430 I SÉRIE - NÚMERO 14
jectivo de permitir a transferência de poderes soberanos do Estado Português para órgãos comunitários; a alteração ao artigo 105.º, relativo ao Banco de Portugal, por forma a limitar o estatuto do banco central nacional em função dos ditames da união económica e monetária, retirando-lhe o exclusivo da emissão de moeda ern território português; a consagração no artigo 15.º do direito de os cidadãos residentes em Portugal elegerem e serem eleitos para as autarquias locais e a concessão de igual direito aos cidadãos originários de países comunitários nas eleições para o Parlamento Europeu, e, ainda, a questão dos poderes da Assembleia da República, inicialmente colocada a nível do artigo 164.º, relativo à competência política e legislativa, mas que o PS aceitou relegar para um lugar e alcance bem mais modestos, no artigo 166.º, que regula a competência da Assembleia quanto a outros órgãos.
São estas as quatro ordens de questões que abordarei de seguida.
Como disse, a primeira questão é relativa à transferência de poderes de soberania, à luz da redacção proposta para o artigo 7.º e à luz das disposições do próprio Tratado. Propõem o PSD e o PS que, nos seus termos exactos, Portugal possa, em condições de reciprocidade, com respeito pelo princípio da subsidiariedade e tendo em vista a realização da coesão económica e social, convencionar o exercício em comum dos poderes necessários à construção da união europeia. O objectivo visado com o aditamento desta disposição é claro: trata-se de permitir que as graves mutilações da soberania nacional que decorrem do Tratado de Maastricht possam invocar cobertura constitucional.
O PSD e o PS pretendem arredar os obstáculos constitucionais ao envolvimento de Portugal num processo de integração de orientação marcadamente federalista, caracterizado, entre outros aspectos, pela adopção como regra de decisões por maioria, pela criação de uma política monetária única e de uma moeda única, pela institucionalização de um Banco Central Europeu cujas decisões se sobreponham não só aos bancos centrais nacionais mas aos próprios Estados, pela imposição de regras vinculativas aos orçamentos nacionais e pela atribuição de personalidade internacional aos órgãos da União no âmbito das políticas externa e de defesa, áreas particularmente sensíveis para a independência nacional.
O quadro institucional supranacional desenhado em Maastricht, com a criação de novas instituições supranacionais, a generalização da regra da maioria qualificada nos processos de decisão, paralelamente à implementação de políticas únicas e ao alargamento do âmbito das políticas comuns, significa, sem qualquer dúvida, a institucionalização do direitos de os Estados mais ricos e poderosos poderem impor a sua vontade aos Estados mais pequenos e menos desenvolvidos. Não se trata de aprofundar a cooperação entre os Estados europeus no quadro das Comunidades Europeias, nem sequer de construir a unidade europeia assente em nações livres e Estados soberanos e iguais. Trata-se da opção por uma «união europeia» assente em bases federalistas, com a consequente perda da autonomia politica, da independência e da soberania nacionais e com grave empobrecimento da democracia.
O que basicamente está colocado com o Tratado de Maastricht é o abandono pelos Estados membros dos seus poderes soberanos em áreas fundamentais e a transferência desses poderes para instituições e órgãos de decisão supranacionais, que não são politicamente responsáveis perante os parlamentos nacionais e os povos de cada um e de todos os Estados membros. Não deixa de ser significativo que os termos acordados entre o PSD e o PS, para viabilizar estas graves mutilações de soberania, procurem fugir, na sua formulação, aos termos chocantes que correspondem à realidade decorrente do Tratado de Maastricht. Por essa razão, e para todos os efeitos, é importante registar os termos exactos que forem aprovados.
Importa ainda registar que Portugal continua a reger-se, no plano internacional, pelos princípios da independência nacional, do respeito dos direitos do homem, do direito dos povos à autodeterminação e à independência, da igualdade entre os Estados, da solução pacífica dos conflitos internacionais, da não ingerência nos assuntos internos dos outros Estados e da cooperação com todos os outros povos para a emancipação e progresso da humanidade. Tais princípios, a par dos laços especiais de amizade e cooperação com os países de língua portuguesa, não poderão ser preteridas na acção do Estado Português no âmbito das Comunidades Europeias e dos seus posteriores desenvolvimentos.
A segunda questão é a seguinte: o PSD e o PS acordaram em retirar ao Banco de Portugal o exclusivo da emissão de moeda em território nacional, visando possibilitar que essa emissão se faça nos termos previstos no Tratado que apontam para a mera execução no território nacional das decisões de emissão monetária tomadas pelo Banco Central Europeu. Esta limitação do estatuto do Banco de Portugal está evidentemente relacionada com a concretização da união económica e monetária, peça básica do Tratado de Maastricht, tendo como objectivo último a criação de uma moeda única, a que o Tratado pretende conferir carácter irreversível. A UEM tem como objectivos expressos a criação de uma moeda única, a adopção de uma política monetária e de uma política cambial únicas, a coordenação das políticas económicas nacionais e o condicionamento das políticas orçamentais nacionais.
O objectivo da moeda única, que o PS e o PSD aceitam e pretendem consagrar - o que não acontece, saliente-se, com todos os Estados da Comunidade e são conhecidas, para além do não da Dinamarca, as reservas da Grã-Bretanha à UEM -, evidencia a natureza federal da chamada «União Europeia». As políticas monetária e cambial únicas, tendo como objectivo primordial a manutenção da estabilidade dos preços, subordinariam todas as políticas económicas da Comunidade e seriam definidas e conduzidas por um Banco Central Europeu que condicionaria a política económica dos Estados membros. O BCE, de que o Banco de Portugal passaria a ser mera dependência executiva, seria independente dos poderes políticos nacionais e comunitários e a sua comissão executiva seria composta por seis membros, nomeados de entre personalidades de reconhecida competência.
Sintetizando, o essencial da política económica e financeira da União e dos Estados membros seria dirigido por uma instituição supranacional politicamente irresponsável perante os parlamentos e os povos dos Estados membros. É, porém, evidente que o BCE não deixaria de estar sujeito às relações de poder político e económico dos grandes países e à pressão das multinacionais e dos interesses dominantes das mercados financeiras. No quadro da UEM, a coordenação das políticas económicas nacionais concretizar-se-ia através das orientações gerais definidas pelo Conselho Europeu com base nas propostas do ECOFIN, deliberadas por maioria qualificada e sob recomendação