O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

418 I SÉRIE - NÚMERO 14

A ideia, aparentemente utópica e seguramente revolucionária, da aldeia planetária está aí, já concretizada em muitos domínios e em concretização vertiginosa noutros.
As próprias Comunidades Europeias, que nasceram sob o signo de um mercado comum, em apenas algumas décadas saltaram para o patamar de um mercado único, e já em projecto aspiram a ser uma união económica e monetária in itinere para uma união política.
Compreendo a resistência da rotina à inovação e daí a reacção daqueles que, animicamente moldados no quadro de um Estado soberano de modelo clássico, tendem a sobrepor os valores do presente e do passado à erupção de ideias e de modelos portadores de futuro.
Mas não tenho a menor dúvida de que lutam debalde contra os determinismos da evolução. A unidade política não tende para a balcanização, pesem as rearranjos ocasionais resultantes do deslaçar de espartilhos por longo tempo inveterados. Tende sim para o alargamento ao nível das cúpulas, corrigido pela autonomização progressiva, sem quebra de unidade de escalões intermédios e até periféricos. E a própria União Europeia, que é também a Europa das regiões, uma vez politicamente consumada, representará apenas um estádio da evolução para a planetização progressiva dos centros de decisão.
A ideia utópica do «mundo só» tende a converter-se ern realidade. Neste contexto, afigura-se-me de certo modo bizantina a discussão entre federalistas e não federalistas. Que uns queiram prolongar, no quadro de uma confederação ou de uma simples união adjectivada, a fase do Estado-nação é tão compreensível como outros quererem desde já antecipar o futuro, bem certos de que princípio federador sempre o haverá e de que, pela natureza das coisas, tenderá a federar, ou seja a unificar, cada vez mais.
Dito isto, não acompanho os que pretendem ver na presente revisão um conjunto de inovações de diminuto significado. Se é limitado o número de dispositivos constitucionais mexidos, nem por isso deixam eles de consagrar uma autêntica revolução político-constitucional. Tomemos consciência disso. Basílio Teles volta a não ter razão quando disse que «fabricar Constituições é tarefa minúscula e platónica». Como pode errar-se tanto sendo-se tão inteligente!...
O modelo do Estado-nação dotado de prerrogativas absolutas de soberania com que o nosso país se identificava pertence já ao passado. Não irreversivelmente, é certo. A todo o tempo poderemos, se for essa a vontade colectiva dos Portugueses, retomar o modelo clássico. Mas a dinâmica dos interesses obstará sempre à concretização desse recuo.
Pertenceremos então, mais do que nunca, a partir da execução do Tratado de Maastricht, a um espaço económico, monetário e crescentemente político, com órgãos de decisão próprios em domínios cada vez mais relevantes, nos quais a nossa vontade é apenas uma entre várias que procuram reconduzir-se à unidade ou à maioria.
Perda de soberania? Sim e não. Sim, porque abdicamos de exercer sozinhos prerrogativas que eram exclusivamente nossas. Não, porque passamos a exercê-las conjuntamente com outros que puseram em comum connosco iguais prerrogativas. Não ainda porque deixámos implícita uma cláusula de direito ao arrependimento. E se for? Alguém tem dúvidas de que a soberania clássica não é já hoje, e tende a ser cada vez menos, uma realidade dos nossos dias? Queremos iludir-nos ou adaptar-nos? Eis a questão.
Curiosamente, feriram os sentimentos de alguns portugueses os aspectos do Tratado com os quais mais claramente se identifica, em meu entender, o interesse nacional.
Refiro-me à previsão de uma cidadania europeia, comum a todos os cidadãos dos Estados membros. Reagem a partir de um conceito de cidadania ligado ao território. Mas por que não ao sangue, como já hoje, entre nós, predominantemente acontece? E por que não a uma comunhão de valores cívicos e culturais? E por que não, nas longas do amanhã, à comum condição humana? Não há já hoje valores e direitos de validade universal? Não é crescente a consciência que temos da nossa aventura comum sobre a terra e da necessidade de nos vincularmos - todos sem excepção - à preservação dos equilíbrios naturais? Não se reclamaram alguns dos melhores espíritos da condição de «cidadãos do mundo»? Portugal é o país da Comunidade Europeia com mais emigrantes nos outros Estados membros. Será que estes não exigem de nós que lhes asseguremos os direitos e a protecção que a cidadania europeia assegura?
Refiro-me também à previsão de uma moeda única. De repente, o escudo pareceu assumir o valor simbólico do hino e da bandeira. Ouço referir um medo pânico da supremacia do marco. Pois entendo eu que é precisamente esse receio, em parte justificado, que melhor justifica a sua fusão numa só moeda europeia, e que com essa fusão se identifica a melhor defesa das moedas de economias fracas, como é, no contexto comunitário, o caso da nossa. E terá lógica, ou será mesmo possível, um mercado único com uma pluralidade de moedas?
Refiro-me, enfim, à previsão de políticas comuns de relações externas e de defesa. Quereremos nós ser francos e reconhecer que nunca tivemos uma política externa verdadeiramente autónoma e não satelizada? Estaremos nós em condições de reconhecer que, em termos de defesa autónoma, o que nos vale é não termos inimigos?
O mais polémico não resiste assim, ou resiste mal, a confrontar-se com elementares evidências. Para além disso há no projecto de construção da unidade europeia, e desde já na sua fase económica e monetária, garantias de apoio ao nosso país - ern parte já concretizado - e de representação, desenvolvimento, segurança e projectos de vida comuns, que só o regresso dos ouvidos moucos aos conselhos do «velho do Restelo» permitiria menosprezar.
Já se disse que a tarefa das Constituições é «indicar objectivos, mais do que consagrar Estados de facto». Esta revisão preenche os dois requisitos. Constitucionaliza o caminho europeu andado e define para Portugal, constitucionalizando-o, o caminho por andar da construção da unidade europeia. Para além de um sinal de empenhamento no reforço da unidade europeia, que já dela constava, constitucionaliza-se agora a possibilidade de convencionar o exercício em comum das competências necessárias à construção da unidade europeia, que assim fica de igual modo constitucionalizada. Ficam assim criados os instrumentos jurídico-constitucionais da concretização desse projecto de um futuro comum para países europeus unidos historicamente por laços de convivência e de cultura.
Eis, caras colegas, o maior projecto sócio-político de sempre! Que outro mais mobilizador e apaixonante? Grave seria o risco se nos resignássemos a entrar no século que começa, tão prenhe de modernidade, apenas com as obsoletas alfaias políticas e jurídicas do século que finda.
A possibilidade de atribuição a estrangeiros residentes no território nacional, em condições de reciprocidade, da capacidade eleitoral para a eleição dos titulares de órgãos