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11 DE NOVEMBRO DE 1992 343

ações graves de penúria ou abandono de crianças. As duas grandes guerras mundiais, com o seu cortejo de menores abandonados e de órfãos, determinaram o ressurgimento da adopção na óptica do interesse da criança.
A instituição familiar conheceu, assim, mais uma transformação, com a qual se ia acentuando a importância do afecto, a sua prevalência em estruturas que, embora com dificuldades e conflitos, se iam libertando do peso dos interesses patrimoniais, até então subjacentes aos vínculos de parentesco.
Sendo assim, fruto de condições de especial gravidade vivida pelas crianças e jovens, toda a reformulação do instituto de adopção conduz-nos a interrogações sobre a situação que determina as medidas legislativas. E por pensarmos que isso é pouco, não nos ateremos apenas ao que se passa a nível nacional já que organizações internacionais têm vindo a aprovar recomendações, convenções e resoluções, salientando a importância da adopção, como forma de resolver alguns dos graves problemas das crianças. Assim acontece com as recomendações de 1987 e 1988 do Comité de Ministros do Conselho da Europa, com a Recomendação n.º 1071, de 1988, da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, com a resolução da ONU, de 1988, sobre a adopção e com a recente Convenção da ONU sobre os Direitos das Crianças. Tais documentos não deixaram de partir da constatação da gravidade dos problemas que, a nível mundial, se colocam quanto à situação da infância.
Uma recente publicação da UNESCO, de Janeiro de 1991, fala-nos dos 5 milhões de crianças de rua em África - um sinal de alarme! Vimos, aliás, algumas delas em recente reportagem televisiva. Crianças vítimas de recessão económica generalizada, da pauperização acelerada que se abate sobre o seu continente, das guerras que as afastam definitivamente dos pais. Usadas, por vezes, em guerras, pretensamente libertadoras - o que acontece, por exemplo, com as crianças que andam a mando da Renamo, como vimos na televisão -, são pequenos soldados a quem privaram de amar.
É ainda a UNESCO que alerta: crianças de rua são 30 milhões em todo o mundo, sendo 5 milhões em África.
Vergonha para o mundo neste final do século XX!
Em 1990 realizou-se na sede das Nações Unidas o Encontro Mundial de Cúpula pela Criança, no qual se assumiram obrigações, a que esteve subjacente o respeito pelo princípio da prioridade absoluta para a criança na aplicação dos recursos da sociedade. Tal como se realça no relatório, datado de 1992, da UNICEF, sobre a situação mundial da infância, «a própria essência do desenvolvimento infantil é um compromisso que todas as sociedades deveriam assumir, e manter, tanto nos bons como nos maus momentos. Esse compromisso não deveria ser abalado ern tempos de recessão económica, não deveria ser preterido pelas exigências de ajustes estruturais, não deveria ceder diante da pressão de interesses de grupos particulares [...]». Mas, de facto, conforme se adianta no relatório, o princípio da prioridade absoluta para a criança é frequentemente abandonado, nos momentos em que a criança mais dele necessita, nos momentos de grande tensão na política internacional. E os exemplos, apesar do mencionado Encontro Mundial e das obrigações nele assumidas, proliferam no relatório da UNICEF.
O Fundo de Defesa da Criança, com sede em Washington, denuncia que a proporção de crianças vivendo na pobreza nos Estados Unidos aumentou de 14 % na década de 60 para aproximadamente 22 % na época actual. Mas, acrescenta o relatório da UNICEF, aos números de escândalo da subnutrição, da miséria, somam-se ainda os 10 milhões de crianças sofrendo de traumas psicológicos causados por guerras.
No entanto, o verdadeiro massacre de crianças a que o mundo assistiu na última década - e os números constam desse relatório da UNICEF - continuou em 1991, com mais de 40 guerras que nesse ano se desenrolaram. Por exemplo, no Iraque, foram as crianças que pagaram o altíssimo preço da guerra. A taxa de mortalidade infantil aumentou aí acentuadamente.
Neste final de século, salienta-se no relatório sobre a situação mundial da infância, a participação de civis ern guerras é normalmente de 80 %, na sua maioria mulheres e crianças. E as crianças - as crianças, Srs. Deputados - são as que carregam o fardo mais pesado. É todo um futuro que, repentinamente, se cerra num horizonte sem amanhã. Charles Dickens colheria hoje, infelizmente, um inesgotável manancial para novas obras!
Perante este panorama, não admira assim que novas reflexões se venham fazendo sobre a instituição familiar, sobre o estabelecimento e conteúdo dos vínculos familiares, sobre os meios de dotar com uma família crianças em situação de crise e sobre a necessidade de facilitar o estabelecimento de parentesco por adopção.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: A reformulação deste instituto, proposta pelo Governo, vem no seguimento de diversos trabalhos, estudos e debates a que vêm procedendo todos os que trabalham na área da infância e juventude.
Confrontados, cada vez mais, com os graves problemas das crianças abandonadas, das crianças em situação de risco, das crianças maltratadas, fenómeno que vem surgindo com uma frequência preocupante, magistrados, assistentes sociais, médicos e todos os que à criança se dedicam vêm reclamando medidas que tomem possível uma melhor resposta. Temos, de facto, razões para estar preocupados.
Muitas das nossas crianças já não se assemelham hoje a «bandos de pardais à solta». Não tem um colo de pai, não sentem regressar a ternura ao fim do dia, porque nunca fizeram a sua aprendizagem. Alguns vagabundeiam, mas ainda há outros, os que trabalham duramente e que não têm, por isso, melhor sorte.
O trabalho infantil, o expoente máximo de uma situação de exploração selvagem, constitui entre nós um indicador de vergonha sobre a situação da infância no nosso país. Portugal já foi classificado como a pátria do trabalho infantil. Segundo a OIT, teremos cerca de 200 000 crianças, vítimas de soez exploração. E isto não pode ser esquecido nem calado, nem há obra de cosmética que possa esconder esta afronta, agora que se começa a preparar a Conferência Internacional sobre o Trabalho Infantil, que as Nações Unidas vão promover em 1994.
O Governo apresentou um pedido de autorização legislativa para introduzir alterações ao instituto de adopção. Estando já preparado o decreto-lei autorizado não se compreende que não tenha apresentado para discussão o próprio diploma.
A Assembleia da República já, por mais de uma vez, se debruçou sobre as questões relacionadas com a criança e está em condições de analisar, debater, alterar, se for necessário, as propostas concretas sobre a reformulação da adopção, tanto mais que a rica experiência dos nossos tribunais fornece todos os elementos que tornam possível o debate e a procura das melhores soluções, tanto mais que