1934 I SÉRIE - NÚMERO 54
Eles apresentaram inicialmente esta ideia como projecto de revisão constitucional, tendo sido reprovada nessa sede pelo PSD, PS e CDS. A ideia é agora, de novo, apresentada em sede de legislação ordinária. Caberá, portanto, reproduzir, no início desta discussão, aquilo que foram os dois principais argumentos que fundamentaram a oposição do PS a tal proposta, aquando da sua discussão no âmbito da revisão constitucional.
Em primeiro lugar, e no plano dos princípios gerais de organização do Estado, não estamos de acordo com a multiplicação das figuras de provedor, por poderem constituir desqualificação daquele órgão e afectar a dignidade e o peso institucional da instituição. Vemos, naturalmente, com mais agrado o reforço do papel e das competências do Provedor de Justiça e a dignificação da sua acção junto do Estado e da Administração Pública.
Por outro lado, a introdução ou reforço de novos direitos de participação, nomeadamente o de acção popular e o de petição, são instrumentos de intervenção política dos cidadãos em aspectos sensíveis da vida, como é o caso da defesa do ambiente, que podem dar resposta a grande parte dos objectivos que se pretendem alcançar com a figura do promotor ecológico. Como dizia o meu camarada Almeida Santos, com o direito de acção popular Portugal fica com 10 milhões de promotores ecológicos.
A estes dois argumentos soma-se ainda o que deriva do facto de, sendo o Provedor de Justiça orgão constitucional e pretendendo-se a criação de um promotor ecológico por via de legislação ordinária, isto significar a consagração de hierarquias estatutárias de provedorias que nos parece desaconselhável.
Será boa solução criar um provedor de primeira e outros de segunda? Um que ganha como ministro e outro como deputado será razoável? A atenção e a cooperação que o Estado e a Administração Pública devem a ambos será mantida ao mesmo nível? Será esta, Srs. Deputados, uma solução razoável?
No entanto, e apesar destas razões, as questões que o projecto de lei levanta e os objectivos que enuncia são para nós compreensíveis e, mais do que isso, oportunos.
Srs. Deputados, a explosão de regionalismos locais, os contenciosos da Administração com diversas organizações, os múltiplos protestos de cidadãos contra a invasão do País por modelos standard de desenvolvimento impostos pelas tecnocracias do Terreiro do Paço, que não tem em conta os particularismos regionais, as culturas locais e que provocam uma considerável diminuição nos níveis ambientais e na qualidade de vida das populações são sinais claros da ausência de participação dos cidadãos nas opções de desenvolvimento e modernização do País. É o caso do eucalipto, da Via do Infante, de Barqueiros, da Auto-Estrada Torres Novas-Fátima, é o caso das barragens no Minho, etc.
Como é possível, num Estado que se pretende moderno e europeu, que a decisão de eucaliptizar a nossa floresta seja tomada apenas pelo Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação, sem nenhuma intervenção dos representantes das populações a que tais decisões respeitam? Como é possível que a decisão de autorização para a actividade de exploração do caulino seja tomada apenas no Terreiro do Paço, sem nenhum tipo de intervenção das populações que vão ter de suportar a poluição que tal actividade implica? Como é possível que a decisão do traçado de novas estradas seja tomada sem que a opinião das populações locais seja considerada?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A ausência de política ambiental do Governo, a não regulamentação da Lei de Bases do Ambiente, a incapacidade para dotar a Administração com instrumentos legais que impeçam as agressões ambientais, que ocorrem um pouco por todo o País, leva, de facto, a que o Estado encare formas diversas de garantir o direito constitucional de todos os cidadãos a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado.
Veja-se, por exemplo, o que se passou com a lei dos estudos de impacte ambiental, instrumento - e estamos todos de acordo - essencial da política de ambiente que devia servir para abrir espaços de audição pública e de defesa do ambiente.
O Governo esteve durante dois anos numa situação de grave ilegalidade por não transpor para o direito interno a directiva comunitária. Acabou por o fazer à pressa e apenas para responder à iniciativa de apresentação de um projecto de lei do PS sobre o assunto. E, tendo-o feito à pressa, fê-lo mal!
A lei aprovada em Conselho de Ministros nada tem a ver com a lei que, durante dois anos, a Secretaria de Estado do Ambiente e da Defesa do Consumidor andou a discutir com associações ecológicas e com especialistas.
Projectos abrangidos pela lei são apenas e só os projectos obrigatórios referidos na directiva, sem nenhuma consideração da situação nacional e de casos de actividades industriais que exigiriam, pelo menos, que se soubesse das suas consequências ambientais. Projectos abrangidos, só as refinarias, centrais térmicas, siderurgias, indústrias químicas, pontos, etc., tudo coisas que o País ou já tem e não vai fazer mais, ou, fazendo, faz uma de 10 em 10 anos. A única coisa importante é a abrangência pela lei da construção de auto-estradas e vias rápidas, e foi-o apenas porque a directiva assim o obrigava.
Tudo o resto - a parte substancial -, celuloses, cimento, indústrias extractivas, barragens, loteamentos, complexos turísticos, fica, com esta lei, desobrigado de apresentação do estudo de impacte ambiental.
Depois, a lei põe o Ministério do Ambiente e dos Recursos Naturais apenas a dar pareceres e, ainda por cima, não vinculativos, violando assim o n.º 3 do artigo 30.º da Lei da Bases do Ambiente, que refere explicitamente que a aprovação do estudo de impacte é condição essencial para o licenciamento final das obras.
Quer isto dizer que, por exemplo, a Junta Autónoma de Estradas (JAE) entrega ao Ministro do Ambiente e dos Recursos Naturais o projecto de impacte ambiental de uma via rápida para que ele de parecer e promova a audição pública no prazo de 60 dias. Após o parecer do Ministro a JAE decide. Isto é, o Ministro dá parecer e a JAE decide! Lindo exemplo da forma como este Governo trata o Ministro do Ambiente. Este, pelo seu lado, parece não se importar, porque tem feito campanha pelo País com esta lei.
Sabem os Srs. Deputados quanto se pagará, no máximo, por executar um projecto abrangido pela lei sem o projecto de avaliação do impacte ambiental? 6000 contos! Menos, normalmente menos, que o custo do projecto. O que quer dizer que, com esta lei, não fazer o estudo é muito mais barato do que fazê-lo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta lei não passa de uma má tradução da directiva, apressada e irresponsável, e esvazia todo o alcance que ela poderia ter na defesa do ambiente.