344 I SÉRIE-NÚMERO 12
a Assembleia da República está em funcionamento, não podendo sequer as férias parlamentares funcionar como passa culpas, à semelhança do que acontece com alguma frequência, segundo as declarações do Governo.
Foi porque entendeu que o papel da Assembleia ficaria limitado com o mero debate do pedido de autorização legislativa, apenas enunciadora de princípios e orientações, que o PCP resolveu apresentar o projecto de lei n.º 219/VI.
As questões da adopção merecem, desde há muito tempo, a atenção do Grupo Parlamentar do PCP, que já, aquando da aprovação da Lei da Protecção da Maternidade e da Paternidade, afirmou a necessidade de se proceder à reformulação do instituto.
Em Abril de 1990, o PCP apresentou na Mesa da Assembleia da República um projecto de deliberação para que se constituísse, a nível parlamentar, um grupo de trabalho que teria como último objectivo a elaboração de um anteprojecto de alteração ao instituto da adopção. O projecto de lei do PCP incide sobre as questões que na autorização legislativa se apresentavam menos claras e que o projecto de diploma veio, depois, esclarecer aqui e além, chegando, no entanto, tardiamente à Assembleia da República, o que aconteceu, como foi dito, na passada quinta ou sexta-feira.
Relativamente à iniciativa do Governo, a proposta de lei apresenta uma diferença fundamental, já aqui focada, que é a de a confiança administrativa do menor não ser contemplada, apesar das explicações do Sr. Ministro, mas que continuamos a não aceitar, porque, sendo possível decretá-la judicialmente - e o Sr. Ministro acabou por dizer que, de qualquer forma, ficava sempre submetida à apreciação do tribunal -, é preferível remeter essa medida para os tribunais. Por outro lado, a confiança judicial já é, aliás, permitida pelo artigo 19.º da Organização Tutelar de Menores, não expressamente em relação ao processo de adopção, mas o processo de adopção permite que se lance mão desse artigo. Assim, não é, ao contrário do que o Sr. Ministro disse, confiança administrativa versus nada. De facto, essa afirmação não corresponde à verdade, pois sabe-se que o Tribunal de Menores de Lisboa tem feito largo uso desta medida em processos de adopção, com resultados francamente positivos, como afirmam os curadores de menores Drs. Rui Epifânio e António Farinha, os quais salientam também que tal medida, podendo contribuir positivamente para o processo de adopção, pode, quando mal aplicada, prejudicar essa mesma adopção.
Assim, a confiança judicial, porque é o resultado da análise dos organismos de segurança social e dos magistrados, dá melhores garantias de correcta aplicação da medida e, logo, do sucesso da adopção.
De resto, cabe agora dizer que o processo de confiança do menor - condição prévia da adopção -, destinado a obviar que os organismos de segurança social e os tribunais se vejam colocados perante verdadeiras adopções de facto, não cumprirá totalmente esse objectivo. Já que não será difícil perspectivar a continuação dessas situações que os candidatos a adoptantes poderão encarar como a melhor maneira de colocar os organismos de segurança social e os tribunais perante a habituação do adoptando a determinado meio familiar e a irremediabilidade de decretar a confiança para evitar traumas, muito embora a família candidata possa não ser a que se encontra em melhor situação para aquela criança determinada.
Não são raros os exemplos de erros de avaliação e não está em causa a credibilidade dos organismos de segurança social. O que pode estar em causa são os meios com que eles são dotados, as dificuldades que têm em responder às várias solicitações, porque, de facto, os trabalhadores desta área sentem essas dificuldades e, perante as medidas que o Governo anuncia, far-se-ão sentir, seguramente, mais ainda. Mas não são raros os exemplos de erros de avaliação, tão fáceis, quando estão em causa perfis psicológicos e sociais.
Alguns casos, vindos a lume, quanto ao acolhimento familiar, já não quanto à adopção, fazem suspeitar que este instituto é por vezes encarado pela família de acolhimento como uma forma de suprir faltas no orçamento familiar. E esses casos só são detectados, e só têm sido detectados, depois de algumas situações serem apresentadas no tribunal, pondo em causa e em risco crianças. Esses exemplos revelam-nos a falibilidade dos juízos nesta matéria e mostram que continuará a pôr-se a questão da reforma de mentalidades, ainda que se condicione a adopção à confiança judicial do menor. Os candidatos a adoptantes devem, realmente, estar convencidos de que a adopção tem como finalidade última a felicidade da criança e não a resolução dos seus problemas pessoais.
De resto, o próprio Governo sabe e traduz no seu projecto de decreto-lei a convicção de que vai continuar a haver situações de facto que vão conduzir a adopção e que se desenrolam à margem dos organismos da segurança social. Como já referi nas questões que coloquei, há dois artigos do Código Civil, para os quais o Governo propõe alteração, aceitando situações de facto sem que haja lugar à confiança judicial do menor. São os casos em que se fala no acolhimento do menor em que já não é possível revogar o consentimento, impossibilidade que, de resto, também não é total, na medida em que, se não for requerida a adopção no prazo estipulado, a situação é reexaminada podendo o consentimento ser revogado.
O projecto de lei do PCP introduz ainda algumas alterações no que toca à declaração judicial do estado de abandono com vista a facilitar a declaração daquele estado, resolvendo problemas que a jurisprudência deixou por solucionar nos casos em que haja manifesto desinteresse dos progenitores relativamente à criança.
E, para além de outras alterações processuais, o projecto de lei, no seu artigo 1.º, toma possível a adopção naqueles casos em que ela ficaria inviabilizada pela morosidade dos tribunais. Com efeito, é lamentável constatar que a falta dos meios necessários por parte dos tribunais conduziu a que algumas crianças não fossem adoptadas, embora na altura em que a petição deu entrada no tribunal estivessem reunidos todos os requisitos para a adopção. Mas, tendo esses processos demorado anos, as crianças não puderam ser adoptadas no momento da sentença.
Os tribunais estão desprovidos de meios, mas ouvimos o Sr. Ministro da Justiça anunciar, já há algum tempo, que o círculo - e não o tribunal de círculo - seria uma estrutura que permitiria muita coisa aos tribunais. O círculo poderia servir, como é óbvio, para a criação de serviços que possibilitassem que a decisão dos tribunais tivesse a menor margem de erro possível. Infelizmente, o círculo não serve para essa finalidade, existe no papel servindo para sediar apenas um tribunal.
O projecto de lei do PCP alarga, finalmente, aos candidatos a adoptantes o regime do direito a faltar ao trabalho para assistência a menores doentes.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Todos afirmam que a adopção é apenas uma das