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2545 16 DE MAIO DE 1991

Governo, a tentação para o abuso do poder e para a preterição de direitos e princípios constitucionais (bem patentes nas propostas de lei relativas ao segredo de Estado e à protecção civil) exigem uma acção fiscalizadora de órgãos independentes, como é o caso do Provedor de Justiça, na linha de acção que tem sido seguida pela Provedoria de Justiça e agora incrementada pelo seu actual titular.

Aplausos do PCP e do deputado independente José Magalhães.

Entretanto, reassumiu a presidência a Sr.ª Vice-Presidente Maria Manuela Aguiar.

A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães, que disporá não só dos três minutos a que regimentalmente tem direito como ainda de mais três cedidos pelo CDS.

O Sr. José Magalhães (Indep.): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, Sr. Provedor de Justiça: Há relatórios secos, estéreis e virtualmente inúteis, mas, se isso é assim, este é precisamente o contrário.
Cabe, por isso, em primeiro lugar, saudar o Sr. Provedor de Justiça pelo trabalho levado a cabo. Avaliá-lo só pelo relatório seria seguramente pouco. Há um estilo que é relevante, o qual passou, no caso do Provedor de Justiça em exercício, pela assunção corajosa de posições em relação a casos que eram objecto de polémica pública, designadamente alguns dos relacionados com a situação na própria RTP (caso da tentativa abusiva de despedimento de três jornalistas bem conhecidas) e os relativos à situação dos professores, em que a orientação do Provedor de Justiça se revelou extremamente inovadora e, diria mesmo, marcante.
Trata-se, portanto, de discutir hoje não só o relatório como também uma certa forma de exercício de um ministério que é constitucionalmente relevante.
Em relação ao relatório, devo dizer que ele é habitualmente qualificado como um «breviário» dos direitos dos cidadãos sobre o estado desses mesmos direitos. É um espelho, uma radiografia, uma análise crítica.
Neste caso não temos um «breviário», porque se trata de um denso trabalho, que não é breve mas é riquíssimo, e uma base excelente para a reflexão sobre os méritos e as responsabilidades actuais do Provedor de Justiça.
Diria que é um momento favorável. E porquê? Porque, em primeiro lugar, o quadro constitucional foi reforçado; em segundo lugar, o quadro legal foi, ele próprio, objecto de benfeitorias aprovadas por consenso, o mais alargado que é imaginável; em terceiro lugar, depois de ter sido feito pelo próprio Provedor de Justiça o diagnóstico sobre a situação de crise aguda - o que aconteceu em Julho de 1990-, foram tomadas algumas medidas, mas não todas.
Nesse sentido, a questão dos meios continua a ser crucial para a eficácia dos serviços do Provedor de Justiça. Há reclamações nas linhas e nas entrelinhas do relatório que, em minha opinião, deveriam ser atendidas.

O Provedor de Justiça não tem de ser uma vedeta - mas também não é mau que o seja! -, mas é absolutamente fundamental que tenha meios para exercer as suas funções.
Gostaria apenas de fazer um pequeno conjunto de reflexões sobre os pontos críticos do funcionamento do sistema do Provedor de Justiça em Portugal.
O primeiro diz respeito a um certo bloqueamento existente no exercício dos direitos do Provedor de Justiça em relação à área das forças armadas, o que é, em parte, da responsabilidade da Assembleia da República, uma vez que nem sequer regulamentou o exercício do direito de petição dos membros das forças armadas perante o Provedor de Justiça. Esta é uma questão preocupante!
O segundo tem a ver com o despertar do Provedor de Justiça para as questões relacionadas com os chamados «interesses difusos» de outras áreas novas, em que, dada a natureza do que está em jogo, é difícil a actuação individual e em que é fundamental que alguém que detenha poder, que seja cie próprio poder e não apenas contrapoder, intervenha construtivamente, exercendo funções de direcção, orientação e crítica.
O compromisso constante do relatório do Provedor de Justiça é. por isso, muito importante e significativo, o que me apraz sublinhar.
O terceiro diz respeito ao desafio europeu, ao desafio da internacionalização, uma vez que se fala crescentemente da criação de um ombudsman europeu. Há uma internacionalização dos processos de decisão, logo novas áreas em que os cidadãos portugueses, na sua qualidade de cidadãos europeus, são feridos nos seus direitos e têm direito a ter voz ou protesto junto de alguém que os ouça para poder agir. Creio que o Provedor de Justiça português deve atender cada vez mais a esta dimensão internacional e alargá-la dentro dos limites daquilo que é possível num Estado soberano. Não se deve, pois, refranger, não se deve retirar para a penetração do espaço nacional pelo ombudsman europeu a criar.
Por outro lado, há quatro problemas que podem colocar desafios muito relevantes à Provedoria de Justiça. E é nesse sentido que gostaria de deixar aqui alguns alertas, algumas sugestões.
Primeiro, o Provedor de Justiça é uma entidade nacional! Não é, pois, uma entidade lisboeta - e creio que o actual Provedor de Justiça tem consciência disso! Não se lhe pede que imite Sua Santidade o Papa e percorra o triângulo geoestratégico português em três dias!... Pede-se-lhe, sim, que saia de Lisboa e, designadamente, atenda à existência das Regiões Autónomas. Creio que seria extremamente positivo que o Provedor de Justiça se deslocasse a cada uma das Regiões Autónomas para aí receber queixas, conhecer situações, oferecer préstimos, ouvir, etc.
Em segundo lugar, os números aqui analisados revelam um certo fundo perverso. Recorre-se, muito frequentemente, ao Provedor de Justiça - e seria interessante saber quem é que recorre! - porque não há meios para recorrer aos tribunais. Isto é, há um sobre-recurso ao Provedor de Justiça, o que revela a falia de acesso aos direitos e aos tribunais e chama a atenção para as carências que há nesse domínio. Precisamos de colmatar essas carências! O Provedor de Justiça não é, seguramente, a entidade que pode suprir a crise esmagadora dos tribunais. Pode colmatá-la, mas não supri-la.
Em terceiro lugar, temos as recomendações feitas à Administração Pública. As violações das directivas do Provedor de Justiça passaram a constituir crime, mas há que estar atento às formas ínvias de não cumprir, aos ofícios nulos.
O último aspecto tem a ver com a sequência parlamentar dada às recomendações legislativas. Nesse sentido, parece--me pertinente a sugestão feita pelo Sr. Presidente da 3.ª Comissão, traduzindo, aliás, um consenso muito alargado.