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20 DE JUNHO DE 1991 3261

Reivindicações antes julgadas injustas recebem agora um «porque não»? Aumentos salariais que antes detonavam greves provocam agora o seu «aborto». A febre inauguracionista, com fanfarra, discursos e muito povo, à moda antiga, foi retomada: a tempo, antes do tempo e a destempo, por vezes com direito a bis.
Agora, parece que até com risco de descarrilamento e convite ao Presidente da República para descarrilar também!... E não assistimos hoje, aqui, à confusão entre um discurso político e uma listagem de obras?! O Telejornal passa todos os dias o mesmo filme: «Cavaco no país das maravilhas.» Tivemos o maior crescimento do mundo! Não estamos orgulhosos? - Eu não estou, é claro! - O discurso é repetitivo, auto-elogiativo, ególatra. Antigamente, os feitos militares deviam-se aos generais; os feitos políticos creditavam-se aos reis. Volta a ser assim: a dívida imensa que temos para com o nosso Primeiro-Ministro (todas as obras públicas, todos os aumentos salariais, todas as leis, todas as glórias) só é amortizável em termos de imortalidade! Verdadeiramente orwelliano!
A última peça dessa pseudogovernação cénica tivemo-la aqui, na Assembleia. Após quatro anos de conduta claramente antiparlamentar, o Primeiro-Ministro veio jurar amor ao Parlamento. Fazer, segundo alguns, o seu próximo tempo de antena.
Não é positivo para ele que a reacção tenha sido de genérica surpresa. Mas se há facto que não pode ser sofismado é o seu desapego à instituição parlamentar. Se a respeitasse, não teria feito tudo quanto fez para desprestigiá-la! Não espartilhava o diálogo nem o inutilizava por recurso a votações sistematicamente devotas e unidireccionais! Não cortava o voo dos mais importantes projectos e propostas das oposições pela única razão de provirem delas! Não consentia na anulação do seu poder de fiscalização política dos actos do Governo! Não boicotava a eficácia das comissões de inquérito! Não neutralizava o instrumento ratificativo, transformando-o em carimbo chancelar! Não convertia o Governo em órgão legislativo por excelência, abusando das leis de autorização legislativa! Não dava tanto trabalho ao Tribunal Constitucional, respeitando mais escrupulosamente a Constituição! Não escamoteava as naturais competências do Tribunal de Contas, que da Assembleia depende, nem desvalorizava as suas decisões e os seus juizes! Não sujeitava parlamentares dignos de todo o respeito à desrespeitosa exigência pública de um regime de ponto e de uma declaração de obediência à ordem partidária estabelecida!
Depois de tudo isto, vir aqui dizer-nos que «o Governo contribuiu para o reforço do regime democrático e o aperfeiçoamento das instituições» soaria a defesa pelo absurdo, se não fosse pura e simples desfaçatez. Os elogios chegam tarde de mais para poderem ser sinceros.
Só a este Primeiro-Ministro lembraria elogiar esta Assembleia por ter aprovado 143 propostas de lei do Governo! Será que legislar bem é carimbar? Só um devoto dos aspectos quantitativos da vida, expressa em fanatismo pelo crescimento, com secundarização dos qualitativos, poderia permitir-se medir a excelência de uma legislatura pela quantidade das leis aprovadas.
Antes de proferir semelhante enormidade, um humanista recordaria a máxima conhecida de Tácito: «Corruptissima republica plurimae leges» (quanto mais numerosas são as leis mais corrupta é a República). E os que identificam os excessos burocráticos com delírios de sobre-regulamentação, tão típicos dos ordenamentos liberais, poupariam os elogios para o comedimento em legislar!
Preferia eu um primeiro-ministro mais verdadeiro! Aliás, uma forma de deturpar a verdade, já aqui hoje realçada, é a reincidência abusiva com que o Primeiro-Ministro e os seus tenores - alguns ouvimos, aqui, hoje - comparam abstractamente o que não é comparável: os indicadores económicos até 1985 e a partir de 1985.
Assim, candidamente, veio aqui dizer-nos: «Temos de tomar como termo de comparação o ponto de partida.» Mas comparação de quê, Srs. Deputados? Das conjunturas e respectivos resultados? Vamos a isso! Só dos resultados não é minimamente sério.
Talvez a máquina de calcular, em que o Primeiro-Ministro fia as suas tão famosas certezas, não dê para mais. Mas a necessidade de uma relacionação crítica, além de exigências de honestidade elementar que a máquina de calcular não tem, reconduzem-nos à sabedoria de Sócrates: «Não só é impossível tratar igualmente o que é desigual, como convém saber a que nível se estabelece a comparação.»
Convido o Sr. Primeiro-Ministro, em nome da verdade que deve aos Portugueses, a comparar as situações de verdadeira emergência cambial, no contexto da mais grave crise recessiva do nosso tempo que os governos socialistas tiveram de enfrentar, com a conjuntura pós-recessiva por ele herdada.
Sopesadas as conjunturas, compare, então, os resultados para que os Portugueses fiquem habilitados a concluir quem fez e não fez o que devia, quem abusou de fazer o que não devia e quem ficou e não ficou aquém do que podia.

Aplausos do PS.

O Sr. José Silva Marques (PSD): - E o défice orçamental?!

O Orador: - Tendo, assim, metido a mão na verdade, ou seja, na consciência, reconheça também, uma vez por todas, que os resultados imputáveis ao chamado «governo do bloco central» o são também ao seu próprio partido, que dele fez parte por metade, pelo que, nessa medida, o PSD faz comparações consigo mesmo! E mais: admita que o ponto mais negativo dos indicadores económicos foi, sem dúvida, atingido por um governo do seu próprio partido, aliás na sequência de erros de um ministro das Finanças que se chamava Cavaco Silva e que teve artes de fugir a tempo!

Aplausos do PS e do deputado independente Jorge Lemos.

Um pouco mais de respeito pela verdade conduziria também o Primeiro-Ministro a ser mais rigoroso quando afirma que «somos o país do mundo que mais cresceu».
Não é verdade que os nossos 4 % ou 4,5 % de crescimento do produto sejam o Everest do crescimento. O Japão, a Irlanda, a Alemanha e até a Espanha, sem falar em alguns países do Terceiro Mundo, que para o efeito não contam, cresceram mais e mais significativamente, já que com pontos de partida acima do nosso. Mas, ainda que fosse, sempre seria imputável ao empurrão da CEE - onde o então secretário-geral do PSD não quis entrar! - uma fatia de 1,5% a 2%.
O Primeiro-Ministro sentiu-se autorizado a prometer a nossa colagem ao pelotão da frente no decurso de um próximo mandato. Com que verosimilhança e com que seriedade? Com a que resulta do facto de, nos últimos dez anos, termos recuperado, em relação à média comunitária, o