I SÉRIE -NÚMERO 36 1196
Se nós não descobrirmos para este conflito a maneira de, em termos internacionais, encontrar um mínimo de ordem internacional, de princípio de intervenção internacional - chamemos-lhe polícia do mundo internacional para utilizar o termo mais vulgar-, se da délente não nasce no concerto das Nações uma possibilidade de haver meios e formas de intervir nestes conflitos, então não há qualquer alteração qualitativa na evolução dos últimos anos e só teremos que esperar meia dúzia de anos até se repor no mundo uma situação idêntica àquela que existia até há cerca de dois anos.
Portanto, confesso que não compreendo a caracterização que faz deste conflito face, por exemplo, a uma África cheia de conflitos, de uma ponta à outra, e com um problema potencial de destruição maciça de recursos através de guerras civis que a colocou a níveis de desenvolvimento inferiores aos que tinha aquando da descolonização; face ao agravamento dos problemas em muitas zonas do Médio e do Próximo Oriente eu não compreendo como se pode pensar ter entrado no período kantiano da paz perpétua...!?
No que diz respeito ao papel desta Assembleia, eu não pretendi dizer que os deputados portugueses tinham menos poder ou menos legitimidade do que têm os ingleses, apenas digo que no figurino de relações entre o Parlamento e o Governo quanto às formas dos contactos, à intensidade desses contactos, aos mecanismos que materializam a relação parlamentar quotidiana entre o Parlamento e o Governo, nós estamos sujeitos àquilo que é a coerência global do nosso sistema político, que define poderes e meios de intervenção relativos a cada uma das partes.
E sobre esse ponto de vista continua a parecer-me que a alteração do sistema eleitoral, diminuindo o peso dos partidos no poder dentro do Parlamento e reforçando o poder dos deputados, individualmente considerados, dá-lhes uma autoridade própria que não passa apenas pelos mecanismos partidários face ao Governo mas cuja contrapartida é uma relação mais constante, mais quotidiana do Governo com o Parlamento do que acontece nos países onde existem regimes eleitorais diferentes do português.
Seja-me permitido chamar a atenção de VV. Ex. ª de que não é correcto afirmar-se - o que por se repetir se está a tornar verdade e não é! - que o figurino do nosso tratamento da questão não seja comum a outros parlamentos europeus e não seja diferente dos parlamentos em que, havendo tropas no cenário de guerra, aí sim, debates muito mais exaustivos foram feitos em sede parlamentar.
Assim, nós não estamos a proceder diferentemente do que acontece em muitos outro países da Europa que estão colocados exactamente na mesma situação. E o que nós combatemos no excesso... Não estou a dizer que não se venham a revelar circunstâncias em que o Governo deva vir ao Parlamento discutir a questão do Golfo mas sim que devemos - todos! - combater a tendência para uma dramatização interna da situação do Golfo que não é justificável nem pelos efeitos que o conflito tem em Portugal nem sequer pelo grau de intervenção e muito menos pelas posições que internacionalmente tomámos nesse conflito.
O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os 12 dias completos decorridos desde que os Estados Unidos iniciaram as operações de guerra contra o Iraque permitem já testar as ideias-força que balizaram a situação.
É certo que na prática pouco ou nada se sabe do teatro das operações. Sobre a guerra só é dito e mostrado o que as autoridades político-mililares querem e deixam. Em vez de informação total e em directo talvez se possa afirmar que nos tempos modernos nunca se soube tão pouco sobre uma guerra em curso. Nunca autoridades de guerra lograram orientar os fluxos informativos, como o estão a fazer, de acordo exclusivamente com os seus interesses.
Apesar deste quase black out informativo que emerge da monumental encenação veiculada através da CNN, há o que não é possível esconder. E desde logo, ao contrário do que foi propalado na manhã de 17 de Janeiro, tudo aponta para que, a manter-se, a guerra será mais longa e mais sangrenta. O tempo da guerra traz à superfície duas questões.
Por um lado, evidencia as subidas de patamar nos objectivos dos Estados Unidos. Primeiro foi a defesa da Arábia Saudita. Depois a libertação do Kowait. Agora é a própria sobrevivência do Iraque. Adivinha-se a seguir o controlo e policiamento da zona, designadamente através da manutenção de corpos de forças armadas. James Baker chegou a dizê-lo nas Comissões de Relações Externas do Congresso, afirmando que a estabilidade «pressuporia, naturalmente, uma prolongada presença militar americana na região».
Analistas há que atribuem aos Estados Unidos um objectivo mais vasto. Fundando-se em declarações do próprio Presidente Bush que desde Agosto inseriu as operações no quadro de uma «nova ordem mundial», a guerra «representaria para a América a oportunidade de edificar um novo sistema de relações internacionais destinado a substituir o defunto equilíbrio bipolar da guerra fria». Um novo sistema dependente da «liderança americana», imposta pela violência de um castigo exemplar ao primeiro prevaricador que apareceu.
Nesta sucessiva subida de patamar, os fundamentos jurídicos e éticos da operação ficam a descoberto. Nem a defesa dos direitos humanos de um povo, como o do Kowait, que antes da invasão vivia uma ditadura semifeudal; nem a garantia da aplicação das resoluções da ONU, que têm sido precisamente os Estados Unidos a desrespeitar com frequência (e de que é exemplo, na zona, o apoio a Israel e à ocupação dos territórios ou, fora da zona, o caso que tanto nos toca de Timor); nem a garantia de independência de um Estado, coisa que deveria merecer algum pudor particularmente vindo de um que ainda há um ano invadiu o Panamá, numa operação que custou a vida a cerca de dois mil cidadãos, entre militares e civis.
Vistos à luz deste tempo de guerra os cinco meses e meio decorridos desde 2 de Agosto foram o tempo de preparação da guerra, que os Estados Unidos erigiram em objectivo último e que prosseguiram, passo a passo, com determinação e sem folgas.
O embargo, com as «sanções mais duras e mais completas jamais impostas a um país» (como as qualificou Ignatio Ramonet, no Monde Díplomatique de Janeiro), foi deliberadamente abandonado antes de ter tempo para produzir efeitos.
As frestas negociais que se abriam foram rapidamente fechadas, sem serem exploradas e desenvolvidas. A iniciativa francesa com que se concluiu o período de ante-guerra obteve do Presidente Bush como resposta um rotundo não. Tratava-se de uma iniciativa de inegável significado. Foi o último esforço de um país europeu com uma larga história comum com países árabes, de um poderoso país europeu, membro da NATO, da UEO, da