13 DE NOVEMBRO DE 1992 363
A ditadura do general Suharto, em ostensiva demonstração de desrespeito pela Carta das Nações Unidas e por tomadas de posição da Assembleia Geral e do Conselho de Segurança da Organização, insiste em sustentar que a anexação de Timor Leste é um facto consumado, sendo aquele território a 18.º província da República Indonésia.
A poucas semanas do início das conversações, na ONU, entre os Ministros dos Negócios Estrangeiros de Portugal e da Indonésia, que vão decorrer sob os auspícios da ONU, importa alertar para a contradição antagónica existente entre a posição concreta do Governo de Jacarta relativamente a Timor Leste e a atitude assumida pelo Presidente Suharto ao discursar, em Jacarta, perante a Cimeira dos não Alinhados, em Setembro último. Afirmou, então, o Presidente Indonésio que o seu país defende, com intransigência, a necessidade de um respeito absoluto pelos direitos dos povos débeis, agredidos por vizinhos poderosos. Mais: o general Suharto sustentou, no encerramento daquela Cimeira, o direito, sem restrições, à autodeterminação e à independência de nações vítimas de ocupações ilegítimas realizadas pela força.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Neste ano que passou, após o massacre de Santa Cruz, se é justo salientar o impulso significativo que foi dado ao movimento nacional e internacional de solidariedade para com o povo de Timor Leste, é também indispensável referir a hipocrisia com que muitos governos aliados de Portugal e autoproclamados paladinos dos direitos humanos se tem comportado em relação à questão timorense.
Ao assinalar o aniversário do massacre de Santa Cruz, não podemos deixar de assinalar, também, a cumplicidade dos governos de países como os Estados Unidos, a Grã--Bretanha, a Holanda, a Austrália, o Canadá ou o Japão, em relação à ocupação de Timor Leste pela Indonésia a sua débil condenação do massacre de 12 de Novembro a sua satisfação perante as conclusões de falsos inquéritos ilibatórios da responsabilidade dos militares indonésios nesse e noutros crimes, o seu nulo empenhamento em que, no caso de Timor Leste, sejam cumpridas as resoluções das Nações Unidas.
Ao assinalar o avanço, a nível nacional e internacional, do movimento de solidariedade para com a luta do povo de Timor Leste pela autodeterminação e independência, não podemos deixar de assinalar também que muito mais poderia e deveria ter sido feito pelo Estado Português, considerando as responsabilidades inalienáveis enquanto potência administrante do território de Timor Leste.
Não podemos deixar de lamentar, neste momento, o facto de Portugal, recentemente, ter ocupado, durante seis meses, a presidência das Comunidades Europeias, sem que essa oportunidade tenha sido aproveitada para colocar a questão de Timor Leste no centro das preocupações comunitárias.
Não podemos, de igual modo, deixar de lamentar que a proposta, aqui apresentada - faz amanhã um ano -, pelo presidente do Grupo Parlamentar do PCP, da realização, por iniciativa da Assembleia da República, de uma conferência interparlamentar sobre Timor Leste não tenha tido o seguimento que se impunha.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A juventude portuguesa fez sua a causa do povo de Timor Leste. Neste último ano, os jovens portugueses fizeram sentir, pelas mais diversas formas, a expressão da sua solidariedade para com o martirizado povo maubere.
Em nome do Grupo Parlamentar do PCP, saúdo fraternalmente todos os jovens portugueses que, através das mais diversas iniciativas, têm erguido a voz em nome do direito do povo de Timor Leste à autodeterminação e à independência e que, hoje mesmo, por todo o País assinalam o aniversário do massacre de Santa Cruz.
Ao prestar, hoje, sentida e justa homenagem à memória das vítimas do massacre de Santa Cruz e expressar a sua total solidariedade à luta pela liberdade travada pelo heróico povo maubere, o Grupo Parlamentar do PCP chama, mais uma vez, a atenção para o farisaísmo da política do Estado Indonésio, que pede para os outros as liberdades e os direitos que nega a Timor Leste e proclama a sua firme intenção de desenvolver todos os esforços para o pleno reconhecimento dos inalienáveis direitos do povo de Timor Leste.
Aplausos do PCP, do PS, do CDS, de Os Verdes e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tenho muita honra em associar-me, pessoalmente e em nome do meu grupo parlamentar, a este debate e, naturalmente, em votar a favor da deliberação final sobre a situação de Timor Leste.
Trata-se de um problema que me emociona sempre, porque visitei Timor Leste, quando era ministro - dizem-me até, não sei se com verdade, que fui o primeiro ministro português a visitar Timor, o que já dá uma imagem do interesse que pudemos alimentar, durante séculos, pelo território- e depois de ter deixado o cargo, aquando de uma missão, que entendi dever assumir, para fazer uma tentativa de pôr termo à guerra civil que tinha, entretanto, deflagrado, e em que passei pela ONU, onde consegui a autorização para poder dispor de um grupo de "capacetes azuis", e depois pela área da Indonésia, Austrália e Filipinas, para conseguir uma força multinacional que, sob a liderança do exército português, entrasse em Timor para fazer a paz.
Nessa altura, pude verificar até que ponto ia o quase fetichismo amoroso pela bandeira portuguesa. Nunca soube explicar aquele fenómeno, aparentemente de amor sem limite, pela bandeira portuguesa e também de respeito pelo povo português. Penso que a primeira coisa que devo realçar é a de que o povo de Timor Leste, quer na última Grande Guerra, em que resistiu heroicamente ao exército japonês, infelizmente, abandonado pelo povo português que assumiu uma política de neutralismo, quer, agora, mais uma vez, em face do povo da Indonésia, está a construir, a desenhar e a escrever o mais belo hino de amor à liberdade, que algum povo já foi capaz de escrever.
Devo dizer-lhes que, quando visitei Timor, pude constatar esta coisa singular: aquele povo heróico, que é capaz de heroísmos inultrapassáveis, conviveu e resistiu, quase sem violência, durante cinco séculos, ao domínio colonial português, não porque tivéssemos feito nada de especial por ele, nada ou quase nada pelo seu progresso, pois deixámo-lo praticamente na situação em que o encontrámos, com ligeiras diferenças, como é óbvio, mas porque fomos capazes de preservar e de respeitar a sua identidade cultural e religiosa, como povo.
Creio que só isso fez que, durante cinco séculos, convivessem connosco, tendo desde já, obviamente, o heroísmo que depois vieram a revelar. Não creio que fosse possível a Portugal manter cinco séculos de domínio, se não houvesse da parte do povo timorense, efectivamente, um laço de afeição para com o povo português.