362 I SÉRIE -NÚMERO 13
ria sobre o trabalho da Organização do 46.º até ao 47.º período de sessões da Assembleia Geral.
Este último documento é uma espécie de relação, a beneficio de inventário, da herança da época que findou com a queda do Muro de Berlim, em 1989. Neste relatório, que foi complementado, com algum sabor tecnocrático, por um compêndio, Notas para Oradores, de 1992, vêm os principais conflitos em curso, nos quais a ONU está envolvida, sobretudo em operações de paz. Os cinco mais típicos, seleccionados pela ONU como representando o pico da gravidade e das ofensas aos princípios e à paz, são os do Camboja, de Angola, da Sumália, de El Salvador e da Jugoslávia. Não existe qualquer referência a Timor.
No entanto, o que merece reparo maior é a inexistência de uma linha referente ao grande tema da autodeterminação, que teve lugar tão destacado na Carta e preenche algumas décadas de intervenção das Nações Unidas. É difícil enumerar a Jugoslávia entre os cinco conflitos maiores e esquecer o capítulo da autodeterminação. É difícil anotar o fim da guerra-fria como facto divisor de épocas e esquecer, perante a evolução dos antigos territórios soviéticos, o problema da autodeterminação.
É impossível deixar de apontar a grave omissão, porque ela ajuda a remeter para a categoria de povos dispensáveis todos aqueles - e são certamente, nesta data, mais de 50 milhões de pessoas - que ainda não conseguiram voz internacional. Por isso, neste dia em que se debate a situação em Timor, um ano após o massacre de Santa Cruz, temos de proclamar que o povo de Timor não é um dos povos dispensáveis pela comunidade internacional, que o capítulo do direito à autodeterminação da Carta das Nações Unidas não caducou e que a ordem dos interesses das grandes potências não coincide com a ordem jurídica internacional.
Por isso mesmo, também, não podemos consentir que a questão seja definida como um conflito entre Portugal e a Indonésia. É um conflito entre a Indonésia e a comunidade internacional, uma rebelião da Indonésia contra a Carta das Nações Unidas, uma responsabilidade do cargo de Secretário-Geral das Nações Unidas e o resultado de uma cumplicidade de interesses, entre outros, dos Estados Unidos da América, em face do seu poderoso aliado que é a Indonésia, e da Austrália, a executar o seu novo conceito estratégico de se tomar asiática, solidária com o seu poderoso vizinho co-interessado no petróleo, o que, tantas vezes, é uma calamidade que acontece aos povos pobres.
Portugal, como potência administrante, é a voz do povo de Timor, procede correctamente querendo o diálogo com o agressor, porque esta é a obrigação derivada da Carta, mas não pode renunciar a nenhum direito ou interesse do povo de Timor, porque apenas o representa Em suma, o Secretário-Geral da ONU não tem de tender para uma posição de arbitragem, mas deve, pelo contrário, assumir uma directa intervenção em nome da comunidade internacional contra a qual a Indonésia está em rebelião.
Não estamos aqui, nesta Casa, apenas para lembrar as vítimas do massacre que se inscreve no crime contra a humanidade, que é o genocídio em curso. Não estamos, aqui, apenas para reafirmar o total comprometimento português no processo de salvação do povo de Timor e o total compromisso de todas as forças políticas e da sociedade civil portuguesa a favor da autodeterminação dos Timorenses. Não estamos, aqui, apenas para, claramente, condenar as violações dos direitos do homem, em curso de execução. Também queremos exercer o direito de membros da ONU para exigir que o capítulo da autodeterminação não tenha leituras variáveis ou que seja remetido para o silêncio. E estamos aqui para não deixar esquecer que a responsabilidade primeira por esta situação pertence à Assembleia Geral e ao Secretário-Geral da ONU; para lembrar que os nossos aliados na NATO e parceiros na Comunidade Europeia não podem ter políticas internacionais comuns com leituras diversas e que a política escolhida os obriga a todos, sem leituras privilegiadas para os mais poderosos. Estamos ainda aqui para proclamar que não existem povos dispensáveis e que o destino dos Ibos ou dos Curdos não pode repetir-se, nesta anunciada nova era da ONU, que está a cargo de uma nova dinastia de responsáveis.
E, repetindo a adesão das instâncias políticas portuguesas aos princípios da Carta das Nações Unidas, também devemos manifestar o realismo político orientado pela percepção da conjuntura. É com tal realismo que apelamos à nova Administração dos Estados Unidos e à Austrália para que reconsiderem a sua política de relações com a agressiva Indonésia. A intolerável declaração de que os factos estão consumados precisa de ser revista Entretanto, aquilo que não terá revisão - e nisso acreditamos - é o total comprometimento português com a representação e defesa intransigente dos direitos do povo de Timor. Não são apenas, neste caso, os mortos que mandam. Também manda o futuro anunciado de uma nova maneira de viver e de uma nova paz.
Aplausos do CDS, do PSD, do PS e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Passou um ano sobre o massacre de Díli. As imagens do Cemitério de Santa Cruz, em 12 de Novembro de 1992, ficaram na nossa memória como o retraio da tragédia por que passa o povo timorense, desde há 17 anos, sujeito à barbárie da ocupação indonésia
A chacina que as forças de ocupação indonésia, então, praticaram no Cemitério de Santa Cruz, quando o povo acompanhava, pacificamente, o funeral de um jovem que essas mesmas forcas haviam assassinado, tornou conhecida em todo o mundo a verdadeira face de uma política de genocídio que, ao longo dos últimos 17 anos, foi responsável em Timor Leste pela morte de mais de 200 000 pessoas.
As imagens trágicas da barbárie indonésia, ocorrida no Cemitério de Santa Cruz, comoveram e indignaram milhões de pessoas por todo o mundo. O apelo do povo timorense começou a ser escutado onde, até então, não era A consciência da humanidade foi alertada para o martírio do povo maubere.
A condenação universal do massacre de Santa Cruz tornou inevitável o fim do alheamento generalizado da comunidade internacional sobre o problema de Timor Leste. Obrigou muitos governos a quebrar o silêncio cúmplice em relação à ocupação indonésia Abriu uma nova perspectiva à luta de libertação do povo timorense e aumentou a responsabilidade solidária de Portugal para com essa justa luta
Não obstante as imagens da barbárie indonésia terem corrido o mundo, apesar da repulsa pelo crime cometido, a veemência dos protestos que motivou e a variedade dos apelos que foram dirigidos ao Governo de Jacarta, este continua a ignorar as resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas que proclamam o direito inalienável do povo de Timor Leste à autodeterminação e à independência