11 DE NOVEMBRO DE 1992 337
É que, resolvendo questão controversa na jurisprudência, pretende-se que a nova lei consagre claramente a solução de permitir que, no próprio processo de adopção, se possa dispensar o consentimento, que não tenha sido voluntariamente prestado, naqueles casos que teriam permitido a prévia «confiança judicial».
E projecta-se que o faça, abolindo o termo «indignidade» do actual artigo 1981.º, n.º 4, do Código Civil, na linha da já referida preocupação de evitar expressões que envolvam desnecessários riscos de estigmatização e de culpabilização excessiva dos que não puderam, não souberam ou não quiseram assumir as suas responsabilidades parentais.
Mas se a adopção, como se disse, não está dependente da prévia «confiança judicial», a possibilidade desta revelar-se-á de grande utilidade em vários e frequentes casos, permitirá que o investimento afectivo e educacional no período de pré-adopção se processe com a segurança e a serenidade indispensáveis, sem incertezas prejudiciais ao êxito do processo de integração da criança na nova família.
É que, confiado judicialmente o menor, deixa de ser necessário, no processo de adopção, o consentimento dos pais ou dos parentes ou tutor, conforme os casos.
O novo sistema conciliará, assim, a maleabilidade e presteza de actuação com a necessária segurança e clarificação das situações, no respeito de todos os direitos e interesses atendíveis.
Por outro lado, a legislação que agora se propõe torna a adopção dependente do facto de o adoptante ler tomado o menor a seu cargo com vista a futura adopção, mediante confiança judicial ou administrativa.
A confiança administrativa resulta de decisão do organismo de segurança social competente, que entrega o menor ao candidato a adoptante ou confirme a permanência a cargo deste. Procura-se, assim, no desenvolvimento da importante actuação desses organismos, reforçar condições para evitar casos de adopções menos sérias, claras e úteis à criança, obviando a situações de clandestinidade ou a intervenções censuráveis ou prejudiciais ao interesse do menor e ainda aos interesses legítimos dos candidatos a adoptantes que aceitem o processo normal e correcto de selecção.
A «confiança administrativa», tal como está concebida, não envolve riscos sequer comparáveis com os graves prejuízos que é adequada a evitar, tendo a seu favor a tradição da acção valiosa e correcta dos referidos organismos da segurança social responsáveis por essa confiança.
E a nova lei, tendo bem presente que, por força de disposição constitucional inquestionável, só ao tribunal compete limitar o poder paternal, conterá disposições perfeitamente aptas a preservar os direitos da criança e daqueles que detêm o poder paternal ou a guarda do menor, considerando ainda os interesses legítimos dos que pretendem colaborar, adoptando.
Assim, a confiança administrativa não pode ser decidida se houver oposição de quem exerça o poder paternal ou a tutela ou de quem detenha, de direito ou de facto, a guarda do menor.
A confiança administrativa não poderá, igualmente, ser decidida nos casos em que a situação do menor é objecto de processo instaurado em tribunal competente em matéria de menores ou de família e de menores.
O organismo de segurança social deve comunicar, em cinco dias, ao magistrado do Ministério Público junto do tribunal competente em matéria de família e de menores da área da residência do menor, a decisão e respectivos fundamentos de que resulte a confiança administrativa do menor, bem como a oposição que tenha impedido a confiança.
No caso de o pretendente a adoptante ter consigo menor não confiado pelo organismo de segurança social e este não confirmar a permanência da criança a seu cargo, pode interpor recurso para o tribunal de família ou de família e de menores da área da sede do organismo de segurança social.
Este sistema, que não deixará de ser acompanhado, com vista a uma avaliação cuidada, afigura-se mais seguro e constitui um dos elementos que se pretendem introduzir para fomentar uma ainda mais saudável, dinâmica, criativa e responsabilizaste cooperação entre a família, a comunidade, os organismos de segurança social e os tribunais.
De salientar, entretanto, que poderão vir a actuar nesta área, como organismos de segurança social, nos termos previstos para estes na nova lei, as instituições particulares de solidariedade social que, dispondo de equipas interdisciplinares suficientemente dimensionadas e qualificadas em termos de recursos humanos, vejam reconhecida, em portaria conjunta dos Ministros da Justiça e do Emprego e da Segurança Social, a sua capacidade para essa actuação.
Também como inovação, sublinhe-se o ensaio de um sistema de colaboração mais activo, dialogante e coordenado entre cidadãos, famílias, organismos, instituições particulares ou oficiais que tenham a seu cargo ou conheçam crianças desprovidas de meio familiar normal e em risco e os organismos de segurança social, em ligação e cooperação com o magistrado do Ministério Público junto do tribunal competente em matéria de família ou de família e de menores da área da residência da criança.
Pretende-se o conhecimento e o estudo dessas situações, por forma a que seja possível diagnóstico interdisciplinar cuidado e sequente formulação de projecto, que viabilize: a permanência da criança na família natural ou o regresso a esta, sempre que viável; a solução alternativa possível que melhor salvaguarde o interesse da criança; a preparação da adopção, em tempo e por forma clarificada e segura, no interesse primacial da criança e com respeito pelos interesses legítimos dos outros intervenientes, quando, porventura, o estudo conclua que, no caso, deve ser essa a solução alternativa.
É claro que, fazendo parte integrante deste sistema de intervenção, situa-se também o tribunal, contudo reservado à sua função essencial e insubstituível de garantia dos direitos fundamentais e de definição coactiva das situações, ainda que ern colaboração coordenada com os outros intervenientes.
Outras inovações, entretanto, cabe ainda destacar aqui.
Desde logo, a necessidade de audiência de parentes do progenitor falecido, caso se trate de adopção de filho do cônjuge do adoptante, com vista a averiguar da conveniência do estabelecimento do vínculo. Pretende-se, desta forma, evitar que a criança perca a relação familiar com os parentes do seu progenitor falecido sem que estes fossem sequer ouvidos. Valoriza-se, assim, a função da família natural.
Depois, a possibilidade de, em casos excepcionais, modificar o nome próprio do menor adoptado plenamente, com vista a permitir uma melhor integração na nova família. Ao que acresce a admissão de recurso, para os tribunais competentes, das decisões dos organismos de segurança social que rejeitem a candidatura a adoptante.