336 I SÉRIE-NÚMERO 12
virtualidades e vem respondendo razoavelmente aos objectivos visados, com a sua introdução ern 1966 e a sua importante reformulação em 1977.
São decorridos, porém, já 15 anos, pelo que é tempo de fazer traduzir em algumas alterações significativas os resultados da experiência da sua aplicação e as interpelações que derivam das rápidas e profundas modificações sócio-culturais que, desde então, se verificaram.
É o que se pretende com a presente proposta de lei, agora em apreciação, ela própria concretização de mais uma das medidas essenciais do Programa do Governo.
Como resulta da exposição de motivos e do articulado da proposta, importa trazer aqui, embora de forma resumida, os princípios, os objectivos e as grandes linhas das alterações que se propõe introduzir, destacando-se, entre os princípios, em primeiro lugar, o de que a criança é um sujeito autónomo de direitos, em que sobreleva o direito a um desenvolvimento harmonioso, num ambiente que exige afeição e responsabilidade e ausência de descontinuidades graves no seu acompanhamento afectivo e educacional; em segundo lugar, o de que a família, elemento essencial da sociedade, é considerada o meio privilegiado para a concretização desse direito fundamental da criança; em terceiro lugar, o de que se tem por indiscutível o primado da família nuclear natural para a concretização daquele direito no seu seio, com liberdade de opções educacionais e garantia do respeito do direito fundamental à reserva da vida privada e familiar; em quarto lugar, o de que é essencial a colaboração do Estado e da sociedade com a família para a realização do mesmo direito, sendo que, ao mesmo tempo, se toma o exercício da função parental pelos pais, não como um poder absoluto, mas como um conjunto de poderes-deveres atribuídos aos pais para a exercerem essencialmente no interesse dos filhos.
Por outro lado, implicará este carácter funcional do poder paternal a possibilidade e o dever, por parte do Estado, através de um órgão de soberania independente - o tribunal -, de delimitar ou inibir o exercício do poder paternal, quando, por acções ou omissões graves, tal exercício se afastar sensivelmente da sua referida função essencial.
Do mesmo modo que, verificados esses desvios graves, importa reconhecer á criança e à família o direito ao apoio da sociedade e do Estado para que, ern tempo útil para a criança, se tente a recuperação da função parental.
Quando, porém, essa recuperação, em tempo útil, não se mostre viável, nem por isso a família deve deixar de continuar a ser acompanhada e ajudada até para que se evite a reprodução, de geração em geração, de dificuldades graves, com sérias repercussões prejudiciais as crianças, às famílias e à comunidade.
Haverá, então, que procurar-se a melhor solução alternativa, sem demoras injustificáveis para as necessidades prementes da criança, embora sem pressas que perturbem a indispensável ponderação de todas as circunstâncias e interesses legítimos em presença.
O que tudo exige um diagnóstico interdisciplinar cuidado, base indispensável de opção esclarecida por um projecto alternativo que prossiga o interesse essencial da criança e considere os interesses justos dos elementos da comunidade, que se dispõem a colaborar para tornar viável a melhor solução alternativa.
Entre esses elementos da comunidade perfilam-se, sucessivamente: em primeiro lugar, membros da família natural extensa que, sendo familiares próximos da criança, se mostrem com vontade e capacidade para substituir os pais; em segundo lugar, candidatos a adoptantes que, recusando expedientes ilegítimos, aceitem uma selecção e um acompanhamento sérios e competentes, com vista à adopção; em terceiro lugar, casais e pessoas que, pela sua tutela ou apadrinhamento, são capazes de tomar a seu cargo a protecção e a educação da criança que não pode ser integrada adequadamente em família natural ou adoptiva; e, em quarto lugar, as organizações não governamentais, em especial as instituições particulares de solidariedade social.
Toda esta acção de detecção, diagnóstico, elaboração de projecto e sua execução exige uma acção coordenada, dinâmica e flexível, que, envolvendo os diversos agentes do Estado, designadamente os tribunais e os serviços de acção social, a família natural e a adoptiva, bem como as instituições da sociedade civil, contemple, de forma ajustada, todos os interesses legítimos em jogo, designadamente os daqueles que constituem o «triângulo adoptivo», isto é, a criança, a família natural e a família adoptiva.
Consagrados, assim, os princípios, importa definir os objectivos. E como objectivo essencial da alteração proposta, retira-se o de estabelecer mecanismos que facilitem a adopção, de forma mais clarificadora e segura para todos os intervenientes e mais capaz de satisfazer em concreto o interesse da criança desprovida de meio familiar normal, num esforço de concordância prática, que assegure o respeito pelos interesses legítimos e direitos de todos e se integre também numa perspectiva de interesse público.
Destaco, assim, entre as grandes linhas das alterações a introduzir, alguns aspectos mais significativos: desde logo, como primeira inovação, a previsão do instituto da «confiança judicial» do menor, com vista a futura adopção. A «confiança judicial» vem substituir, com vantagem, desde logo, por uma designação envolvendo menor risco de estigmatização, a declaração judicial de abandono, prevista na legislação ainda em vigor, reduzindo, porém, para seis meses o período durante o qual deve verificar-se o manifesto desinteresse pelo filho em termos de comprometer os vínculos próprios da filiação.
Pensa-se, em harmonia com os dados da experiência, os ensinamentos da sociopsicologia do desenvolvimento e ainda com um sentido actualizado da responsabilidade parental, decorrente do conceito e do conteúdo do poder paternal, que será assim melhor respeitado o interesse da criança de não ver protelada injustificadamente a definição, que lhe é essencial, da sua situação face aos pais biológicos, sem prejuízo do respeito pela posição e direitos legítimos destes.
Entretanto, para além desses casos que integram, na lei actual, o «estado de abandono do menor», tipificam-se outras hipóteses que podem fundamentar a «confiança judicial».
Relativamente à legitimidade para requerer a «confiança judicial», alarga-se a previsão actual, que apenas a atribui ao Ministério Público e à direcção do estabelecimento público ou particular de assistência onde o menor tenha sido recolhido, estendendo-a agora ao organismo de segurança social da área da residência do menor e à pessoa a quem o menor tenha sido administrativamente confiado. Assim se facilita a definição, com segurança, de situações que podem conduzir à adopção.
Para que a adopção seja decretada não é, porém, indispensável a prévia «confiança judicial».