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21 DE MARÇO DE 1990 1927

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está terminado o período antes da ordem do dia

Entramos, agora, no período da ordem do dia e na primeira parte deste temos um relatório da Comissão de Regimento e Mandatos que o Sr. Secretário Reinaldo Gomes vai ler.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - A solicitação do Tribunal Judicial da Comarca de Tomar, a Comissão de Regimento e Mandatos emitiu parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado António Manuel Ferreira Henriques de Oliveira a comparecer naquele tribunal a fim de intervir, como testemunha, num processo ali pendente.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.

Não havendo inscrições, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes Carlos Macedo, Helena Roseta e João Corregedor da Fonseca.

Srs. Deputados passamos à segunda parte do período da ordem do dia com a apreciação do projecto de lei n.º 164/V - Criação do cargo de promotor ecológico, com vista à defesa da vida e do meio ambiente, apresentado pelo Partido Os Verdes.
Tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É outra vez Primavera! Tempo sagrado para semear a vida, uma e outra vez, ritualmente, como quem não desiste. Mesmo quando a terra é dura e a semente pequenina, é a saudade dos frutos que nos impele a fecundar este quotidiano de angústias, na esperança de um dia despertarmos de novo nos «amanhãs que cantam».
Quando, no já distante ano de 1986, concebemos e apresentámos a ideia da criação do promotor ecológico, toda a utopia não passou então de uma pequena mancha de musgo verde no muro das lamentações diárias de uns poucos cidadãos, conscientes já de que a ecologia era possível. Foram os gemidos primeiros de um parto que se afigurava longo, novas revoltas parindo novos direitos, muros velhos onde o musgo verde abriu brechas, enfim, horizontes novos para as utopias de sempre. Sim, Srs. Deputados, a história andou depressa ou os homens a fizeram correr, e hoje a ideia da criação de promotores, provedores e ouvidores espalhou-se tanto como as sementes do girassol que nos anima.
Não é por moda ou por acaso, é que, como alguém disse, «há silêncios que gritam», há vozes que bradam no deserto, há direitos feridos que sangram, há consciências que despertam mais cedo e há promessas que adiam a esperança, há uma surdez instituída e uma apatia que desespera. E porque chegou o tempo de lançar pontes sobre este abismo que separa a escura e suja realidade do brilho ofuscante dos novos direitos reconquistados, a ideia do promotor é hoje santo de muitas e diversas devoções. E entre aqueles que reclamam um provedor para cada grupo de interesses, apostando na pulverização, e os outros que gritam «todo o poder ao Provedor de Justiça», aceitando no plano dos conceitos o que recusam na prática diária, apontamos nós o caminho da criação de um orgão público que, sem prejuízo das atribuições e competências do Provedor de Justiça, possa encarnar a esperança da defesa eficaz do direito universal a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado. Contra ingénuas pulverizações e monolitismos hipócritas afirmamos a modernidade da eficácia, porque a ineficácia é preversão e a justiça tardia é injustiça!
Temos, porém, consciência de que a novidade gera incertezas e não nos oferece reparos a legitimidade de todas as dúvidas até agora suscitadas pela nossa proposta. Eis algumas que tentaremos sossegar: promotor ou provedor? Felizes os que podem pescar nas águas férteis da língua portuguesa e que cada um ponha nome à legítima esperança que acalenta, já que se uns aguardam provimento para suas queixas e requerimentos, outros esperam vir a ser atraídos pelos movimentos promovidos, passe a redundância, por alguém que entendeu ser hora de pôr em marcha as consciências.
E não amputaremos de competências o Provedor de Justiça? Sendo que, para nós, o que está em causa é a justiça e não o provedor dela, que até agora mostrou a implacável serenidade das consciências que acusam, coisa que nem todos lhe perdoam mas que em nós reforça a esperança que nele depositamos e que por isso mesmo nos leva à certeza de que há ideias que funcionam. Neste caso, o promotor ecológico funcionaria como um precioso complemento do Provedor de Justiça, verdadeiro reforço na longa batalha que, corajosamente, vem travando contra os velhos impérios da burocracia e da Administração fechada, lenta e ineficaz.
E criaríamos um promotor para cada grupo específico de interesses: as mulheres, os jovens, os reformados, os militares, as crianças, os porteiros de hotel, o clero, a nobreza e o povo? Mas o que nós propomos não é um promotor para os ecologistas. E haverá maior universo de interesses do que aquele que é constituído por todos nós, que hoje, a duras penas, tentamos sobreviver aqui nesta terra recheada de memórias dos que nos precederam, também eles esperando ver representados e ouvidos os seus interesses de construtores que foram da paisagem que nos envolve, de cabouqeiros que foram da história que nos orgulha? E aqueles, muitos, a quem pedimos emprestada esta terra e que de nós esperam que a fecundemos de vida para que possam habila-la, felizes, amanha? Quem nos ouvirá, a nós e a eles, os de antes e os de depois, quem encarnará as angústias e as esperanças de todos, quem nos abrirá uma porta onde todas se fecharam, quem nos dará a mão na hora do desespero?
Perguntarão outros: para quê um promotor ecológico se, recorrendo à acção popular, todos seremos promotores de todos? E quem nos guiará os primeiros passos neste trilho apenas esboçado na velha e impenetrável floresta da justiça portuguesa?
Também nós rejubilámos com o reforço constítucional do direito de acção popular e é neste novo quadro, em que se desbravam perspectivas de mais rápido acesso à justiça, à reparação célere e em tempo útil de disfunções, desequilíbrios e injustiças até agora tidas como normais e mesmo legítimas, que surge a figura do promotor ecológico, ouvidor não só de lamentos velhos, almocreve não só de esperanças sem retorno, advogado não só de causas mil vezes perdidas mas, sobretudo, a encarnação viva da consciência ecológica dos Portugueses, a qual aumentará na exacta medida em que for estimulada por novas e gritantes denúncias e alimentada de saborosos êxitos na política ambiental.