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5 DE JANEIRO DE 1990 1007

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, essa figura não é regimental.

A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Sr. Presidente, apelo à imaginação de V. Ex.ª. É preciso um pouco de elasticidade.

O Sr. Presidente: - Faça favor, então, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Realmente, o Sr. Deputado José Lello não percebeu o que eu quis dizer.
Evidentemente que não se trata de estarem apontados contra Portugal, mas referia-me a uma situação de conflito entre duas potências. O Sr. Deputado está a brincar comigo?! Está a fazer-me passar por tola?! Ou então não percebeu o que eu quis dizer! O Sr. Deputado não é tolo, até é encantador, sobretudo desde que rapou o bigode!...

Risos.

Agora, sinceramente, fazer-me passar por tola, isso não!

O Sr. Presidente: - Para responder, se o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado José Lello (sem bigode).

O Sr. José Lello (PS): - Folgo muito que mesmo sem bigode me reconheçam.

Risos.

Gostaria apenas de dizer que, de facto, com a distensão que se verifica nas relações internacionais, com os cortes monumentais que se verificam no orçamento americano, com os acordos START que se prefiguram, tudo isso vale por dizer que, em certa medida, perdeu objectivo o clima de dissuasão, o clima de confrontação latente que se verificava entre as duas super-potências. Mais uma razão para dar conteúdo a este Acordo, na medida em que se não terá, em termos - e até mesmo que o tivesse - de utilização militar, a importância que V. Ex.ª quer conferir-lhe.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O tempo é já escasso, a vossa paciência já é pouca e muito do fundamental que havia a dizer está praticamente dito.
No entanto, não posso deixar, até porque me apetece e por vezes faço o que me apetece, de vos confrontar com um cenário hipotético, é certo, mas um cenário que me apetece pintar aqui, para que mais um episódio deste rocambolesco vaivém opto... opto qualquer coisa - o Sr. Deputado José Lello é que sabe - tenha lugar aqui com o cenário adequado.
Assim, vamos supor que o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, em homenagem à cultura e a propósito, por exemplo, da negociação da cedência de facilidades na ilha das Flores aos Franceses, nos trazia para esta Câmara duas cartas famosas, isto é, apenas uma, com a respectiva resposta, da freira portuguesa Mariana Alcoforado para o seu inflamado amante, membro das hostes napoleónicas que nos invadiram e, portanto, ainda em homenagem à cultura, o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros propusesse a esta digníssima Assembleia que aprovasse essas duas cartas como um acordo. Era uma forma cultural de o fazer, mas ainda assim -convenhamos - ridícula.
E ridículo é aquilo que se está a passar hoje aqui. Propõe-se a esta digníssima Assembleia, na abertura de mais um ano, que aprove duas cartas escritas há cerca de seis anos atrás. É certo que o amor é eterno, o amor é cego, o amor tem destas coisas, mas há seis anos atrás o Sr. Ministro escreveu ao Sr. Embaixador, que, por sua vez, teve a amabilidade de responder, e referiu-se a uma coisa que nessa altura se usava. Hoje, passados seis anos, talvez já não se use e talvez essas cartas não merecessem mais do que figurar num museu dos contactos entre Portugal e os Estados Unidos.
Mas nada se passa assim e o Governo arvorou essas duas cartas em acordo de princípios. Já aqui foi dito que se trata de um precedente cujas consequências são difíceis de antever. Não sabemos se a partir de agora vamos ter todos de escrever cartas uns aos outros para que haja iniciativas legislativas. É bem provável que isso ainda venha a acontecer, é um estilo como outro qualquer, mas o que aqui não foi dito e continua por ser dito é quanto é que Portugal vai ganhar agora por fazer este acordo com os Estados Unidos.
Responder-me-á o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, até porque já o fez noutra ocasião, que não temos nada a ganhar, que se trata de um acordo básico, que existe um acordo com os Estados Unidos, um acordo que é preciso respeitar e que, portanto, tem destas coisas. Mas eu pergunto: suo os Estados Unidos um bom parceiro para acordos? Têm respeitado os acordos anteriores que com eles estabelecemos? Para já não falar da forma com tratam os acordos, como, por exemplo, o acordo sobre o canal do Panamá, que estabelecem com outros povos. Têm respeitado esses acordos? Estão ou não, neste momento, em dívida para com Portugal sobre cláusulas de anteriores acordos, como, por exemplo, o das Lajes?
Convinha que soubéssemos isto. Convinha que soubéssemos mais para além da definição panfletária que o Sr. Ministro aqui deu do equipamento a instalar e que diz que é fácil, que é comercial, que qualquer um controla. Convinha que a Assembleia soubesse quem é que em Portugal, se é que isto vai fazer parte do Acordo, vai de facto controlar aquilo que noctumamente se vai lá passar. Quero acreditar que aquilo trabalha de noite e trabalha na vertical, como garantiu o Sr, Deputado José Lello, mas quero acreditar que aquilo não vai trabalhar como uma discoteca aberta, onde se poderá entrar mediante o pagamento de qualquer importância. Também não quero acreditar nas palavras do Sr. Presidente Saleiro, de Almodôvar, quando diz que «aquilo vai ser uma instalação que vai tirar Almodôvar do marasmo científico em que se encontra, porque vai abrir as portas às crianças das escolas» - Saleiro dixit durante a campanha eleitoral ou antes.
Não quero acreditar nessas coisas!
Gostaria de acreditar que hoje, nesta Câmara, pudéssemos estar a ratificar ou não um acordo entre dois países independentes, livres de fazerem ou não o acordo. Mas o que está hoje aqui são duas cartas que - devo confessar - gramaticalmente estão correctas, não encontrei erros ortográficos. E o que é que eu posso dizer mais sobre essas duas cartas? Que para mim não são bastante como acordo.
O próprio Tribunal Constitucional, como aqui já foi referido, reconheceu que, ao menos, o acordo deveria revestir a forma de decreto, mas o Governo não o quis