I SÉRIE -NÚMERO 36 1218
É, pois, grave que o Governo não tenha ouvido formalmente os parceiros sociais acerca da própria autorização legislativa e, consequentemente, não tenha dado conhecimento à Assembleia da República «das opiniões e outros elementos eventualmente por ele recolhidos aquando da audição das organizações dos trabalhadores na fase preparatória da proposta de lei». Aliás, este procedimento já em 1988 era considerado, pelo Tribunal Constitucional, como violador do disposto na Constituição acerca da audição e participação dos trabalhadores na elaboração da legislação laborai.
O Governo escuda-se, naturalmente, no facto de a proposta de lei basear-se no próprio AES, considerando que a sua negociação e aprovação no seio do Conselho Permanente de Concertação Social (CPCS) terá preenchido todos os requisitos legais e constitucionais quanto à audição e participação dos trabalhadores.
Engana-se rotundamente, não só porque na proposta de lei em apreço, embora respeite o essencial, registam-se diferenças -por vezes importantes, relativamente ao acordo-, não só porque é sobre a legislação que o concretiza, incluindo as autorizações legislativas, que incide o direito de participação dos trabalhadores, mas também porque a matéria em análise é da competência da Assembleia da República.
Acrecentem-se, de resto, que a negociação e celebração do Acordo Económico e Social passou à margem, para não dizer à revelia, desta Câmara e, em abono da verdade, que é esta a primeira oportunidade que a Assembleia da República tem de pronunciar-se seriamente acerca do mesmo.
A Assembleia da República não deve, pois, sentir-se responsável, muito menos vinculada aos compromissos assumidos peio Governo, sob pena de impor a si própria uma capitis diminutio, inaceitável à luz das mais elementares regras democráticas.
A Assembleia da República não deve abdicar das suas competências, de ter o seu ponto de vista e de fazer a sua própria reflexão - princípio este que é, naturalmente, extensível aos deputados da maioria.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Não tendo sido respeitadas as normas processuais, constitucional e legalmente previstas, quanto à elaboração da legislação de trabalho e não tendo havido lugar à discussão pública, que se impunha, dada a pressa do Governo em agendar a proposta - o que, aliás, impossibilitou a apresentação e discussão de outros projectos como os que foram entregues na Mesa pelo PS - somos, por força das circunstâncias, obrigados a traduzir na nossa votação a recusa da posição de desresponsabilização do Governo perante esta Câmara e perante os parceiros sociais em matéria de tão grande melindre. O mesmo é dizer que algumas das virtualidades e das importantes e necessárias medidas previstas não contarão com a nossa solidariedade e apoio expressos.
Queremos, no entanto, deixar clara -e com isto respondo ao Sr. Deputado Silva Marques - a nossa posição relativamente a alguns aspectos da autorização legislativa.
Em primeiro lugar, não entendemos por que é que a matéria relativa ao regime jurídico das relações colectivas de trabalho não faz parte deste pacote, quando o acordo insiste, reiteradamente, na negociação colectiva ao ponto de sujeitar, em determinadas condições, os conflitos à arbitragem obrigatória.
Terá isto a ver com o facto de até a UGT ter detectado na proposta de lei, pelas omissões ou pela pouca clareza do texto, um eventual «emendar de mão» do Executivo relativamente à negociação colectiva?
Fique desde já claro que o PRD entende ser esta matéria da competência exclusiva da Assembleia da República. Então, que pretende fazer o Governo? Pautar-se pela omissão ou apresentar uma proposta de lei em separado, e, neste caso, porquê? Esta questão é tanto mais importante quanto para nós, PRD, é claro que as reformas, estruturais ou não, têm falhado sucessivamente por visão unilateral e aplicação parcial dos programas e projectos. Basta, a este propósito, lembrarmo-nos do estado da justiça laborai, em Portugal, para nos apercebermos por que é que as reformas laborais são mal concebidas ou falham.
Incompreensível é também que se deixe a porta aberta para se pôr em causa, por via negociai, algumas das recentes e árduas conquistas dos trabalhadores. Depois de, durante tanto tempo, ter recusado a via negociai o Governo quer agora por essa mesma via comprometer o que já foi alcançado. E refiro os casos mais exemplares: a possibilidade de a duração de trabalho semanal poder ir até às 50 horas e a possibilidade de o dia de descanso semanal ser gozado de forma repartida e diferenciada nos termos a definir por convenção colectiva.
Incompreensível é também a elevação do limite anual de prestação de trabalho suplementar para as 200 horas, a não especificação do conceito de 22 dias úteis e a inexistência de garantias e limites à adaptabilidade do regime de descanso semanal em caso de laboração contínua e de trabalho por turnos.
Quanto ao período experimental, o PRD considera inaceitáveis, por desnecessárias e injustificáveis, as medidas previstas tanto no Acordo Económico e Social como na proposta de lei. Com efeito, não se vislumbra qualquer justificação substancial para estabelecer o período experimental nas pequenas empresas em três meses, isto é, mais um mês do que a regra geral, e para o alargamento do período experimental para oito meses no caso dos quadros superiores.
Aliás, este parece-nos ser um dos casos em que não chega apresentar a contrapartida da negociação colectiva e individual para justificar esta medida, pois, pelo contrário, aquela previsão legal deixa de fazer sentido e, a ser aplicada residualmente, passa a ser extremamente injusta e discriminatória.
Quanto à figura da cessação do contrato individual de trabalho por inadaptação, ela constitui, sem dúvida alguma, o ponto mais polémico da proposta de lei e a solução mais arrojada e difícil do Acordo Económico e Social. Gostaríamos, no entanto, de enaltecer os cuidados que foram postos pelas partes na sua configuração e a precaução redobrada de, não obstante esses cuidados, se sujeitar esta figura à fiscalização preventiva da sua constitucionalidade.
Não faremos juízos constitucionais, porque não nos compete fazê-los, mas não temos dúvidas de que não estamos perante a mesma questão que foi alvo do Acórdão n.º 107/88 do Tribunal Constitucional. A inadaptação, tal como vem configurada no Acordo e na proposta de lei, é algo substancialmente diferente de «factos, situações ou circunstâncias objectivos - e realço a expressão «objectivos»- que inviabilizam a relação de trabalho e estejam ligados à aptidão do trabalhador ou sejam fundados em motivos económicos, tecnológicos, estruturais ou de mercado, relativos à empresa, estabelecimento ou serviço».