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364 I SÉRIE-NÚMERO 13

Quando lá voltei, tinha deflagrado uma guerra civil, que, por ironia, foi desencadeada pelo partido político que mais ligado a Portugal se encontrava e que mais defendia futuras ligações a Portugal. Julgou que poderia vencer a guerra, mas foi vencido e pelo partido político que, tendo-se deixado impressionar pelas modas da época, no espaço português, e pelo entusiasmo um pouco utópico de alguns militares que julgavam que era seu dever e que era bem para o povo de Timor serem aliciados para as suas próprias ideias e programas de governo e de vida, acabaram por convencer a Indonésia de que eram favoráveis a um regime de esquerda comunista. Não creio que fosse assim, mas, de qualquer modo, a Indonésia, a partir daí, assumiu o projecto de fazer em Timor o que tinha feito na sua própria casa, onde chacinou, matou, assassinou 500 000 indonésios, sob o pretexto, talvez em parte verdadeiro ou talvez em parte falso, de serem adeptos de uma solução comunista.
A Indonésia não quis aceitar a força multinacional que lhe propus e contrapropôs-me que só Portugal e eles próprios interviessem como força de paz. Percebi que queria que lhe déssemos um salvo-conduto para intervir em Timor e ficar lá pela nossa mão. Não tinha poderes para concordar com isso e não poderia, de modo algum, concordai' com isso, pelo que não foi possível, nessa altura, encontrar uma solução militar para fazer a paz em Timor.
Quando se deu a guerra civil, a UDT, que foi vencida, refugiou-se no território da Indonésia e esta convenceu-a a solicitar-lhe que interviesse militarmente em Timor. Foi essa a falsa legitimidade com que perpetrou a ocupação e chacinou, então, 200 000 Timorenses. Estamos, aqui, a lamentar a morte de 200 000 Timorenses no Cemitério de Santa Cruz! Associo-me a esse lamento e ele teve o simbolismo que lhe pôde emprestar o facto de esse fenómeno ter sido filmado e de esse filme ter corrido o mundo.
Mas, antes disso, perante a indiferença do mundo e, de algum modo, perante a nossa indiferença, chacinaram 200 000 timorenses e praticaram um acto de genocídio, sem precedentes, para com um povo pequeno e indefeso, como era o povo de Timor.
Nas reuniões da União Interparlamentar, sempre que tenho a possibilidade de falar, uso da palavra para acusar a Indonésia pela sua actuação em Timor Leste. E durante muito tempo, a comunidade internacional, ali representada por 100 parlamentos nacionais, questionou-me: mas o que é isto de Timor Leste? Você está tão zangado porquê? Mas o que é que a Indonésia fez de mal? Nem sequer sabia o que era Timor Leste e a Indonésia, já tinha chacinado 200 000 timorenses. Ao fim de algum tempo, começaram a saber o que era Timor Leste, quem era a Indonésia e, de cada vez que eu falava, a Indonésia usava o seu direito de defesa - aliás, ainda agora assim faz -, a cada passo, para me dizer que estivemos em Timor 500 anos e não fizemos nada, enquanto eles já fizeram não sei quantas escolas, não sei quantas pontes, não sei quantas estradas. A isto replico sempre: não trocamos direitos humanos, nem o direito à liberdade e à vida por betão armado! E denuncio a incompreensão e a intolerância daquele povo perante aquele fórum de parlamentos, supostamente democráticos, mas é evidente que a maior parte deles não são.
Bom, hoje, penso que, após o que aconteceu no Cemitério de Santa Cruz, a comunidade internacional está consciente do que se passa em Timor, mas continua, em grande maioria, a praticar uma hipocrisia inaceitável.
As declarações do novo Presidente dos Estados Unidos da América, Clinton, justificam alguma esperança, mas, até agora e durante muito tempo, a Indonésia prestou aos Estados Unidos da América o alto serviço de ser o tampão contra a expansão da União Soviética e da China naquela área do mundo.
A Austrália está coacta, tem medo da Indonésia. A Austrália tem um continente e apenas 15 milhões de habitantes, ao passo que a Indonésia tem 13 000 ilhas e 280 milhões de habitantes. A teoria do espaço vital ainda pode, um dia, fazer acordar a Indonésia para ir pedir um pedaço daquele continente imenso, pelo que a Austrália vive apavorada.
E, quando fui lá pedir a concordância para a tal força multilateral, a Austrália disse: "Não nos peçam nada que possa desagradar à Indonésia! Compreendam a nossa situação aqui."
Penso que a Indonésia, hoje, já não desempenha esse papel de tampão à expansão soviética (que já não existe) e provavelmente também já não da expansão chinesa, mas continua a ser uma potência enorme daquela área, uma das maiores do mundo, continua a ser uma potência económica produtora de petróleo, continua, portanto, a justificar a hipocrisia daqueles que defendem o direito à autodeterminação dos povos, o direito à vida, mas que, depois, apertam a mão e colaboram, cooperam e fazem negócios com a Indonésia.
Tive oportunidade, também, e mais do que uma vez, de chamar hipócritas àqueles que defendiam os direitos humanos e a autodeterminação e, depois, no corredor, apertavam a mão à delegação da Indonésia.
Queridos amigos, este povo precisa do apoio da comunidade internacional, não um apoio teórico ou folclórico, como, em parte, tem acontecido até agora, mas um apoio efectivo que se baseie na defesa dos direitos humanos, que, felizmente, vão ganhando cada vez mais força. Começaram por ser o sonho utópico de alguns sonhadores, que muito admiro, e foram ganhando uma força que é, hoje, superior à da bomba de Hiroxima. Já destruíram muitas ditaduras, já apearam muitos ditadores e, com essa nova religião dos direitos do homem, com validade crescentemente universal, fará também ajoelhar o regime da Indonésia.
Não tenho dúvida de que, mais tarde ou mais cedo, sobretudo se o povo de Timor Leste conseguir manter a chama de amor à liberdade e à independência que tem mantido, os direitos humanos vão derrotar a Indonésia. É esse o nosso filão: responsabilizar aqueles que violam os direitos humanos, que praticam o genocídio de povos indefesos, que procuram roubar-lhes a identidade nacional, a cultura, a religião, e destruir-lhes a alma e fazer que os direitos humanos, essa nova religião, na sua máxima potencía, destruam as ditaduras e os ditadores que ainda restam e possam deitar abaixo os muros de pedra, os muros de vergonha e os muros de pressão que ainda existem por esse mundo fora.
Queridos amigos, eu, em Timor, comovi-me até as lágrimas! E tenho para com aquele povo uma dívida de gratidão que não consigo pagar, gratidão porque eu era ministro português e testemunhei um invulgar amor a Portugal. Quando lá fui, ainda consegui convencer a UDT e a FRETILIN a fundirem-se, dizendo-lhes que, para poderem combater a Indonésia e a APODETI, era preciso que estivessem unidos. Uniram-se, mas, logo a seguir, desuniram-se. E, depois, a guerra que se desencadeou entre eles foi possível porque a UDT, a tal que nos era mais favorável, resolveu assaltar o nosso comando de polícia, levando armas e o próprio comandante. Julgou-se que ele tinha sido sequestrado e, mesmo nessa suposição, as autoridades de então preferiram dialogar a praticarem um acto de força, que estava perfeitamente ao seu alcance e que teria, talvez, resolvido o problema. Depois, veio a verificar-se que esse militar, que se su-