20 DE FEVEREIRO DE 1991
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Na verdade, se em termos constitucionais a organização das Forças Armadas se baseia no serviço militar obrigatório, como é possível compatibilizar este princípio com o facto de, para além da instrução geral aos cidadãos portugueses, todas as missões específicas das Forças Armadas assentaram no serviço miliuir não obrigatório?
Por outras palavras, será constitucional deixar que a função última das Forças Armadas enquanto organização apta, em cada momento, a garantir a soberania e independência nacionais deixe de basear-se no serviço militar obrigatório quando a Constituição afirma que a organização das Forças Armadas se baseia no serviço militar obrigatório? Pensamos, pois, que a proposta de redução para quatro meses, limitada à instrução, a toma inconstitucional.
No plano político são três as questões que são colocadas: o orçamento das Forças Armadas, a dificuldade e prejuízos pessoais que resultam para os jovens que têm de cumprir o serviço militar obrigatório, não se vislumbrando utilidade para o tempo que é passado nas fileiras, e a interrogação sobre a utilidade das Forças Armadas.
Relativamente ao orçamento das Forças Armadas, a proposta de lei apresentada é susceptível de encargos financeiros insuportáveis quando tem de recorrer-se ao mercado de trabalho com incentivos especiais para aliciar o voluntariado necessário a operacionalidade das Forças Armadas, em substituição do serviço militar obrigatório, operacionalidade essa que não fica de todo garantida face às dificuldades, segundo certos estudos, de garantir o número suficiente de voluntários.
Quanto às condições de cumprimento do serviço militar obrigatório e à utilidade das Forças Armadas são questões de organização a que o poder político tem de dar resposta, mas que uma proposta deste tipo não ajuda muito.
Na verdade e não menos importante é o facto de esta proposta, pelo menos no campo psicológico, poder ser interpretada como correspondendo a uma menor vontade de defesa ou mesmo a não necessidade de defesa por parte, em especial, da juventude. Ora, creio que isso não corresponde ao sentimento geral da população portuguesa, que no plano dos princípios, não só aceita como defende a necessidade de haver uma defesa nacional credível ao nível do sector militar, bem como pensa que a melhor solução é aquela que identifica as Forças Armadas com a Nação e em que o serviço militar aparece não só como um dever mas, também, como um direito de todo o cidadão.
No plano técnico, mesmo desconhecendo os estudos feitos, não acredito que seja possível no período de quatro meses dar a preparação geral militar, garantir um período de instrução complementar e de instrução contínua, garantir a escola preparatória de quadros e proceder à necessária sobreposição de turnos. Este período não dá satisfação às necessidades de defesa militar. Aliás, não há qualquer país na NATO, da Europa e mesmo do mundo que fique com um valor tão baixo de serviço militar obrigatório.
Assim, segundo elementos de que disponho - e penso serem actualizados -, posso lembrar-lhes que o país da NATO com menor tempo de serviço militar obrigatório é a Dinamarca com nove meses; nos países da Europa é a Áustria com seis meses, mantendo dois meses de instrução por ano durante 15 anos; a Suíça tem 17 semanas de instrução, portanto mais do que os quatro meses e um tremo três semanas durante oito anos (até aos 32 anos), duas semanas (até aos 42 anos) e de uma semana (até aos 50 anos).
Sr. Presidente. Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Muitos pensam, hoje, que o profissionalismo das Forças Armadas é a resposta adequada a situações de guerra pela capacidade que se pensa ser de exigir a profissionais para fazer a guerra. Não concordo com esta opinião porque um dos factores mais importantes para vencer uma guerra é a vontade de combater por um ideal ou uma causa justa.
Assim, para uma pequena potência como Portugal, em que a filosofia subjacente à sua organização militar não é projectar poder, e através dele afirmar-se no Mundo, a organização militar que melhor se adapta, como já tive oportunidade de referir, é aquela que se baseia no serviço militar obrigatório, nomeadamente porque: permite uma instrução militar à generalidade dos cidadãos; cria e generaliza o sentimento de defesa nacional; reforça a sua capacidade, e permite o recurso à mobilização geral quando tal se reconheça como necessário.
Outra coisa bem diferente é saber se o actual serviço militar obrigatório está ou não adequado a esta filosofia, ou seja, saber que tipo de organização para as Forcas Armadas, que missões deverão cumprir?
Mas não se pode responder a uma real e objectiva dificuldade com tão grandes implicações na defesa nacional com facilidades que resultam de vontades sustentadas em mais que discutidas soluções.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Sr. Ministro da Defesa Nacional, sou dos que acredita que o Sr. Ministro tem uma «ideia global», não sei bem se boa se má, para as Forças Armadas. Acredito - sinceramente - que seja boa! ... O Sr. Ministro tem procurado criar e difundir a necessidade de os cidadãos se preocuparem com as questões de defesa nacional, mobilizadora de uma certa vontade nacional que me parece útil e indispensável, e tem actuado com grande sentido de Estado. E por tudo isto que não compreendo esta proposta de redução do tempo de serviço militar obrigatório para quatro meses.
Tenho fundadas dúvidas relativamente ao mérito desta proposta de lei, não só pelo diploma em si mas, também, pelo quadro legal em que ela se insere, pela forma como foi assumida pelo Governo, isto é, sem uma participação técnica adequada da própria instituição militar, que se terá limitado a adequar a organização à decisão política, pelo facto de ela se apresentar desfasada de um tempo em que, eventualmente, poderia ser tomada, e porque tem um enquadramento conjuntural e psicológico que se manifesta não corresponder a uma realidade objectiva no quadro do sistema de relações internacionais. Aliás, a actual ordem internacional (cm alteração) prefigura uma situação que, não sendo completamente imprevisível para os especialistas, apresenta instabilidade não muito propícia a soluções como aquela que a proposta do Governo contém.
Por outras palavras: é possível, e eventualmente adequado, um novo conceito de serviço militar obrigatório, com redução do tempo actual e dentro do quadro da nossa Constituição; é possível, num quadro constitucional diferente, outro tipo de organização das Forças Armadas. O que não é correcto e adequado, para além de ser inconstitucional, é a definição deste conceito de serviço militar obrigatório, assumido, pelo menos em termos públicos, como resposta a questões egoístas, conjunturais e eleitorais, inserido em quadros referências que a prática veio a revelar irrealista e desajustada muito mais cedo do que muitos imaginavam.