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1674 I SÉRIE - NÚMERO 47

O Sr. António Filipe (PCP):- N9o avançaram com medo que nós criticássemos?!

O Orador: - Quanto à educação tecnológica, gostava de dizer-lhe que está a ser revista a inserção desta disciplina nos 2.º e 3.º ciclos do ensino básico. O Ministério da Educação disse-o publicamente, por escrito, às escolas e até ao final deste ano lectivo vai ser anunciada a respectiva alteração curricular, pois temos em vista alargá-la a todos os alunos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Calçada.

O Sr. José Calçada (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Valha a verdade dizer-se - e reconhecer-se - que, se há algo em que os sucessivos Governos do Sr. Prof. Cavaco Silva tem sido hábeis, é no «lavar as mãos» relativamente a situações gravosas que eles mesmos criaram e incentivaram. É uma prática antiga, uma espécie de imagem de marca, que tem vindo a acompanhar o Sr. Primeiro-Ministro e os Governos que tem chefiado nos mais variados domínios da acção governativa e da vida nacional; é como uma impressão digital.
Sem a preocupação de sermos exaustivos, lembremo-nos do desgraçado desenlace do «casamento» do bloco central, atirando para cima do seu cônjuge de ocasião não apenas as culpas da má convivência matrimonial mas também o ónus do divórcio, quase como se o casamento não tivesse existido. Lembremo-nos do modo subtil como o Sr. Primeiro-Ministro, socorrendo-se da original figura do «gato por lebre», deixou bem claro na televisão o «conto do vigário» que a febre da bolsa representou, não sem que antes as teorias do capitalismo popular tivessem varrido as ilusões de milhares de pequenos aforradores e enchido os bolsos de alguns (poucos) especuladores com alguns (muitos) milhões de contos. Lembremo-nos ainda - e, de tão recentes, estes acontecimentos quase nos dispensam o apelo à memória - da rábula revisteira produzida, escrita, encenada e representada pelo Sr. Primeiro-Ministro que, com o título Fim à bagunça dos dinheiros públicos no Centro Cultural de Belém!, continua a provocar saudáveis gargalhadas nas mais vastas plateias do País e - o que é fundamental para os critérios culturais deste Governo - com assinalável sucesso de bilheteira. Finalmente, fomos há poucos dias informados pelo Sr. Braga de Macedo de que, se não fosse a política financeira desenvolvida pelo Sr. Miguel Beleza (um perigoso oposicionista) no Banco de Portugal (esse polvo cujos tentáculos o Governo ainda não conhece em absoluto), os agricultores portugueses viveriam felizes para sempre e as nossas empresas industriais desconheceriam o significado da palavra falência.
Meu Deus, como se pode ir tão longe no caminho do despudor político?
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, o novo modelo de avaliação que está a ser implementado no ensino básico - modelo esse consignado no Despacho n.º 98/A-92 - é, ele também, um exemplo de despudor. Trata-se de um normativo legal de tal modo desadaptado das realidades educativas e sociais do País que, das duas, uma: ou é fruto de uma absoluta ignorância ou é a expressão de uma demagogia sem freio.
Em nome de excelentes princípios, como o da subordinação do ensino à aprendizagem e o da adaptação do processo educativo a cada criança, ele próprio viola liminarmente esses princípios quando, por sua vez, não tem em conta a realidade do país a que se destina. Toda a gente sabe que a pior frustração não é a que resulta da existência de incapacidades próprias mas, sim, das que artificialmente derivam do facto de as crianças e os jovens se verem confrontados com objectivos e metodologias desajustados do seu nível etário e das circunstâncias individuais e sócio-económicas em que não podem deixar de operar.
Permitir-me-ia afirmar, como analogia, que todos estamos de acordo quanto as enormes virtualidades da utilização dos meios audiovisuais no processo de ensino-aprendizagem, mas certamente que os não utilizaríamos com crianças cegas ou surdas. O exemplo pode parecer-nos caricatural e mesmo amargo, mas é uma imagem rigorosa para podermos apreender as razões por que o novo modelo de avaliação, por baixo do verniz das aparências pedagógicas, nos afronta com as realidades de uma demagogia pura e dura.

O Sr. António Filipe (PCP): -Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, o novo modelo de avaliação para o ensino básico é uma fraude! Uma fraude pedagógica, o que já seria grave, e uma fraude social e política, o que é bem pior.
O Sr. Ministro e o Governo sabem perfeitamente que, com este modelo, estão a atirar para as escolas uma responsabilidade que elas, infelizmente, e ao contrário do que sem dúvida gostariam, não estão em condições de assumir. Sabem igualmente que a criação dessas condições ou a sua ausência são, antes de tudo, da responsabilidade do poder central. Sabem ainda que, a acompanhar esta desresponsabilização do Estado e do Governo na consecução de uma política educativa que responda aos anseios e às necessidades das populações e do País, facilmente transformam as escolas e particularmente os docentes em bodes expiatórios de uma situação que, no essencial, os ultrapassa.
Quando se diz no presente normativo de avaliação que a escola deve garantir o sucesso e que este é, em grande medida, consequência da existência de apoios específicos elaborados à imagem de cada aluno e que, assim sendo, a retenção - o chumbo, na linguagem vernácula - deve assumir foros de excepcionalidade, nunca nos passou pela cabeça que este Ministério seria capaz de elevar o óbvio a tão grande altura. Será que este Ministro pensa que, no dia anterior ao da publicitação deste profético despacho, os docentes encaravam a escola como uma luta pelo fracasso, olhavam insolentemente as dificuldades dos seus alunos e os abatiam ano a ano sem dó nem piedade e que no dia seguinte ao da publicitação, iluminados como Paulo no caminho de Damasco, subitamente lhes foi revelado o caminho para o qual até então estavam cegos? Acreditará o Sr. Ministro que a História da Educação em Portugal será no futuro dividida pelos especialistas em duas grandes eras, a a.C.S. e a d.C.S., ou seja, a antes-de-Couto-dos-Santos e a depois-de-Couto-dos-Santos?
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, «uma árvore não é a floresta», e é bem verdade; «uma andorinha não faz a Primavera», e é igualmente verdade. Seria assim absurdo, objectivamente absurdo, e insustentável, politicamente insustentável, olharmos a política geral deste Governo à luz das pretensas qualidades