio Governo que o diz. Então o que é que o Governo quer? Quer aparecer com a afirmação explícita de que já está vinculado? Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, então isso é uma boa forma de negociar? Chegar à mesa das negociações com a corda ao pescoço - «já não lenho outro remédio, a Assembleia obriga-me a negociar». - é um mau passo, Sr. Ministro.
Ora bem, a explicação disto até é curiosa, porque, eventualmente, ela até se situa em questões muito diferentes da estação de Almodôvar, da «guerra das estrelas» e disso tudo. Estará, certamente, em certos efeitos que alguns políticos, que falharam estrondosamente em 17 de Dezembro, queriam tirar de certas e imaginadas contradições dentro de certos partidos, entre os que assinaram cartas e os que agora não as reconhecem, etc. Pelos vistos nem isso deu para-o efeito,, nem antes do dia 17 de Dezembro, nem vai dar agora.
Entretanto, existe uma outra componente que interessa ver: é que tudo isto revela um estilo autoritário inadmissível, desde logo pela ausência de um debate significativo em torno da questão. O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros nao disse aqui uma palavra sobre o que seria essencial que fosse dito, nem o País sabe nem os habitantes da região de Almodôvar fazem alguma ideia, nem os interessados em geral têm um conhecimento detalhado sobre aquilo que era importante que se Soubesse. Isto é, o que é a estação, qual o sistema em que se integra, quais as suas finalidades concretas no quadro militar, que encargos representa para o País que vulnerabilidades lhe acrescenta, como se compagina com os tratados existentes, incluindo o ABM, e com as negociações de desarmamento em curso, como se enquadra nos conceitos fundamentais de defesa nacional. Sobre isso o Governo não diz nada, impõe urgência e impôs na Comissão de Negócios Estrangeiros um parecer que vai ficar a ilustrar essa Comissão: o parecer das 10 linhas. O Governo impôs o agendamento antes do parecer do Conselho de Defesa Nacional e faltou ao Conselho, tirou-lhe o quórum, dando um espectáculo notável, mas não explicou ao País o que é que isto é. É uma mistificação vir agora dizer aqui que é uma estação passiva; aliás, o ser passivo, como é sabido, nem sempre é sinónimo de inocência. No entanto, nem sequer vou falar disso, pois não é o caso.
Ela é passiva em que sentido? É passiva como são os olhos; os olhos são passivos e, no entanto, se determinado indivíduo não vê, se determinado sistema de forças ou determinado exército não vê, então, está cego e isto quer dizer o quê? Quer dizer que esta. estação, entendida como passiva, é um instrumento poderosíssimo de visão e tem eficácia militar definida e activa no sentido corrente.
Este processo é um grave erro, uma grave cedência, e é importante que isso seja dito. O que é espantoso nesta discussão, nesta postura e decorrido este tempo todo, é que isto venha à baila e seja discutido como se nada se passasse no mundo, como se não houvesse alterações profundíssimas no relacionamento internacional à escala planetária. Aparece aqui uma proposta velha de seis anos como se nada se tivesse, passado entretanto. A autorização para a instalação da estação de rasteio é um erro do Governo que atenta contra os interesses nacionais e contrarias esforços de delimitação e diminuição dos sistemas de armas nos seus diversos aspectos, designadamente, daqueles que estão instalados no território europeu. Ninguém nega a sua ligação ao IDE, não são os interessados que negam a sua ligação à «guerra das estrelas», e ninguém diz que isto tenha só essa função e ninguém nega que esse sistema não seja passível de ser ligado ao conjunto de esforços e de iniciativas que se integram na iniciativa de defesa estratégica.
Começar a década de 90 desta forma, propondo à Assembleia da República que. mergulhemos a fundo, nos novos sistemas de armas até com a presença do Sr.. Secretário de Estado do Ambiente, para dar uma certa graça a esta opção -, é começá-la muito mal, é começá-la contra as correntes mais modernas da evolução da humanidade, contra aquilo que é o património rico da nossa experiência mais recente, nomeadamente na Europa.
Aliás, o Governo como se imputa só às responsabilidades do passado, daqui a pouco cita-nos o D. Afonso Henriques como estando na origem de todo esse sistema. O Governo pode citar quem quiser para trás de si, mas quem é responsável pela apresentação agora deste diploma é o próprio Governo.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado queira terminar, porque tem ainda pedidos de esclarecimento e já não tem qualquer tempo.
O Orador: - Sr. Presidente, depois tratarei de resolver esses pedidos de esclarecimento, mas vou terminar, porque já disse p que era essencial.
Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, já o disse, o essencial é isto: o que estamos agora a debater não é nada, o essencial é o que se vai debater a seguir, aquando das negociações do acordo de construção e do acordo técnico, que tem de vir aqui à Assembleia. Isto que estamos agora a discutir é uma forma de perder tempo e nada acrescenta ao que deveria ser feito. Mas se se quisesse acrescentar alguma coisa,, e em sede de especialidade deverá ser um assunto a considerar, então talvez fosse de acrescentar algumas baias ao Governo sobre a forma como deve ou, não negociar daqui para a frente.
Eu poria algumas baias interessantes para os Srs. Deputados considerarem: proibição das aplicações militares ofensivas ou para fins de iniciativa de defesa estratégica; fiscalização nacional e segurança exclusivamente a cargo das autoridades portuguesas; aplicação integral da legislação portuguesa, designadamente a fiscal, a laboral e a criminal, e competências das autoridades judiciárias e policiais nacionais - isto não é um exagero, pois é só a afirmação de que quem manda em Portugal .são os Portugueses, o que até deve animar o Governo, porque estou a ajudá-lo a impedir de transferir para os Estados Unidos competências que são portuguesas, e, por último, contrapartidas definidas com clareza, sem obrigações de compra -sem essa escandalosa situação de andar a comprar sucata como os A-7 que caem e martirizam a Força Aérea e com evolução positiva garantida.
E aqui na Assembleia da República, que essas questões se devem discutir, mas é bom que também se olhe