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I SÉRIE - NÚMERO 44
A redução do tempo de serviço militar obrigatório tornou-se uma obsessão deste governo que procurou deste modo responder, política mas demagogicamente, à crescente interrogação sobre o serviço militar, em lugar de procurar uma resposta sustentada que correspondesse a uma ideia clara sobre a perspectiva de futuro para as Forças Armadas.
Não se nega, evidentemente, a legitimidade ao Governo de tomar as decisões políticas que considere mais adequadas e «impor» essas decisões às Forças Armadas. O que se questiona é saber se a decisão da redução do tempo de serviço militar obrigatório para quatro meses é uma decisão tecnicamente sustentada e adequada ao cumprimento dos objectivos da política de defesa nacional.
Como refere o conceito estratégico de defesa nacional, no plano político-militar terá de ser acentuada a componente de «defesa autónoma eficaz, com capacidade de sobrevivência e dissuasora das ameaças à integridade nacional», tendo em vista, entre outros, «assegurar uma capacidade militar própria que desencorage a agressão e facilite, em caso de conflito, o restabelecimento da paz em condições que correspondam aos interesses nacionais».
A proposta de lei apresentada pelo Governo, em lugar de responder a estes princípios, procura responder, politicamente, até pela forma como foi anunciada (antes de qualquer estudo), à contestação do serviço militar obrigatório e apresenta-se como um primeiro passo para substituir este regime pelo regime de voluntariado e profissionalização.
Parece, pois, estar subjacente uma ideia de profissionalização das Forças Armadas, o que a nossa Constituição claramente rejeita e que contraria o que tem sido a tradição portuguesa em termos de organização das Forças Armadas.
Na verdade, em Portugal, sempre o serviço militar teve um caracter geral, pessoal e obrigatório, pese embora só depois da Revolução Francesa o conceito ter sido formalmente introduzido. Aliás, desde o início da formação de Portugal só houve três épocas de pequena duração em que se preferiu a forma de serviço de tendência mais profissionalizada, ou seja, no final do século XV, no período da Dinastia Filipina e durante a guerra civil que opôs liberais e absolutistas.
Mas há outras razões, que não históricas, que têm servido para justificar a preferencia pelo serviço militar obrigatório. Do ponto de vista interno destaco o facto de o serviço militar obrigatório levar o cidadão a participar na defesa da Nação, criando sentimentos de solidariedade e unidade nacionais e, deste modo, promover a aproximação entre as Forças Armadas e a Nação.
Do ponto de vista externo, o serviço militar obrigatório constitui o factor de dissuasão mais credível dado o elevado volume de meios humanos enquadrados pelo sistema de forças e a capacidade que este sistema apresenta pelo facto de poder recorrer à mobilização, proporcionando desta forma um elevado espírito de coesão nacional.
Do ponto de vista técnico, o serviço militar obrigatório garante a instrução militar a maioria da população, possibilitando a passagem à resistência activa em caso de invasão, e permite o crescimento do sistema de forças.
Do ponto de vista económico, e o sistema de serviço militar que apresenta custos mais reduzidos. Em contraponto, os problemas que se colocam ao regime de voluntariado, para além de não haver tradição em Portugal, residem na fraca capacidade de mobilização militar, nos elevados custos que geram e na imprevisibilidade da aposta.
Por outro lado, na caracterização das «Forcas Armadas do futuro», quer nas perspectivas tecnológicas, com a crescente sofisticação dos seus equipamentos, quer na perspectiva dos cenários previsíveis para o desenvolvimento dos conflitos, ressalta como possibilidade mais provável e mais perigosa para o sistema de força nacional o desencadeamento de conflitos a nível regional, pelo que a organização do sistema de forcas deve prever um volume de efectivos a que só o serviço militar obrigatório está em condições de dar resposta.
Neste quadro, creio que nenhum estudo técnico poderá apontar, a manter-se o serviço militar obrigatório, para o período de quatro meses quando todo este tempo é gasto em instrução e, consequentemente, os encargos operacionais e o sistema de forças permanente terá de ser constituído, na totalidade, por militares em regime de voluntariado.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, podemos, pois, dividir a análise desta proposta em quatro planos distintos: o plano institucional; o plano constitucional; o plano político e o plano técnico.
No plano institucional e no que se refere à necessária reestruturação das Forças Armadas o Governo parece ter começado pelo fim, condicionando toda a sua organização com implicações, naturalmente, no próprio sistema de forças e, portanto, na maneira como as próprias missões poderão ser cumpridas.
Não se tiveram em conta as dificuldades organizativas das próprias Forças Armadas para o cumprimento das actuais missões e muito menos daquelas que venham a ser consideradas em função de um novo e urgente conceito de defesa nacional face ao novo quadro político-institucional que Portugal assumiu, nomeadamente como resultado da sua integração europeia e das alterações estruturais, em curso, a nível mundial com repercussões inevitáveis em termos de defesa e segurança.
Há ainda que referir o parecer do Conselho Superior de Defesa Nacional (CSDN) que, em nossa opinião, não corresponde ao que seria legítimo esperar. Seria de esperar, pelo menos, que este órgão se pronunciasse em ordem a saber em que medida é que as alterações, tão drásticas do tempo de duração do serviço militar obrigatório, altera o conceito legal deste e se tem ou não, implicações, e quais, na organização da defesa nacional, na organização e funcionamento das Forças Armadas na política de defesa nacional e nos respectivos conceitos estratégicos.
No palno constitucional a proposta do Governo, limitando o serviço militar obrigatório à preparação militar - quatro meses - condicionou, de forma definitiva, a presença do militar nas fileiras. É durante o período nas fileiras que o militar em serviço efectivo normal se integra, plenamente, na estrutura das Forças Armadas com funções e responsabilidades estritamente definidas. É, aliás, nesta fase que se realiza a preparação complementar da especialidade, quando deve ter lugar «o serviço nas unidades e estabelecimentos militares».
O período nas fileiras é, pois, um elemento definidor fundamental do serviço militar obrigatório, sem o qual não se pode falar em serviço militar obrigatório na definição constitucional e legal.
Ao distinguir, ao colocar uma linha divisória entre o papel do jovem em serviço militar obrigatório e o papel das Forças Armadas, o Governo viola o princípio constitucional de que a defesa nacional da Pátria é direito e dever fundamental de todos os portugueses e de que a organização das Forças Armadas se baseia no serviço militar obrigatório.