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996 I SÉRIE-NÚMERO 27

vincado perfil político, como desejava o Dr. Mola Amaral, ou a uma profunda alteração da imagem global do Executivo, como reivindicavam os «pepedistas» da distrital de Lisboa.

Em vez de qualquer destas opções, o Prof. Aníbal Cavaco Silva decidiu reforçar o seu presidencialismo de primeiro-ministro, recorrendo ao que, com algum rigor, se pode chamar a «remodulação do Governo». Dizem os dicionaristas que a modulação é passagem de um para outro modo ou tonalidade, dentro da mesma harmonia. Com as novas nomeações, o cavaquismo imprime a harmonia tecnocrática, afastando expeditamente o Vice-Primeiro-Ministro e o Ministro da Agricultura, que, de quando em vez, desafinavam o coro com inflexões políticas inesperadas.
Com a saída do engenheiro Eurico de Melo, há poucos meses homologado publicamente pelas gentes do Norte, os portugueses não socialistas perdem um dos seus governantes referenciais. Companheiro de Sá Carneiro, Freitas do Amaral e Adelino Amaro da Costa nas árduas lutas contra o militarismo do MFA e do Conselho da Revolução, um prestigiado general da AD em 1979-1980 contra o eanismo, o estratega da queda do bloco central e do lançamento de Cavaco Silva como líder da direita, e, depois, seu apoiante e conselheiro de todos os dias, face à personalização excessiva do Poder e à desertificação ideológica em que descambou agora o PSD, não lhe restou outra alternativa senão a de regressar para a reserva da República, como, aliás, já fizera antes. Nem sempre o CDS o aplaudiu na sua actuação como Ministro da Defesa, lendo mesmo sido o partido, aqui no hemiciclo, que mais o questionou, tanto na condução da administração das forças armadas como na sua condição de legislador de matérias militares. Contudo, jamais lhe regateou o respeito como homem de Estado e como político de alta envergadura, independentemente da sua Filiação partidária. Desiludido com Cavaco Silva, coloca--se na retaguarda do partido, naturalmente com a solidariedade dos seus amigos e admiradores, preparando-se para a era pós-cavaquista.
O engenheiro Álvaro Barreto nunca foi um prócere do cavaquismo - nem o poderia ter sido. Gestor de alto gabarito, ministro distinto das mais variadas pastas no último decénio, em. todas as posições revelou-se um político sagaz, um negociador hábil e respeitado pelos adversários, com espírito altaneiro e frontal, senhor da sua personalidade multifacetada e brilhante. A ele Portugal fica a dever muitos milhões de contos trazidos da CEE, a posição que o nosso país hoje ocupa no xadrez institucional e político das Comunidades, a defesa intransigente dos nossos interesses face aos concorrentes directos. No plano interno, sem alardes nem ostentações, mas também sem falsas modéstias, desmantelou o poder comunista no Alentejo, demonstrou à evidência como a reforma agrária imposta em 1974 e 1975 não era uma conquista irreversível do Dr. Álvaro Cunhal, liberalizou a política agrícola, como já fizera no comércio e na indústria. Seria com grande satisfação que o CDS o veria agora à frente do Ministério dos Negócios Estrangeiros ou conduzindo um ministério de coordenação dos assuntos europeus, que é urgente criar em Portugal. O seu despedimento punitivo e da forma como foi efectuado, longe de o diminuir, apenas o eleva na teoria dos grandes ministros do regime saído do 25 de Abril.
O cavaquismo revelou a sua natureza e face autênticas de prepotência, de autoritarismo e arrogância,, ao mesmo tempo que exibia o isolamento em, que se atolou com a derrota de 17 de Dezembro. Para o engenheiro Álvaro Barreto vai também a nossa palavra de apreço e de homenagem pelo combate dado às forcas do obscurantismo comunista e à tecnocracia cavaquista.
Cessado agora o impedimento, aguardamos que estes dois ex-ministros regressem ao nosso convívio parlamentar, como deputados que são, para enriquecerem os nossos debates e trabalhos nesta Câmara.
Além da absurda é incompreensível redução resultante destas duas demissões, a mudança publicitada não atinge todos os ministérios obviamente carecidos de reestruturação. Falámos já do Ministério dos Negócios Estrangeiros, e pode apontar-se o tão falado caso do Ministério do Emprego e da Segurança Social, ultimamente transformado em cabo eleitoral, cuja incompetência e ineficácia é hoje patente aos olhos de todos.
Por isso, a mudança é incompleta: não satisfaz o que o eleitorado por duas vezes, em actos eleitorais sucessivos, exigiu do Primeiro-Ministro.
E não é só redutora e incompleta! Como disse o presidente do CDS, Prof. Freitas do Amaral, ela é baça e cinzenta. Com efeito, ao invés de recorrer a personalidades que, a par da competência técnica, tivessem também um significado político de que o Executivo está ião carecido, o Dr. Cavaco Silva limitou-se a escolher os novos ministros, com excepção de Miguel Beleza, na segunda e terceira linhas do seu partido, o que demonstra que o critério foi o de garantir antes a estrita obediência e disciplina à vontade do Primeiro-Ministro, o que funciona como correctivo para a desagregação e contestação internas que neste momento se verificam no PSD.
Em Julho de 1987, na embriagez da vitória, houve quem escrevesse que era preciso transformar p pico em planalto. O PSD do pico de há dois anos encontra-se hoje atirado para um vale cavado. Dividido e dilacerado nas lutas inteslinas, com o seu presidente em completo desnorte, estamos a assistir a uma remodelação que se discute e resolve na praça pública.
Em todos os noticiários, de ontem para hoje, surgem reestruturações, demissões e nomeações feita a granel. O derrotado para a presidência da Câmara do Porto é recompensado como ministro de uma pasta importante, como quem censura o eleitorado pelos resultados de 17 de Dezembro. Cada lobby avança e ganha um lugar no Governo, voltando o PSD à conturbada época do bloco central. De demissão em demissão e de substituição em substituição, ninguém nos garante que não chegará a vez do próprio Primeiro-Ministro, em tempo mais curto do que era legítimo esperar antes das eleições para o Parlamento Europeu. Como vai longe o apelo à estabilidade!

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado José Lello.

O Sr. José Lello (PS): - Sr. Deputado Narana Coissoró, este meu pedido de esclarecimento -: vai perdoar--me - tem algum interesse pessoal. Destina-se, no fundo, a que vejam que sou eu próprio que aqui estou, face à mudança substanciai do meu visual - ano novo, vida nova. E que, depois de ter cortado o bigode, dei-me conta, perante o espelho, de que era um desconhecido, e vou dizer-lhe que quase fugi a sete pés da minha sombra, não fosse esta minha nova imagem de desconhecido fazer, porventura, com que fosse convocado para este governo. Salvei-me porque não me chamo Arlindo...

Risos do PS.