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15 DE JUNHO DE 1990 2927

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminada a primeira parte da ordem do dia, vamos iniciar a discussão do projecto de lei n.º 490/V, apresentado pelo PCP, referente ao combate à discriminação dos representantes eleitos dos trabalhadores.

Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Seria bem escusado este projecto de lei e o debate que hoje travamos se o Governo, no seu pacote laborai, tivesse respeitado o artigo 56.º da Constituição e a Convenção n.º 135 da OIT, se o Governo tivesse cumprido o que a autorização legislativa concedida, e mal, pela Assembleia da República lhe impunha, apesar de tudo: a criação de um particular quadro de garantias substantivas que protegessem devidamente os representantes dos trabalhadores. Mas tal não aconteceu.
O pacote laborai limitou-se a estabelecer, em termos dessas garantias, que suo, de facto, as fundamentais que encontramos no pacote laborai, como vamos ver, e que se reduzem a quase nada, o seguinte: a natureza urgente das acções de impugnação judicial de despedimento quando se tratasse de um representante eleito dos trabalhadores; um regime especial quanto à suspensão de despedimento; a comunicação da nota de culpa e da intenção de proceder ao despedimento, bem como da decisão à associação sindical no caso de o trabalhador ser representante sindical; a garantia de acesso aos locais destinados ao exercício das actividades sindicais no caso de suspenção preventiva.
Como se vê, não foi criado qualquer quadro de garantias substantivas. E as garantias adjectivas criadas são, as mais das vezes, inoperantes. Face ao regime processual da suspensão de despedimento, que só admite no tribunal a prova documental e mais nenhuma, é quase inoperante o princípio de que o tribunal só não deverá decretar a suspensão de despedimento se concluir pela existência de probabilidade séria de verificação de justa causa para o despedimento.
O que é probabilidade séria? É um conceito por de mais subjectivo e fluido. Fraca protecção para o trabalhador perante a entidade patronal, que é dona do processo disciplinar e que, sendo julgadora, ó ao mesmo tempo a entidade que faz a instrução do processo conforme lhe convém. A natureza urgente das acções -claramente uma garantia de natureza adjectiva- face às regras do processo de trabalho será mais uma questão emblemática, sem verdadeira tradução prática. E então, se se tratar de julgamento por tribunal colectivo, que raramente se faz à primeira vez, dado o complicado sistema de chamar o conservador do registo predial para julgar a questão, esta urgência é definitivamente lançada às urtigas.
Assim, podemos concluir que o Decreto-Lei n.º 64-A/89 não criou o quadro legal necessário à protecção dos representantes dos trabalhadores, imposto pela Constituição, que diz respeito e está incito no próprio regime democrático. Foram; assim, goradas as expectativas do Tribunal Constitucional, que, ao decretar a inconstitucionalidade da primeira versão que lhe foi submetida, admitiu, em relação à revogação da Lei n.º 68/79, que o decreto-lei que viesse a ser autorizado protegesse devidamente os representantes eleitos dos trabalhadores.
Apesar desta velada advertência, o Governo preferiu continuar teimosamente no seu objectivo de ajustar contas com os representantes dos trabalhadores. O Governo e o PSD, é claro!
Eles têm sido incómodos para o PSD porque lutam por melhores condições de trabalho para os trabalhadores que representam, correndo riscos de toda a ordem: desde a paralisação da sua progressão na carreira, até discriminações salariais e outras perseguições, tudo têm afrontado aqueles que sabem que sendo o trabalho fundamental para o desenvolvimento do País é necessário que a esse trabalho seja conferida dignidade para que possa ser muito mais do que o ritual que se cumpre para ganhar o pão de cada dia.

Mas esta luta pela dignidade incomoda o PSD, que bem gostaria de retomar as antiquadas e passadistas concepções que encaram a empresa como domínio de um senhorio onde labutam os servos da gleba, vinculados ao poder sacrossanto de quem de tudo pode dispor, mesmo contra os interesses da própria empresa e do País. Neste assomo de autêntica vindicta contra os representantes dos trabalhadores, está também subjacente toda a incomodidade provocada no PSD pela actividade daqueles que intervieram e intervêm em defesa da própria empresa e da economia nacional, apresentando propostas com vista à reestruturação da empresa.
Estas são as verdadeiras razões que levaram o PSD, cedendo ao patronato, a revogar a Lei n.º 68/79, que lhe doía na alma, que era um espinho bem fundo cravado.
Mas voltemos de novo ao quadro legal resultante ao pacote laboral. Em sede de ratificação do Decreto-Lei n.º 64-A/89, tivemos ocasião de apresentar propostas no sentido de ser reposta a lei de 1979. Porém, como aliás era de esperar da maioria numérica, que já é só numérica, recusou todas as propostas que apresentámos. Tornou-se então necessário preencher o verdadeiro vazio legislativo no que toca ao quadro imposto pelo artigo 56.º da Constituição. Buscámos soluções novas por forma que não acusassem o projecto de lei de falta de credibilidade.
E uma das perguntas a que os Srs. Deputados do partido do Governo têm de responder hoje e aqui é esta: deve ou não o despedimento, individual ou colectivo, de um representante eleito pelos trabalhadores passar pelo controlo judicial prévio da sua licitude? Impressionava ao PSD, na lei que revogou, aquilo que, segundo dizia, correspondia a retirar o poder disciplinar à entidade patronal. O que, de resto, não corresponde à verdade. A entidade patronal sempre foi a detentora activa desse poder disciplinar. Mas o que, de facto, repugnava ao PSD era o controlo judicial prévio. Como se a solução da nossa lei fosse solução única no panorama europeu.
A este respeito gostaríamos de recordar que, na Bélgica, desde o Decreto n.º 4, de 11 de Outubro de 1978, os representantes dos trabalhadores e os candidatos não podem ser despedidos senão depois de o tribunal ter verificado a existência de uma justa causa, e de uma justa causa que tenha a característica de grave. E, já em 1988, no próprio Parlamento belga, foi apresentada uma proposta no sentido de reforçar a fiscalização judicial prévia. E também em França existe essa fiscalização, embora com outros moldes - ela fica a cargo do inspector de trabalho.
Desconfiamos que para o PSD, em matéria de direito laboral, este direito comparado não serve. Não sei se quererá ir buscar a Singapura qualquer regime que possa aplicar aos trabalhadores portugueses! Mas terá de explicar porquê, porque é que não aceita estes exemplos do direito comparado.
O capítulo III do nosso projecto institui um sistema de fiscalização judicial prévia do despedimento.