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1682 I SÉRIE - NÚMERO 47

natureza e qualidade das instituições públicas e privadas intervenientes no processo.
Sugerimos que, para avaliar de algum modo a nossa capacidade de enfrentar o desafio mundial, é necessário pôr o acento tónico do empenhamento público nestes problemas de fundo, para que a questão das propinas deixe de parecer e aparecer como a mãe de todos os conflitos. No caso de ser impossível repor uma hierarquia consistente das questões, temos fortes motivos para nos inquietarmos quanto ao futuro.
Um dos pontos críticos da conjuntura portuguesa é o da posição relativa das instituições públicas e das instituições privadas do ensino superior, e o seu relacionamento dentro do sistema geral. Talvez o IV Congresso do Ensino Particular e Cooperativo permita finalmente vislumbrar o aparecimento de um novo estado de espírito.
Antes da Constituição vigente, já existiam estabelecimentos privados do ensino superior, no geral com o nome de institutos, os quais atravessaram o período revolucionário e continuam num exercício que não tem atraído reparos, conferindo os graus de licenciatura; uma universidade católica, enquadrada pelo regime concordatário, serviu de ponto de referência e de inspiração durante o mesmo período, e continuou a crescer até hoje em autoridade.
A disfunção aparece vinculada ao proliferar de estabelecimentos privados da segunda geração, que se legitimaram com os direitos e liberdades de ensinar e aprender, e geralmente quiseram a qualificação universitária. É necessário notar previamente que tais estabelecimentos prestaram à comunidade nacional um serviço frequentemente com deficiências visíveis, mas numa época e numa área definidas, em primeiro lugar, pela circunstância de que o Estado não prestava serviço nenhum. Todavia, depois de tantos anos de empirismo não pode adiar-se mais a correcção dos defeitos, suficientemente diagnosticados, para conseguir que a rede pública e a rede privada se complementem.
Na rede privada da nova geração aconteceu que o princípio da liberdade de ensinar, o qual deriva da legitimidade dos pluralismos das concepções do mundo e da vida, foi muitas vezes superado pela simples concepção da economia de mercado, a inspirar respostas rápidas para uma procura explosiva, inflaccionada esta pela crise da rede pública. Aconteceu mesmo que, neste caso, foi a oferta que rapidamente condicionou a procura, porque a procura foi constrangida a escolher entre uma oferta construída com atenção aos custos de produção, e visando uma amortização acelerada. Sendo irrecusável que a crise da rede pública estava entre as causas dessa superação da liberdade de ensinar pelo anunciado direito de intervir no mercado da educação; sendo certo que o exercício, mal regulado, dessa intervenção submeteu frequentemente a procura juvenil a uma oferta estruturada pelos investidores em função da contenção dos custos, e apenas nas áreas de menores investimentos: é também inerente a este sistema que o consumidor pague os custos, como tem acontecido com punição frequente das famílias de menores recursos.
Tudo visto, parece evidente que a primeira injustiça clamorosa a remediar é que a simples insuficiência da oferta pública remeta tantas dezenas de milhares de estudantes para a rede privada, por essa falta de capacidade de Estado, e não pelas diferenças de concepção de vida que justificam a liberdade essencial de ensinar.
Já vimos neste Parlamento que esse facto atinge milhares de estudantes que correspondem ao critério de excelência, cujas famílias pagam impostos como as dos que o
Estado acolhe, e todos ao abrigo de uma Constituição que orienta para o ensino tendencialmente gratuito. É por isso que parece limitado o conceito que transfere da experiência da rede privada para a rede pública o conceito empresarial dos custos, em nome da proclamada injustiça dos pobres pagarem para os ricos. Todo o vasto sector dos que apenas procuram a rede privada porque o Estado os não recebe, não obstante a própria excelência da sua preparação, ficam excluídos de tais preocupações, não obstante o dever tributário cumprido por igual.
Não parece assim indicado recorrer tão erradamente ao direito natural para dar outra imagem à injustiça decorrente das insuficientes capacidades do Estado, porque a modesta doutrina das taxas é suficiente para lidar com a actualização, usando mais contabilidade e menos demagogia
A autonomia universitária parecia suficiente para, nessa base, lidar com esses problemas, poupando-nos à situação em que estamos de ter uma lei que deve ser obedecida por respeito ao princípio do Estado de direito, mas que suscita a justa contestação derivada dos errados fundamentos, do limitado grupo ao qual pretende fazer justiça potencializando a injustiça dos rejeitados pela rede pública, das autonomias feridas, e do limitadíssimo remédio que pode trazer ao financiamento das universidades e dos serviços sociais.
Um dos preceitos da ética universitária é ter a cacapidade de reconhecer o erro, de proclamar com alegria o avanço que se traduz em ter percebido o erro, e trabalhar na formulação de nova hipótese. O legislador maioritário, tratando-se neste caso das universidades, poderia excepcionalmente adoptar a mesma regra. Insistindo em que a maior injustiça está na situação dos rejeitados pela rede pública, lembramos que, recentemente, Ciem Sunter, escrevia sobre o desafio da investigação e do ensino: «uma aproximação mais radical seria abandonar qualquer divisão de sectores. Em vez disso, o Estado deveria emitir vauchers para todos os pais, e que eles poderiam usar em nome dos filhos, na escola da sua escolha».
A política em formação na Europa comunitária, liderada pela actual presidência, pretende que esta doutrina seja ampliada em termos de os pais europeus poderem enviar os filhos para as escolas de qualquer país da Comunidade, usando o cheque escolar que o seu governo lhe abonará em função dos custos que não sofre. Sabemos que países com os recursos portugueses não poderiam adoptar tal sistema sem um fundo exterior, ou mesmo com ele, mas conviria meditar sobre a doutrina do cheque escolar para fins domésticos, a qual doutrina propusemos há anos a esta Câmara, porque ela ajuda a compreender que a regulação das propinas legalmente em vigor precisa de se relacionar melhor com a justiça, e que a maior das injustiças está na maneira como o sistema condena tantas dezenas de milhares de alunos, grande número deles com excelência, a renunciar ao direito de entrar na rede pública do ensino por falta de capacidade física da rede, tal como os obriga a submeterem as vocações à oferta privada disponível, tal como expropria as famílias dos tributos pagos regularmente para tal fim, tal como finalmente se inquieta com a justiça para alguns usando os dinheiros pagos por todos.
Por isso nos parece que é tempo de ultrapassar as questões da intendência, e tratar da tarefa difícil que é racionalizar globalmente a rede privada e a rede pública do ensino superior.
E talvez deva começar-se por reconhecer que: primeiro- os objectivos da investigação e do ensino, sistematizados designadamente por Scheling, Humboldt, Jaspers,