6 DE MARÇO DE 1993 1603
dos e testemunhados por vários cidadãos a propósito de conflitos verificados entre claques desportivas - e a que, na minha perspectiva, os dirigentes dos clubes souberam de alguma forma pôr cobro ou minimizar - têm uma explicação, que não apenas nós como os técnicos competentes em matéria de segurança, temos vindo a apreciar um pouco por todo o lado na Europa, naturalmente que também em Portugal e, inclusive, nos serviços a que V. Ex.ª, Sr. Secretário de Estado, superintende.
O controlo da segurança nos recintos desportivos é difícil, implica soluções complexas e tem originado uma evolução na apreciação da forma como deve ser prosseguido. Lembramos que, ainda há relativamente poucos anos, as soluções encontradas quando a violência aconteceu de forma muito forte, nomeadamente nos estádios de futebol, foi quase no sentido de dar-lhes um ar e ambiente de quartel, enchendo as margens dos recintos verdes com contingentes de tropa e de forcas policiais. O tempo e a prática vieram demonstrar que essas soluções eram negativas; hoje entende-se que é preferível optar por outro tipo de soluções, procurando "disfarçar" a presença da autoridade para que ela não possa, pela sua intervenção e até mesmo pelo simples facto de estar presente, ser um factor perturbador ou naturalmente instigador de alguma conflitualidade entre ela própria e os espectadores presentes. É verdade que este risco é enorme, que a imprevisibilidade das situações de conflito e de violência nos recintos desportivos é muito grande e que a experiência conhecida no estrangeiro, bem como ern Portugal, não deve ou não pode ser por nós esquecida; desde logo, não pode ser esquecida pelo Governo, dentro das suas obrigações constitucionais.
Uma das obrigações do Estado e do Governo é a de, como todos sabemos, assegurar, desde logo, a segurança dos cidadãos, a ordem e a tranquilidade em qualquer local, mas também nos espaços públicos e naqueles que são destinados aos recintos desportivos. E, Sr. Secretário de Estado, não é a Lei de Bases do Sistema Desportivo, para além da própria Constituição da República, que refere que a prática desportiva é desenvolvida na observância dos princípios da ética desportiva", que "à observância desses princípios estão igualmente vinculados o público e todos os intervenientes no exercício de funções directivas ou técnicas e que, na prossecução desta ética desportiva, é obrigação do Estado adoptar as medidas tendentes a prevenir e a punir as manifestações antidesportivas e de violência? Claro que sim! Consequentemente, todos nós - os grupos parlamentares, o Partido Socialista, o Governo, os cidadãos em geral - temos a obrigação de acatar estes princípios e de, no nosso espaço de intervenção, procurar defendê-los.
Neste quadro, passemos à apreciação do decreto-lei.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado Ajunto do Ministro da Administração Interna, refere o preâmbulo deste decreto-lei o seguinte: "O regime de policiamento dos espectáculos desportivos, a definição da responsabilidade dos organizadores e a eventual comparticipação do Estado carecem [...] de clarificação e de garantias de praticabilidade."
No n.º 2 do artigo 1.º deste mesmo decreto-lei há uma alínea que define, pura, simples e exclusivamente, o que é um "recinto desportivo" e outra que define o que é o "organizador de espectáculo desportivo". Depois, no artigo 2.º, estabelece-se o princípio da requisição supletiva, ou seja, a responsabilidade pela manutenção da ordem dentro do respectivo recinto e pelos eventos resultantes da sua alteração incumbe aos organizadores e só supletivamente, quando entendem que não têm condições para garantir a ordem, podem pedir a intervenção ou a presença da força pública. Todos os outros artigos têm a ver com encargos: "Responsabilidade pelos encargos com o policiamento" (artigo 3.º); "Participação do Estado" (artigo 4.º); "Calendário dos espectáculos" (artigo 5.º); "Qualificação dos espectáculos" (artigo 6.º); "Número de efectivos" (artigo 7.º); "Regime de requisição e pagamento das forças de segurança" (artigo 8.º); "Conselho técnico" (artigo 9.º) [...]
Sr. Secretário de Estado, este decreto-lei, que, no seu preâmbulo e nos seus princípios, pretende definir como deve fazer-se o regime de policiamento e assegurar a segurança nos espectáculos desportivos versa apenas sobre questões de quem paga a segurança nos espectáculos desportivos. Ou seja, este decreto-lei foi apenas - e perdoem-me a expressão - uma encomenda dos organizadores de espectáculos desportivos para encontrarem uma forma (e que bem discutiram com VV. Ex.as de, porventura, terem menos prejuízo ou gastarem o menos possível na organização dos espectáculos desportivos. Só que as obrigações públicas do Governo são bem diferentes das obrigações dos dirigentes dos clubes! Enquanto os dirigentes dos clubes têm, desde logo, e se calhar de acordo com as suas preocupações, em primeiro lugar, de procurar minimizar os encargos financeiros da sua própria actividade e do seu clube, ao Estado incumbe, sejam quais forem as necessidades de obrigação financeira, seja qual for o custo dessas obrigações, garantir a segurança dos cidadãos, que não tem preço.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Este decreto-lei, Sr. Secretário de Estado, não devia chamar-se aquilo que se chama mas, isso sim, "Regime de encargos com o policiamento dos espectáculos desportivos".
O Governo, ao dizer aquilo que diz neste decreto-lei, demite-se das suas obrigações; o Governo, ao dizer aquilo que diz neste decreto-lei, quer dizer aos Portugueses, aos cidadãos, aos organizadores de espectáculos desportivos, que eles são os responsáveis únicos e simples por aquilo que se passa dentro dos campos. Aliás, Sr. Secretário de Estado, o preâmbulo deste decreto-lei refere que o Estado só tem a ver com a segurança até à porta dos estádios e que aquilo que se passa lá dentro é da exclusiva responsabilidade dos organizadores dos espectáculos desportivos.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, informo que, a partir deste momento, está a gastar tempo cedido pelo CDS.
O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Sr. Secretário de Estado -e permita-me esta blague-, quando o seu Ministério se preocupou, durante um ano e meio, com um inquérito parlamentar sobre a eventual participação de uma segurança privada de um clube de futebol, que, por sinal, era o Futebol Clube do Porto, e quando na opinião pública se verberaram atitudes de algumas pessoas que, pelos vistos, foram encarregadas por esse clube de fazer alguma espécie de segurança -não sei qual!... -, V. Ex.ª convirá que esse clube não estava a fazer mais do que aquilo a que este decreto-lei o obrigava, dizendo: "a responsabilidade é vossa!". É que, com este decreto-lei, os clubes podem atribuir a segurança dentro dos seus recintos a empresas privadas de segurança,